Culturas de cobertura como fator de variabilidade no SPD
O sistema agrícola brasileiro pode ser definido pelas características referentes a produção, comercialização e exportação. Porém nas últimas décadas, o conceito de preservação ambiental, aliado ao aumento da produção está inserido em todos esses processos e representa um desafio atual. Nesse quesito, o Sistema Plantio Direto (SPD) representou e ainda representa um sistema que, quando bem manejado, pode contribuir para diminuir esses problemas.
Nos últimos 50 anos a quantidade de terra agricultável per capita diminuiu cerca de 50% no mundo (GLOBAL SOIL FORUM, 2016). De acordo com a FAO (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION), 33% das terras cultivadas têm alto ou médio grau de degradação devido à poluição, acidificação química dos solos, salinização, compactação, erosão (FAO, 2015), sendo que, os dois últimos fatores citados são os principais problemas em áreas agrícolas atualmente.
O SPD torna-se uma prática essencial que visa a evitar e reduzir os principais impactos, atuando como o principal amenizante da degradação do solo. Essa constatação, em grande parte, atribui-se a utilização de culturas de cobertura, pois as mesmas proporcionam que o solo esteja sempre coberto, atuando como uma barreira mecânica à energia cinética da água e posteriormente, após sua decomposição, interagem com o solo na forma de matéria orgânica, o que entre outros benefícios, auxilia na estabilidade dos agregados influenciando na qualidade estrutural e no movimento de água no solo (DIEKOW et al., 2005).
A mensuração da variabilidade de diferentes parâmetros referentes ao solo, culturas e ao ambiente de produção sempre foram o objetivo de estudo nas mais diferentes áreas do conhecimento de ciência agrícola. A adoção do SPD culminou em inúmeros estudos que buscaram mensurar o efeito das culturas de cobertura em esquemas de rotação em SPD, em que os resultados apontam para benefícios que abrangem a qualidade física (COSTA et al., 2011; KONDO et al., 2012), química (TORRES e PEREIRA, 2008; BRESSAN et al., 2013) e biológica do solo (SANTOS et al., 2008; CUNHA et al., 2012), além dos benefícios ambientais no que tange menor uso de fertilizantes minerais (BOER et al., 2007; CRUSCIOL e SORATTO, 2009).
Contudo, apesar dos inúmeros benefícios que as culturas de cobertura proporcionam a nível de sistema de produção agrícola, essas se tornaram mais um fator de variabilidade nas lavouras. Essa constatação, embora relevante, ainda não foi explorada dentro das estratégias da agricultura de precisão muito menos quando se almeja altas produtividades. Entender os efeitos da variabilidade durante o ano todo passam a ser determinantes quando se deseja altas produtividades, isso porque, a construção da qualidade do solo é gradativa e não se dá em uma única safra.
O que se espera é uma lavoura uniforme com baixa variabilidade (coeficiente de variação da produtividade), porém o que se encontra são lavouras com altas, médias e baixas produtividades (Figura 1).
Novas tecnologias em prol do SPD
Mesmo o SPD sendo uma pratica valiosa para a conservação do solo, ainda são escassas as informações quanto à forma correta de manejálo quanto a variabilidade espacial de maneira que se possa melhorar zonas com baixa e média produtividade sem “perturbar” as zonas que apresentam elevada qualidade do solo e expressam altas produtividades de maneira estáveis ao longo dos anos.
Esta constatação baseia-se principalmente nas incertezas quanto ao real efeito que causam diferentes tipos de plantas de cobertura no solo, o que sugere a necessidade de um monitoramento mais criterioso a campo.
A necessidade de monitoramento do SPD pode ser manejada com as ferramentas da agricultura de precisão (AP). Segundo VALENTE et al. (2011), a AP surge como um novo conceito de manejo, ou como uma estratégia de gestão que utiliza a tecnologia da informação com o objetivo de elevar a produtividade e a sua qualidade considerando a espacialização de variáveis e estratégias de manejo.
Considerando o ciclo da AP (Figura 2) o sucesso depende das mais diversas aplicações, desde a amostragem georreferenciada de solo, mapas de colheita, sistema de guia por GPS e sensores espectrais. Identificar causas óbvias da variabilidade como erosões, problemas com plantabilidade, manejos fitossanitários são passos essenciais.
No entanto, o grande problema é acompanhar a lavoura o ano todo principalmente no intuito de evitar a variabilidade nos períodos em que as culturas de interesse econômico como soja e milho não estão presentes na área. Uma aposta recente na AP, refere-se aos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (RPAS) e as imagens de satélites, as quais podem permitir agilidade no levantamento das informações bem como uma escala de abrangência compatível com as demandas do SPD que superam no Brasil 35 milhões de hectares implantados.
O grupo LAPSul (Laboratório de Agricultura de Precisão do Sul), da Universidade Federal de Santa Maria, campus de Frederico Westphalen, RS, vem trabalhando já a quatro anos em estudos que busquem verificar os efeitos da variabilidade da produção da matéria seca das plantas de cobertura, dos nutrientes ciclados por nos sistemas de rotações e as inter-relações dos nutrientes do solo. Um estudo de caso foi conduzido em uma área de 74 ha, cultivada sob SPD há mais de 20 anos, localizada no município de Boa Vista das Missões, RS, Brasil (27°71’66”S a 27°72’55”S e 53°33’13”W a 53°34’08”W). O solo presente na área experimental foi classificado como Latossolo Vermelho (SANTOS et al., 2013), com textura muito argilosa.
No período do estudo a área apresentava como cultura de cobertura a aveia preta (Avena strigosa Schreb.), sendo que, após o manejo da aveia preta, foi semeada no dia 16/11/2015 a cultura da soja com a cultivar NS 5445, com 220.000 sementes/ha e espaçamento de 0,5 m entre linhas. Inicialmente a área foi dividida por meio de uma malha amostral quadricular de 70,71 x 70,71 m, resultando em 147 pontos de amostragem (Figura 3a).
Em cada ponto de amostragem. A colheita da soja foi realizada manualmente no dia 15/03/2016, onde coletou-se nos 147 pontos anteriormente definidos, cinco metros lineares em três fileiras de semeadura (5 x 1,5 m) (Figura 3b).
As plantas colhidas foram posteriormente trilhadas para a quantificação do rendimento de grãos, o qual foi corrigido para 13% de umidade e quantificado em kg ha-1. Ainda nos mesmos pontos de amostragem procedeu-se a coleta de matéria seca da cultura da aveia preta quando estava na maturação fisiológica. A coleta foi realizada utilizando um quadro de 0,25 m2, sendo feitas três repetições por ponto amostral (Figura 3c).
Com base no mapa de produtividade de grãos da soja, observa-se que as subáreas com maior produtividade de grãos correspondente à faixa que vai do sul a leste do mapa houve correspondência desta, com os mapas de MS (Figura 4a) e Mg acumulado na MS seca (Figura 4d), o que reforça novamente a importância dessas variáveis no rendimento de grãos da soja.
Cabe destacar que o mapa de matéria seca da aveia preta apresentou o maior grau de semelhança entre os mapas anteriormente discutidos, sendo que essa característica influenciará diretamente no nitrogênio e magnésio acumulado. A Figura 5, reforça novamente a importância da cobertura do solo para o SPD, em que demostra a correlação positiva entre a produtividade de grãos da soja e produção de matéria seca da aveia preta.
Cabe destacar que apesar da correlação com produtividade de grãos da soja com a matéria seca da aveia preta, ser rela
Além da correlação da matéria seca da aveia preta na produtividade de grãos da soja, a Figura 6 mostra que o nitrogênio e o magnésio acumulado na matéria seca da aveia preta também influenciam positivamente na produtividade de grãos da soja.
A resposta positiva do nitrogênio e do magnésio acumulados na matéria seca da aveia preta no rendimento de grãos da cultura da soja pode ser devido ao fato de que a liberação desses no solo é lenta o que propicia um maior aproveitamento pela planta de soja, principalmente em períodos de maior necessidade pela cultura.
Cabe ainda destacar que o nitrogênio e o magnésio são componentes da clorofila, que são pigmentos responsáveis pela conversão da radiação luminosa em energia, sob a forma de foto assimilados. Esse é um resultado que o LAPSul estará averiguando nos próximos experimentos em virtude da relevância e importância dentro de uma estratégia de sistema.
Mesmo considerando esses resultados, estudos preliminares demonstram que vários aspectos ligados a qualidade física e biológica do solo são afetadas diretamente quando, além de não se realizar rotação de culturas, se negligencia pensar o sistema o ano todo. Obviamente que é necessário administrar custos mas, a dedicação de 30% do tempo da lavoura para com a qualidade do SPD pode representar a sustentabilidade econômica e ambiental.
Na maioria dos casos a variabilidade é induzida por decisões pessoais ou operacionais, tangíveis de serem revertidas e administradas. Talvez o grande momento em que vivemos seja este: Como utilizar os dados que se tem em mãos, para melhorar um produto, criar uma estratégia de manejo mais eficiente, cortar gastos, produzir mais, evitar o desperdício de recursos e garantir o controle ambiental?
Considerações finais
O objetivo desse artigo, muito mais que apresentar resultados (pois ainda o LAPSul está numa fase de construção do conhecimento) é alertar para com a importância da eliminação completa do vazio outono/ inverno, para com a solidificação de sistemas de rotação que considerem a importância do manejo da variabilidade do solo e de suas variáveis o ano todo e não apenas nos meses em que as culturas de interesse econômico como soja e milho estão implantadas. Além disso, alertar os amigos produtores para com algumas propostas:
- Nenhuma tecnologia corrige um erro de manejo;
- Um dos grandes desafios atuais da agricultura é manejar a variabilidade no perfil de solo;
- Uma lavoura sem palha não merece receber tecnologia alguma;
- É necessário saber tratar a variedade dados como parte de um todo - um tipo de dado pode ser inútil se não for associado a outro.
Referências
BRESSAN, S. B. et al. Plantas de cobertura e qualidade química de Latossolo Amarelo sob plantio direto no cerrado maranhense. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 17, n. 4, p. 371–378, 2013.
BOER, C. A. et al. Ciclagem de nutrientes por plantas de cobertura na entressafra em um solo de cerrado. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 42, n. 9, p. 1269-1276, 2007.
COSTA, M. S. S. M. et al. Atributos físicos do solo e produtividade do milho sob sistemas de manejo e adubações. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 15, n. 8, p. 810-815, 2011.
CUNHA, E. Q. et al. Atributos físicos, químicos e biológicos de solo sob produção orgânica impactados por sistemas de cultivo. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 16, n. 1, p. 56–63, 2012.
CRUSCIOL, C. A.; SORATTO, R. P. Nitrogen supply for cover crops and effects on peanut grown in succession under a no-till system. Agronomy Journal, Madison, v. 101, p. 41-46, 2009.
DIEKOW, J. et al. Carbon and nitrogen stocks in phisical fractions of a subtropical acrisol as influenced by longterm no-till cropping systems and n fertilisation. Plant and Soil, Amsterdam, v. 268, p. 319-328, 2005.
FAO. 2015. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Disponível em: .
GLOBAL SOIL FORUM. 2016. Dedicated to achieving responsible land governance and sustainable soil management worldwide. Disponível em: < http://www.iass-potsdam.de/ en/research-clusters/global-contractsustainability/sustainability governance/global-soil-forum>. GPS4US. Global positioning and geographic information systems help create an environmentally friendly farm. Post. Los Angeles, USA, 2011. Disponível em:
KONDO, M. K. et al. Efeito de coberturas vegetais sobre os atributos físicos do solo e características agronômicas do sorgo granífero. Bioscience Journal, Uberlândia, v. 28, n. 1, p. 33-40, 2012.
SANTOS, G. G. et al. Macrofauna edáfica associada a plantas de cobertura em plantio direto em um Latossolo Vermelho do Cerrado. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 43, n. 1, p. 115-122, 2008.
TORRES, J. L. R.; PEREIRA, M. G. Dinâmica do potássio nos resíduos vegetais de plantas de cobertura no Cerrado. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, v. 32, n. 4, p. 1609- 1618, 2008.
VALENTE, J. et al. An Air-Ground Wireless Sensor Network for Crop Monitoring. Sensors, Basel, v. 11, p. 6088- 6108, 2011.