Macroagregados como indicadores de qualidade em sistema plantio direto


Autores: Thiago Massao Inagaki, João Carlos de Moraes Sá, Ademir de Oliveira Ferreira, Clever Briedis, Florent Tivet, Jucimare Romaniw
Publicado em: 28/02/2016

Introdução

O sistema plantio direto (SPD), iniciado na década de 70 no Brasil destaca-se como uma das principais estratégias de manejo do solo visando o controle da erosão, a sustentabilidade dos sistemas agrícolas e o aumento da produtividade das culturas. Atualmente, o Brasil apresenta cerca de 35 milhões de hectares sob SPD, ou seja, ~60% do total da sua área de culturas de grãos (Febrapdp, 2015).

O SPD, desde que manejado segundo os princípios básicos propostos pela FAO (2008), com mínima mobilização de solo, diversificação de espécies via rotação e cobertura vegetal permanente do solo, alcança inúmeros benefícios com o passar do tempo, tais como a melhoria da qualidade do solo e aumento de produtividade dos cultivos (Sá, 1999; Ferreira et al. 2009; Sá et al. 2010). Porém, a falta de padronização do SPD (Derpsch et al., 2014) tem gerado grandes discussões no meio científico devido às inconsistências reportadas nos resultados obtidos em pesquisas sobre SPD no mundo.

Uma alternativa para essa padronização e/ou certificação dos sistemas além da elaboração de protocolos experimentais mais detalhados (Derpsch et al., 2014) são indicadores de qualidade que sejam sensíveis, práticos e reflexivos do histórico do uso e manejo das áreas. Alguns indicadores têm sido propostos com essa finalidade, dentre eles, a agregação do solo destaca-se devido à sua elevada sensibilidade a mudanças e sua alta correlação com o acúmulo de carbono (C).

Os agregados podem ser classificados em classes de tamanho em função do seu diâmetro, e variam de acordo com o manejo adotado e também das características do solo. Em SPD de longa duração com mínimo de perturbação em ambientes tropicais e subtropicais tem se observado a presença de macroagregados extragrandes, cujo diâmetro varia entre 8 a 19 mm, sendo que a maior parte do estoque de C nesses ambientes se concentra nestas classes maiores (Ferreira et al., 2012; Tivet et al., 2013a; Ferreira et al., 2014).

Já em sistemas de manejo que utilizam o revolvimento do solo regularmente (sistema de preparo convencional – SPC) e/ou ocasionalmente (plantio mínimo – PM), predominam os macroagregados com tamanho menor e variam de 0,25 a 2 mm de diâmetro (Sheehy et al., 2015; Singh et al., 2015). O objetivo desse trabalho foi elaborar um panorama geral do sistema plantio direto no Brasil visando introduzir a distribuição de macroagregados e seus respectivos potenciais de acúmulo de C, como um indicador sensível da qualidade do SPD de longa duração.

O Sistema Plantio Direto no Brasil

Atualmente a área em cultivo sob SPD situa-se em torno de 35 milhões de ha no Brasil (Figura 1).

Os resultados reportados por Pessôa (2015) referentes ao Rally da Safra de 2015, envolvendo diversas regiões agrícolas no Brasil, revelaram que os maiores percentuais de cobertura do solo em áreas de SPD foram identificadas na região Sul (Figura 2), envolvendo os estados do RS, SC e parte do PR, a qual é caracterizada por inverno frio e úmido.

Em contraste, os menores percentuais de áreas com maior cobertura do solo foram encontrados em TO e partes dos estados de MG, BA, MA, PI e GO, caracterizada pelo inverno quente e seco (regiões 3 e 4). Os dados percentuais médios de 2007 a 2015 foram de 66, 46, 40 e 35% para as regiões 1, 2, 3 e 4 respectivamente. O estudo também demonstrou que a porcentagem de produtores rurais das 4 regiões que afirmavam fazer uso do SPD foi de 91 a 99%.

No entanto, no estudo realizado no ano de 2010, apenas 32% dos produtores rurais entrevistados afirmaram que nunca revolveram o solo, enquanto 17% revelaram terem realizado mais de 10 operações de revolvimento nos últimos 10 anos (Brüggemann, 2011). Indicadores de qualidade do Sistema Plantio Direto A qualidade do SPD pode ser mensurada avaliando-se os atributos do solo, principalmente os relacionados ao potencial de sequestro de C, e de plantas, avaliando-se a quantidade e qualidade do aporte dos resíduos culturais.

Sá et al. (2004) propuseram uma escala de evolução do plantio direto baseado no tempo de adoção do sistema, dividindo em 4 fases:

A fase inicial (0 - 5 anos) do sistema se caracteriza pelo baixo acúmulo de palhada e elevada decomposição, re-agregação e rearranjo de nova estrutura, baixa disponibilidade de fósforo, restabelecimento da fauna e biomassa microbiana no solo; imobilização de nitrogênio (N) é maior que a mineralização.

Já a fase de transição (6 - 10 anos) é quando ocorre o início de acúmulo e palhada e MOS, aumento da densidade do solo, aumento da disponibilidade de fósforo, aumento da fauna e da biomassa microbiana no solo. A mineralização de N é maior ou igual à imobilização.

Na fase de consolidação (11 – 20 anos) acontece acúmulo de palhada na superfície e aumento de carbono (C) e da capacidade de troca catiônica (CTC), estabilização da densidade do solo, aumento de fósforo, aumento da fauna e da biomassa microbiana no solo. A mineralização de N maior ou igual à imobilização.

Na fase de manutenção (> 20 anos) incide elevado acúmulo de palhada na superfície e acúmulo de C e aumento da CTC, estabilização da densidade do solo, aumento da fauna e da biomassa microbiana no solo; mineralização contínua de N, aumento do armazenamento de água e ciclagem de nutrientes.

Baseando-se nessas fases de evolução do SPD, Canalli et al. (2010) propuseram um protocolo de validação do sistema baseandose nos seguintes critérios: tempo de adoção do SPD, rotação de culturas (quantidade, qualidade e frequência de aporte), porcentagem de cobertura e estoque de C do solo.

Cada quesito foi subdividido em categorias aos quais eram atribuídos notas, e através da pontuação final era possível classificar o sistema como a) sistema em declínio, sendo necessário a adoção de práticas de conservação imediatas; b) sistema instável, onde é necessário corrigir os pontos fracos; c) sistema em consolidação, sendo preciso apenas cuidados para manutenção das práticas para obtenção de melhores resultados; e d) sistema em manutenção, com sistema já consolidado sendo necessário apenas a manutenção das práticas adotadas.

Agregação do solo como indicador de qualidade de sistemas agrícolas

Dentre os diversos indicadores de qualidade do solo que têm sido propostos para avaliar os sistemas agrícolas, a agregação do solo tem se destacado por ser sensível a mudanças no uso do solo e estar diretamente relacionada ao sequestro de C (Castro Filho et al., 2002; Green et al., 2007; Briedis et al., 2012; Ferreira et al. 2012; Tivet et al., 2013a; Sheehy et al., 2015).

Os agregados do solo consistem na união de partículas primárias do solo em pequenas estruturas que se formam através da ação de organismos como cadeias gelatinosas de polissacarídeos (agentes transientes), raízes de plantas, hifas de fungos (agentes temporários) e também pela atuação do húmus e íons de Fe, Al e Ca (agentes persistentes) (Tisdall and Oades, 1982) (Figura 3).

Os agregados consistem na principal forma de proteção física do C do solo contra os processos de oxidação pela biomassa microbiana. A sua presença nos sistemas agrícolas, dessa forma, garante a boa estrutura do solo para desenvolvimento das plantas, além de promover o sequestro de C na agricultura (Tivet et al., 2013a; Tivet et al., 2013b).

Os macroagregados podem ser divididos em classes de acordo com o seu tamanho. Em SPC, onde é realizado o revolvimento do solo por operações de aração e gradagem, tem sido reportado a maior presença de macroagregados pequenos, com tamanhos variando de 0,25 a 2 mm de diâmetro, enquanto que em áreas de SPD consolidado é mais encontrado macroagregados grandes (2-8 mm) e extragrandes (8 – 19 mm).

Eventos de revolvimento do solo, promovem a quebra dos macroagregados, expondo a matéria orgânica previamente protegida em seu interior à processos de decomposição pela biomassa microbiana, resultando na degradação dos estoques de C do solo (Tivet et al., 2013a). Dessa forma, a agregação do solo tem sido utilizada amplamente como parâmetro de avaliação de sistemas de produção agrícola, como no caso de Velásquez et al. (2007) que utilizou a agregação do solo (física e biogênica) como um dos principais fatores de influência na qualidade dos ambientes na elaboração de um indicador de qualidade do solo (GISQ). Da mesma forma, a agregação é utilizada por Garrigues et al. (2012) na avaliação do ciclo de vida (Life cycle assessment – LCA), um indicador de sustentabilidade altamente abrangente utilizado para avaliar a qualidade dos sistemas de uso do solo.

Macroagregados em diferentes ambientes como indicador de qualidade

Uma vez que a agregação é muito sensível às operações de distúrbio do solo, em regiões de clima temperado, onde as práticas de agricultura de conservação envolvem eventos de revolvimento, é reportada uma maior presença de macroagregados pequenos (0,25 – 2 mm), que chegam a representar de 30 a 51% dos macroagregados totais do solo, cujos estoques de C variam de 20 a 36 Mg ha-1 na camada 0-20 cm (Sheehy et al., 2015; Singh et al., 2015).

Macroagregados grandes (2 – 8 mm) são encontrados em menor quantidade nesse ambiente, representando em média 6 a 26% dos macroagregados e acumulando estoques em menor quantidade, de 5 a 18 Mg ha-1 na mesma camada (Figura 4). Os estudos sobre agregação do solo desenvolvidos em ambiente temperado não levam em consideração macroagregados de tamanho extragrande (8-19 mm), portanto não são encontrados registros do potencial de acúmulo de C dessa classe de agregado nem a sua representatividade em relação ao total de macroagregados do solo.

Em áreas sob SPD a longo prazo em ambiente tropical e subtropical, onde o distúrbio do solo é mínimo, são encontrados comumente macroagregados de tamanho grande e extragrandes, os quais possuem diâmetros variando de 2 – 8 e 8 – 19 mm respectivamente (Ferreira et al., 2012; Tivet et al., 2013a; Ferreira et al., 2014). Os macroagregados de 8 – 19 mm em solos sob SPD de longo prazo em ambiente subtropical chegam a representar até 75% do total de macroagregados, possuindo estoques de C de até 50 Mg ha-1 na camada 0-20 cm.

Em ambiente tropical, devido às condições climáticas mais propícias ao intemperismo, a representatividade e o potencial de acúmulo de C em macroagregados extragrandes é inferior ao ambiente subtropical, apresentando valores de até 54% e 17 Mg ha-1 para representatividade e estoque de C na camada 0-20 cm respectivamente (Figura 4). Da totalidade dos trabalhos envolvendo a agregação do solo, poucos utilizam frações de macroagregados extragrandes (8 – 19 mm). Seu potencial, portanto, ainda é pouco explorado e mais trabalhos envolvendo a sua utilização são necessários principalmente em diferentes ambientes, intensidades de cultivo e níveis de aportes de biomassa vegetal.

Considerações finais

Entre as áreas cultivadas em SPD no Brasil ocorre enorme amplitude relacionada à qualidade do sistema, sendo necessário não somente a adoção da padronização do conceito de sistema plantio direto nas pesquisas como a sua implementação no campo a fim de tirar conclusões mais contundentes envolvendo dados contrastantes sobre o SPD.

O aumento dos macroagregados grandes (2 – 8 mm) e extragrandes (8 – 19 mm) em áreas de SPD de longo prazo tem sido diretamente relacionado ao maior potencial de acúmulo de C. A maior proteção do C nas classes de macroagregados, além de indicar um aumento no potencial de sequestro de C, indica também melhorias nos sistemas de cultivo adotados, constituindo-se num indicador sensível da qualidade do SPD de longa duração.

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