A nova edição do Manual de Calagem e Adubação para os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina


Autores: Leandro Souza da Silva; Luciano Colpo Gatiboni
Publicado em: 31/12/2016

Histórico dos Manuais de Calagem e Adubação

Nos Estados do Sul do Brasil, a utilização da análise de solo para recomendação de fertilizantes aos cultivos agrícolas é uma prática que iniciou na década de 1950. Wilhem Mohr, funcionário do Laboratório de Química Agrícola da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul, desenvolveu um sistema de recomendação baseado na análise dos sais do solo, interpretados de maneira diferenciada para quatro grandes regiões do RS, as quais possuíam solos contrastantes.

Após isso, uma primeira versão de um sistema de recomendação com uso da análise de solo e considerando a cultura a ser utilizada começou a ser gestada a partir de 1965, com a criação do Programa de Pós-graduação em Ciência do Solo da UFRGS. A partir de um convênio com a Universidade de Wisconsin (EUA) e a instalação de vários experimentos a campo, começaram a ser diagnosticados os principais problemas de fertilidade dos solos do RS, a saber: acidez elevada e deficiência de fósforo.

Os resultados obtidos pela pesquisa da época foram difundidos por meio das denominadas “Operação Tatu”, no RS a partir de 1967, e “Operação Fertilidade”, em SC a partir de 1969, as quais mostravam a grande resposta das culturas de grãos à calagem e adubação. Devido a rápida adoção dessas técnicas pelos agricultores, como consequência, em 1968 o Departamento de Solos da UFRGS publicou o primeiro conjunto de tabelas para recomendação de fertilizantes, sendo considerado hoje como uma primeira edição do Manual de Calagem e Adubação.

Também em 1968 foi criada a ROLAS (Rede Oficial de Laboratórios de Análise de Solo e Tecido Vegetal) e, com isso, foram unificados os métodos de análise de solo utilizados pelos laboratórios. Em 1972, as ações da ROLAS e do sistema de recomendação passaram a ser unificadas nos Estados do RS e de SC.

A partir da primeira edição (1968), o sistema de recomendação foi sendo rapidamente incrementado, já que os resultados de pesquisa iam sendo obtidos e havia necessidade de incluir no sistema as informações de recomendação para novas culturas, ajustes nas doses de calcário, fósforo e potássio, inclusão de adubação de manutenção, dentre outras.

Assim, novas edições foram publicadas em 1969, 1971, 1973, 1976, 1981 e 1987, incialmente sob coordenação da UFRGS e depois da ROLAS. A oitava edição do Manual, publicada em 1989, foi a primeira sob coordenação do Núcleo Regional Sul da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (NRS-SBCS), criado em 1987, cujo trabalho de atualização do Manual passou a ser delegado à Comissão de Química e Fertilidade do solo, indicada pelo NRS-SBCS.

Em 1994 foi lançada a nona edição do Manual, porém ela surgiu numa época de grandes mudanças nos meios de produção, como a adoção generalizada do sistema plantio direto (SPD), o aumento do uso da irrigação, a produção de frutas para exportação, plasticultura, uso intenso de dejetos animais em regiões produtoras, dentre outros.

Muitos desses aspectos não eram suficientemente abordados naquela edição do Manual e os pesquisadores da área de fertilidade do solo ainda estavam desenvolvendo pesquisas para gerar respostas para o novo cenário agrícola do Sul do Brasil. Após uma década de pesquisas, reuniões e processamento dos dados, em 2004 surgiu a décima edição do Manual de Calagem e Adubação.

Em muitos aspectos, a edição de 2004 foi inovadora. Dentre eles, a coleta de solo na camada de 0-10 cm para SPD, critérios específicos para a aplicação de calcário em SPD, teores críticos de K dependentes da CTC do solo, descrição de sistemas especiais de produção (como hidroponia), sistema de cálculo e recomendação de fertilizantes orgânicos, entre outras inovações ou atualizações.

Em razão disso, a décima edição se manteve atual por um largo período, servindo como base para a recomendação de calagem e adubação para os solos do RS e de SC. Porém, como esperado, a agropecuária sul-brasileira foi se modificando com o tempo, bem como surgiram novos dados de pesquisa; e novamente emergiu a necessidade de atualização das recomendações vigentes desde 2004.

Além das atualizações corriqueiras, como inclusão de recomendação para novas culturas, ajuste de doses para as culturas existentes, entre outras, uma nova edição do manual tinha que abordar problemas detectados após 2004, como:

1) a ocorrência de solos sob SPD com restrições ao crescimento de plantas em camadas subsuperficiais do solo (alta acidez, baixo teor de P e K e compactação);

2) modificação de metodologias analíticas utilizadas pelos laboratórios da ROLAS;

3) verificação de que os teores críticos de P e K precisavam ser revistos em decorrência do SPD, novas cultivares e novos patamares de produtividade das culturas.

O processo de elaboração da nova edição do Manual

Uma comissão de editores para a nova edição (Leandro S. da Silva, Luciano C. Gatiboni, IbanorAnghinoni e Rogério O. Sousa) foi instituída durante a X Reunião Sul-Brasileira de Ciência do Solo, realizada em PelotasRS, em outubro de 2014. O primeiro passo realizado pela comissão foi um diagnóstico sobre as principais demandas e necessidades de mudança no Manual.

Em 2015, usando os resultados do diagnóstico, a comissão elaborou uma proposta inicial com as principais mudanças a serem incluídas na nova edição e apresentou para um grupo de aproximadamente 30 pesquisadores, representantes de inúmeras instituições de ensino, pesquisa e extensão do RS e SC.

Aprovadas as modificações principais, foram instituídos treze grupos de trabalho, cada um responsável pela revisão das recomendações de algum grupo de culturas específico ou de algum capítulo do Manual. Os coordenadores de cada grupo convidaram outros pesquisadores para o trabalho, os quais efetuaram propostas de modificações/atualizações no período de maio a dezembro de 2015.

Ao todo, na elaboração da 11ª edição do Manual, foram envolvidos diretamente 87 pesquisadores e técnicos de 31 instituições ou empresas. No início de 2016, a comissão editorial trabalhou na sistematização do material enviado pelos grupos e uma versão final foi apresentada e aprovada pelo grupo de representantes dos grupos de trabalho em abril de 2016.

A partir de então o material foi editorado e revisado, sendo realizado o lançamento da nova edição do Manual por ocasião da XI Reunião Sul-Brasileira de Ciência do Solo, realizada em Frederico Westphalen-RS, de 31/08/2016 a 02/09/2016.

As principais mudanças na nova edição do Manual

A seguir, é feita uma breve descrição, na forma de itens, das principais modificações da 11ª edição do Manual de Calagem e Adubação:

a) Mudança do título do Manual: nas edições anteriores, o título era “manual de adubação e de calagem...” e, nesta, decidiu-se inverter para “manual de calagem e adubação...” pelo entendimento que a prática da calagem é para condicionar o solo e precede a adubação das culturas, sendo mais lógico o título na nova grafia.

b) Nova organização dos capítulos: procurou-se posicionar os capítulos do novo Manual na mesma ordem de utilização pelos usuários. Por exemplo, um usuário primeiro verifica o procedimento de amostragem e coleta a amostra de solo (descrito no capítulo 3) e depois a amostra vai para análise em um laboratório (métodos descritos no capítulo 4).

De posse do resultado, o usuário interpreta a acidez do solo e necessidade de calagem (capítulo 5); depois interpreta a disponibilidade dos nutrientes e necessidade de fertilizantes para as culturas (capítulo 6). Finalmente, o usuário escolhe os fertilizantes minerais ou orgânicos para utilização (Capítulos 8 e 9).

c) Procedimento de amostragem: as camadas diagnósticas para a coleta de amostras de solos foram ajustadas, modificando em algumas situações. No SPD agora é recomendado que a camada de 10 a 20 cm também seja coletada junto com a camada de 0 a 10 cm, mas de maneira eventual, associada com a interpretação da acidez para fins de recomendação de calagem.

Nas frutíferas e florestais, a camada de 20 a 40 cm deixou de ser coletada, mas a camada de 0 a 20 pode ser usada para ajustar doses no caso de aplicações de corretivos e fertilizantes em maiores profundidades.

d) Metodologias de análise: foram atualizadas as descrições dos métodos de análise de solo e tecido vegetal utilizados pelos laboratórios da ROLAS, bem como descritos os critérios para obtenção do selo de qualidade da ROLAS pelos laboratórios.

Ainda, uma mudança importante foi a inclusão do método Mehlich-3 como método complementar a ser solicitado pelo usuário para solos onde foram utilizados fosfatos naturais nos últimos dois anos, em substituição ao P-resina.

Esse novo método alternativo, além de avaliar fósforo, serve também para extrair potássio, cálcio, magnésio, sódio, cobre e zinco. Quando do uso desse método complementar, os resultados analíticos devem passar por uma conversão matemática para uso, descrita no capítulo 4 do Manual.

e) Avaliação da acidez e recomendação de calagem: o capítulo de acidez e calagem foi atualizado, estabelecendo uma lógica maior entre o pH de referência e os critérios de tomada de decisão para recomendar a aplicação e a dose indicada em cada situação.

Todas as culturas também foram revistas quanto ao enquadramento do pH de referência e dos critérios de decisão. Para as culturas de grãos em SPD, a calagem é interpretada pela camada de 0 a 10 cm do solo e, eventualmente, também é considerada a acidez da camada de 10 a 20 cm do solo.

Na calagem, ainda, para culturas não responsivas à elevação do pH (sem pH de referência), a dose de calcário passa agora a ser calculada pelo método da saturação por bases, visando sua elevação até 40%, com o objetivo do suprimento adequado de cálcio e magnésio às plantas.

f) Nova sistemática para teores críticos de P e K: os teores críticos de fósforo para as culturas de grãos foram aumentados, baseado em experimentos mais recentes de calibração para culturas de grãos no SPD. Para potássio, os teores críticos foram modificados em função de agora existirem quatro classes de CTC para avaliação da disponibilidade de K.

Contudo, uma mudança estrutural profunda nesta edição do Manual é que as culturas foram classificadas em relação a sua exigência em correção do solo para P e K, criando-se três grupos de culturas, sendo as “muito exigentes” (exigência de P e K maior que culturas de grãos), “exigentes” (exigência igual a grãos) e as “pouco exigentes” (exigência de P e K menor que as culturas de grãos).

Com isso, agora há tabelas de interpretação de resultados da análise com teores críticos específicos para cada grupo de culturas, conforme seu nível de exigência. Isso implica em que a interpretação dos teores de P e K no solo depende agora da cultura a ser cultivada.

g) Revisão de doses e novas culturas: além da revisão das doses de fertilizantes recomendadas para as culturas pré-existentes no Manual, foram atualizados os rendimentos de referência usados para o cálculo da recomendação e incluídas novas culturas, para as quais não havia recomendação anteriormente, como: abobrinha, salsa, chuchu, mandioquinha-salsa, nabo, palmeira real australiana, pupunha, palmeira juçara, oliveira, cedro australiano, funcho e guaco.

h) Lógica do sistema dentro de cada grupo de culturas: para todos os grupos de culturas foi adicionado ou ampliado um texto explicativo detalhando particularidades da adubação para as culturas do grupo. Assim, há uma sistemática geral semelhante para todas as culturas dentro do grupo.

Como exemplo: as classes de matéria orgânica usadas para recomendação da adubação nitrogenada para forrageiras foram estratificadas em cinco faixas (ao invés de três), permitindo um melhor ajuste para essas culturas.

Já para as frutíferas, são previstos três regimes de adubação, sendo a adubação de pré-plantio realizada com a incorporação de P e K para corrigir o solo, sendo as doses idênticas para todas as frutíferas; após há uma adubação de crescimento (antes da planta iniciar a produzir), geralmente apenas com N; finalmente, a adubação de manutenção é usada após o início da produção de frutas e para a maioria das culturas ela é baseada na reposição dos nutrientes exportados pela colheita.

Para outros grupos de culturas há também particularidades, não abordadas aqui. i) Outras atualizações no Manual: foram atualizadas as informações sobre soluções nutritivas utilizadas no cultivo de plantas em hidroponia e em substratos, assim como também foram atualizadas as informações sobre eficiência, concentração de nutrientes e legislação pertinente sobre corretivos, fertilizantes minerais e adubos e adubação orgânica.

Foi incluído um capítulo sobre as relações entre a calagem e adubação e a qualidade ambiental, já que muitos solos do RS e de SC apresentam atualmente altos teores de nutrientes, resultado de não uso ou uso inadequado do sistema de recomendação que, para alguns, podem ocorrer consequências ambientais severas.

Além das modificações listadas anteriormente, muitas outras foram introduzidas na nova edição do Manual. Importante ressaltar que para cada tabela ou figura no Manual há textos explicativos, indicando como deve ser a correta interpretação dos resultados de análise e a recomendação de fertilizantes e, também, indicando as exceções, particularidades e detalhes importantes para o usuário chagar na melhor recomendação possível.

Assim, o Manual é para ser “consumido” por inteiro pelo usuário, e não apenas pelo uso de suas tabelas. Finalmente, acreditamos que a nova edição do Manual está atualizada e condizente com a realidade da agropecuária Sub-brasileira e, ainda, representa a opinião dos pesquisadores e técnicos da Ciência do Solo sobre a melhor maneira de manejar a fertilidade dos solos do RS e de SC.

Entretanto, temos a convicção de que o NRS-SBCS promoverá, sempre que for necessário, novas atualizações para que o Manual de Calagem e Adubação seja um material adequado para a formação e o exercício profissional dos técnicos que atuam nesses Estados.

Para os interessados, o Manual de Calagem e Adubação pode ser adquirido através do site do Núcleo Regional Sul da SBCS (www.sbcs-nrs.org.br).