Introdução
A semeadura do milho como segunda safra, após a colheita da soja, também conhecida como milho “safrinha”, é uma realidade no Brasil e ocupa expressivas áreas de produção (Artuzi & Contiero, 2006; Petter et al., 2015).
Nesses sistemas produtivos, restos de grãos e de segmentos de espigas com grãos são comuns após o processo de colheita do milho, originando plantas voluntárias na cultura subsequente, também conhecidas como plantas guaxas ou tigueras (Costa et al., 2014) Os grãos soltos ou espigas perdidas na colheita de milho safrinha podem permanecer no solo, com viabilidade de germinação e emergência, durante toda a estação seca (período invernal).
Após o início da estação chuvosa e a semeadura da cultura subsequente, ou seja, primeira cultura da safra seguinte, esses grãos germinam e promovem o estabelecimento de plantas voluntárias, o que causa significativa interferência negativa na produtividade da cultura, tal como as plantas daninhas, em razão da competição por recursos para o crescimento, como água, luz e nutrientes.
Beckett & Stoller (1988) destacam que, em áreas de plantio direto, este problema é ainda mais importante, pois não há revolvimento do solo, de modo que os grãos são mantidos sobre a superfície da área, aptos à germinar e se estabelecer como plantas voluntárias.
Na prática, se reconhece que a presença de segmentos de espigas, diferentemente da presença de grãos individualizados, dificulta o manejo pois, quando no solo, as sementes nas espigas não debulhadas possuem desuniformidade de emergência, o que resulta em sucessivos fluxos.
Deen et al. (2006) ponderam que o milho voluntário oriundo de grãos ainda ligados às espigas predomina em áreas em que ocorreu acamamento da colheita e, nesta situação, o milho voluntário ocorre em “touceiras” que, na prática, proporcionam alta densidade de plantas no local em que se encontra o segmento da espiga.
Embora a ocorrência de milho voluntário oriundo de espigas seja muito comum nas lavouras de soja, são escassos os trabalhos que abordam esta importante condição de cultivo. O glifosato é uma alternativa eficaz para o controle de milho voluntário, em lavouras de soja tolerante a este herbicida (soja RR).
Porém, com o advento do milho também tolerante a glifosato, essa alternativa foi inviabilizada, o que exige a aplicação de herbicidas de outros mecanismos de ação, com destaque para os graminicidas (Marca et al., 2015). A adoção de graminicidas também é uma alternativa para o controle de biótipos de plantas daninhas resistentes ao glifosato, com destaque para o azevém (Lolium multiflorum) e o capim-amargoso (Digitaria insularis) (Maciel et al., 2013; Costa et al., 2014).
Assim sendo, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de estimar o efeito da infestação de milho voluntário tolerante ao glifosato na produtividade da cultura da soja, bem como avaliar o controle destas plantas com o herbicida cletodim.
Material e Métodos
Seis experimentos semelhantes foram desenvolvidos com a cultura da soja, na safra 2013/14 sendo cada um realizado em um dos municípios brasileiros descritos na Tabela 1. Os tratamentos experimentais consistiram de combinações entre a presença de plantas voluntárias de milho tolerante ao herbicida glifosato (híbrido DKB 390YG RR2) e medidas de manejo químico destas plantas (Tabela 2).
Para simular a interferência de plantas voluntárias de milho nas lavouras de soja, espigas sem palha foram quebradas ao meio (transversal) e distribuídas uniformemente nas parcelas experimentais.
Essas espigas foram plantadas em condição semi-incorporada (50%), à densidade de 1, 2 ou 4 segmentos m-2, no mesmo dia da semeadurada da cultura. Em complementação, adicionou-se um tratamento em que a soja foi mantida plenamente capinada, sem a presença de milho voluntário e plantas daninhas (testemunha capinada).
Como alternativa de controle do milho, adotaram-se pulverizações de cletodim. Realizaram-se as seguintes aplicações de cletodim: única, a 108 g ha-1, sobre soja em estádio de três trifólios (3T); única, a 108 g ha-1, sobre soja com seis trifólios (6T); e duas aplicações, a 108 e 84 g ha-1, sobre soja em 3T e 6T. No momento da primeira aplicação de cletodim, as plantas de milho oriundas de espigas estavam com 15 cm de altura e 1 a 2 folhas verdadeiras.
Na segunda aplicação, identificaram-se plantas de milho com 20 a 25 cm e 3 a 4 folhas verdadeiras. A aplicação dos tratamentos foi realizada com auxílio de um pulverizador costal pressurizado com CO2, acoplado à barra de aplicação com quatro pontas do tipo TT110.015, espaçadas de 0,50 m, reguladas para volume de calda proporcional a 120 L ha-1.
Adicionou-se adjuvante à base de óleo mineral a 0,5% v/v à calda de todos os tratamentos herbicidas. Todas as parcelas de soja foram mantidas livres da competição com plantas daninhas, com exceção das plantas de milho voluntário tolerante a glifosato, por meio de duas aplicações de glifosato a 720 g ha-1, realizadas aos 14 e 28 dias após a semeadura da soja.
As variáveis analisadas foram: controle percentual das plantas de milho, aos 28 dias após a segunda aplicação (DAA) de cletodim e em pré-colheita da soja; estande (plantas m-2) da soja; e produtividade (kg ha-1) da soja.
Para as avaliações de controle percentual, utilizou-se uma escala de notas variável entre 0 (ausente) e 100% (plantas mortas). Na maturação fisiológica da soja, realizou-se a contagem do estande da cultura nas duas linhas centrais, bem como a colheita da área útil das parcelas. A produtividade da cultura da soja foi obtida padronizando-se a umidade dos grãos para 13%.
Resultados e Discussão
Nas Tabelas 3 e 4, estão apresentados os valores de controle obtidos sobre o milho voluntário após a aplicação de cletodim, na avaliação aos 28 dias após a segunda aplicação (Tabela 3) ou em pré-colheita da soja (Tabela 4). Nota-se que o padrão de controle registrado é bastante semelhante nas duas avaliações. Observase que os menores níveis de controle foram obtidos quando se realizou apenas uma aplicação de cletodim, com a cultura da soja em 3T.
Nesta condição, os níveis de controle mais baixos – inferiores a 20% – foram observados na localidade de MG.
Ainda, considerando-se uma aplicação isolada do graminicida, os melhores níveis de controle do milho voluntário foram alcançados, em geral, quando a aplicação foi realizada em estádio 6T da soja, porém, variaram em razão do número de segmentos de espigas presentes nas áreas (Tabelas 3 e 4).
Para as densidades de 1 ou 2 segmentos m-2, apenas uma aplicação de cletodim, com a soja em 6T, foi suficiente para o adequado controle do milho voluntário, com níveis de controle sempre superiores a 80%, em cinco das seis localidades. Neste sentido, vale ressaltar que o herbicida cletodim não possui ação residual no solo (Rodrigues & Almeida, 2011), de modo que novos fluxos de milho não são controlados após cada aplicação.
Assim, considera-se que a aplicação do graminicida realizada em 6T foi eficaz sobre o maior número de plantas de milho e garantiu menor competição geral na área. Todavia, outro fator que pode ter contribuído para o melhor controle, quando as aplicações foram realizadas com soja em 6T, foi o fechamento das entrelinhas da soja.
Assim, após essa aplicação, novos fluxos de milho foram inibidos pelo efeito de sombreamento, o que não ocorreu quando as aplicações foram realizadas no 3T, em que os novos fluxos que ocorreram após a aplicação não foram controlados e o sombreamento da cultura não produziu efeito.
Para a densidade de 4 segmentos de espigas m-2, houve diferenciação de controle em três das seis localidades estudadas, o que indica a necessidade de maior intervenção química para a plena eliminação das plantas voluntárias (Tabelas 3 e 4). Em São Paulo, o controle máximo obtido com uma aplicação de cletodim em 6T foi de 85% (Tabela 4).
Este resultado pode estar relacionado ao maior índice de área foliar, observado visualmente na variedade de soja utilizada, que pode ter proporcionado o efeito “guarda-chuva”, durante a aplicação do graminicida sobre as plantas de milho, ou pode ser atribuído à ocorrência de maior número de fluxos de plantas de milho oriundas das espigas.
Estes resultados justificam a importância de se evitarem as perdas de grãos e espigas de milho, antes e durante a colheita, para diminuir a ocorrência de espigas e grãos remanescentes nas áreas agrícolas. Na avaliação em pré-colheita da soja, para a maior densidade de plantas voluntárias, de 4 segmentos de espigas m-2, e em quatro das seis localidades, o melhor controle foi obtido quando se realizaram duas aplicações de cletodim, com a soja em 3T e 6T (Tabela 4).
Assim, resume-se o plano para o controle de milho voluntário, oriundo de espigas, em um padrão bastante claro e consistente: para a condição de baixa infestação, pode-se optar pela adoção de apenas uma aplicação de graminicida (cletodim), que deve ser realizada preferencialmente com a soja em estádio de 6T; para a condição de alta infestação, a maior probabilidade de sucesso será alcançada por meio de duas aplicações de cletodim, uma em 3T e outra em 6T.
Este padrão de controle para o milho voluntário oriundo de espiga é diferenciado em relação ao manejo de plantas germinadas de grãos soltos e justificado pelo maior número de fluxos de germinação dos grãos nas espigas. Deen et al. (2006) também propuseram sistemas de manejo de milho voluntário, fundamentado na aplicação combinada de glifosato e graminicida.
Neste caso, o herbicida quizalofope-p-etil foi o mais eficaz no controle de milho voluntário tolerante a glifosato, seguido por cletodim e fenoxaprop-p-etil. Relatam, ainda, que a aplicação conjunta de glifosato, graminicidas e adjuvantes não prejudicou a eficácia dos herbicidas ou a tolerância da soja.
Em geral, nos tratamentos em que não houve aplicação de herbicidas, observaram-se produtividades inferiores às obtidas pela testemunha capinada, com destaque para a maior densidade de segmentos de espigas, da ordem de 4 segmentos m-2, em que a produtividade foi severamente afetada.
Na maior densidade de segmentos de espigas, observaram-se perdas de produtividade de 32,2% na Bahia, 26,3% em Minas Gerais, 67,0% em Mato Grosso, 52,6% no Paraná, 67,7% no Rio Grande do Sul e 69,9% em São Paulo (Tabela 5).
A produtividade obtida nos tratamentos com uso de herbicidas está coerente com os dados de controle (Tabelas 3 e 4), ou seja, quando em baixa densidade de infestação de milho voluntário, uma aplicação de cletodim em estádio de 6T assegurou a produtividade.
Em alta densidade de infestação (4 segmentos de espigas m-2), a produtividade da soja foi assegurada em quatro das seis localidades experimentais com uma aplicação de cletodim em estádio de 6T e, em todas as seis localidades, com duas aplicações do graminicida.
Conclusões
1. A presença de plantas voluntárias de milho, originadas de segmentos de espigas, reduz em até 69,9% a produtividade da cultura da soja cultivada em sucessão.
2. A produtividade da soja é assegurada por meio do controle eficaz das plantas voluntárias de milho tolerante ao glifosato oriundas de espigas, com aplicação única de cletodim (108 g ha-1) no estádio de seis trifólios da soja; ou por meio de duas aplicações sequenciais do graminicida sobre a soja com três e seis trifólios.
Referências
ARTUZI, J.P.; CONTIERO, R.L. Herbicidas aplicados na soja e produtividade do milho em sucessão. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.41, n.7, p.1119-1123, 2006.
BECKETT, T.H.; STOLLER, E.W. Volunteer corn (Zea mays) interference in soybeans (Glycine max). Weed Science, v.36, n.2, p.159-166, 1988.
COSTA, N.V.; ZOBIOLE, L.H.S.; SCARIOT, C.A.; PEREIRA, G.R.; MORATELLI, G. Glyphosate tolerant volunteer corn control at two development stages. Planta Daninha, v.32, n.4, p.675-682, 2014.
DEEN, W.; HAMILL, A.; SHROPSHIRE, C.; SOLTANI, N.; SIKKEMA, P.H. Control of volunteer glyphosate-resistant corn (Zea mays) in glyphosate-resistant soybean (Glycine max). Weed Technology, v.20, n.1, p.261-266, 2006.
MACIEL, C.D.G.; ZOBIOLE, L.H.S.; SOUZA, J.I.; HIROOKA, E.; LIMA, L.G.N.V.; SOARES, C.R.B.; PIVATTO, R.A.D.; FUCHS, G.M.; HELVIG, E.O. Eficácia do herbicida haloxyfop R (GR-142) isolado e associado ao 2,4-D no controle de híbridos de milho RR® voluntário. Revista Brasileira de Herbicidas, v.12, n.2, p.112- 123, 2013.
MARCA, V.; PROCÓPIO, S.O.; SILVA, A.G.; VOLF, M. Chemical control of glyphosate-resistant volunteer maize. Revista Brasileira de Herbicidas, v.14, n.2, p.103-110, 2015.
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RODRIGUES, B. N.; ALMEIDA, F. S. Guia de herbicidas. 5.ed. Londrina: Autores, 2011. 697 p.