Otimização do uso de fertilizantes para o sistema de produção soja/milho em solo de fertilidade construída na região do Cerrado


Autores: Julian Junio de Jesus Lacerda, Álvaro Vilela de Resende, Clerio Hickman, Luana Rafaela Maciel Wilda, Antonio Eduardo Furtini Neto
Publicado em: 28/02/2016

Introdução

O gerenciamento do fornecimento de nutrientes é um componente do sistema de produção que pode impactar substancialmente a rentabilidade das lavouras. Um aspecto intrigante na moderna agricultura do Brasil é o fato de a maioria dos produtores de grãos não ter uma dimensão mais exata de quanto seriam as dosagens de adubos apropriadas aos diferentes ambientes de produção normalmente existentes numa região ou mesmo numa fazenda. O resultado disso costuma ser a aplicação de doses fixas dos mesmos fertilizantes a cada safra, sucessivamente. Assim, parece não ser claro, para muitos agricultores e técnicos, o papel de uma adubação mais eficiente para a competitividade na produção de grãos.

O manejo da fertilidade do solo em plantio direto deve estar associado a um conjunto de boas práticas no uso de fertilizantes. O técnico precisa conhecer o histórico da lavoura, incluindo a sequência de culturas, o tempo de utilização, quantidades e tipos de fertilizantes e corretivos aplicados, além das produtividades obtidas. Um aspecto fundamental é que a recomendação de fertilizantes seja feita com base em monitoramento periódico realizado por meio de análises de solo.

Muitas lavouras na região do Cerrado, que inicialmente apresentavam limitações ao desenvolvimento das culturas, com a correção da acidez e as adubações de cultivos sucessivos, já apresentam disponibilidade de nutrientes acima dos níveis críticos e os solos podem ser considerados de fertilidade construída. Assim, tem sido comum encontrar talhões de produção comercial de grãos com teores elevados de P e K devido ao residual das adubações ao longo dos anos (Carneiro et al., 2009; Matias et al., 2009; Lourente et al. 2011; Wilda, 2014).

Num levantamento a partir da base de dados para agricultura de precisão da empresa CAMPO - Centro de Tecnologia Agrícola e Ambiental, constataram-se altos teores de P e K em boa parte de um lote de 78.122 amostras de solo, coletadas de 0 a 20 cm de profundidade, a cada dois hectares, representando cerca de 160 mil hectares em MG, GO, DF e BA (Figura 1). Portanto, pode-se considerar que as lavouras de muitos produtores na região do Cerrado tendem a apresentar solos de fertilidade já construída, condição oportuna para refinamentos visando maior eficiência no manejo das adubações de manutenção.

O problema constatado é que grande parte dos agricultores continua adubando com quantidades fixas de N, P e K, por temerem a redução das produtividades. Consequentemente, esta prática tem resultado em adubações desnecessárias ou superdimensionadas, com baixa eficiência de uso dos fertilizantes (Benites et al., 2010). Esse contexto respalda a hipótese de que lavouras em solos argilosos sob plantio direto, com elevada fertilidade devido às adubações sucessivas, podem manter os mesmos patamares de produtividade e maior rentabilidade utilizando menores quantidades de fertilizantes.

Assim, os objetivos deste trabalho foram: a) caracterizar a variação nos teores de P e K no solo ao longo de três safras, em função das quantidades fornecidas nas adubações; e b) identificar doses de adubação NPK capazes de assegurar boas produtividades e maior rentabilidade num sistema soja/milho, em Latossolo argiloso de fertilidade construída na região do Cerrado. O estudo traz a abordagem da adubação de sistema ao estimar a produtividade acumulada de grãos em função das quantidades de N, P e K aplicadas nos cultivos de soja e de milho. Além disso, apresenta-se a análise econômica da adubação em termos de produtividade líquida, descontando a quantidade de grãos necessária para pagar os custos da adubação.

Material e Métodos

O estudo foi realizado entre os anos 2010 e 2013 na Fazenda Decisão, município de Unaí, MG, situada a 16° 24’ 42’’ de latitude sul e 47° 18’ 39” de longitude oeste, a uma altitude de 992 m. Os dados de temperatura e precipitação pluviométrica nos anos agrícolas 2010/11, 2011/12 e 2012/13 em relação à média histórica estão apresentados na figura 2 (INMET, 2014). A área experimental foi estabelecida num talhão de produção comercial cultivado por 15 anos em plantio direto. O solo foi classificado como Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico típico argiloso (47% de argila), e caracterizado quanto aos atributos químicos antes da implantação do experimento.

O valor do pH em água era de 6,3; matéria orgânica igual a 32 g/dm3; teores de P e K (Mehlich-1) iguais a 12 e 145 mg/dm3, respectivamente; e teores trocáveis de Ca, Mg, Al, H+Al e CTC a pH 7,0 iguais a 5,0; 1,1; 0,0; 2,6, 9,0 cmolc/dm3, respectivamente, com saturação por bases (V%) de 72%. Essa condição inicial de fertilidade pode ser interpretada como adequada a alta para as condições da região do Cerrado (Sousa & Lobato, 2004), evidenciando que se trata de um solo com fertilidade construída.

Foram realizados três cultivos de verão em condições de sequeiro na sequência soja/milho/soja, sendo que nos períodos de entressafra a área experimental foi deixada em pousio. O delineamento experimental foi em blocos casualizados com parcelas subdivididas e três repetições. Os tratamentos consistiram de quatro doses de fertilizantes NPK na época da semeadura (parcelas) combinadas com quatro doses de K para a soja ou N para o milho na adubação de cobertura (subparcelas).

Para a soja cultivada em 2010/11, foram aplicados 0, 143, 303 e 432 kg/ha de NPK 10-32-10 na semeadura, combinados com 0, 25, 50 e 75 kg/ha de cloreto de potássio (KCl) em cobertura no estádio V3. Para o cultivo do milho em 2011/12, foram fornecidos 0, 184, 359 e 536 kg/ha de NPK 10- 32-10 na semeadura, combinados com 0, 175, 350 e 525 kg/ha de ureia com inibidor de urease em cobertura no estádio V4.

Por fim, para a soja da safra 2012/13, realizou-se a aplicação de 0, 150, 221 e 280 kg/ha de monoamônio fosfato (MAP, 54% P2O5 e 10% N) na semeadura, combinados com 0, 75, 150 e 225 kg/ ha de KCl em cobertura no estádio V1. O tratamento referência consistiu naquele utilizado pelo agricultor, correspondente à terceira dose dos tratamentos aplicados tanto nas adubações de semeadura quanto nas de cobertura.

Desse modo, as adubações utilizadas no experimento compreenderam variações de 0, 50, 100 e 150% em relação às quantidades de fertilizantes normalmente empregadas pelo agricultor. As adubações de semeadura foram realizadas no sulco via semeadora e as aplicações em cobertura foram feitas manualmente em filete nas entrelinhas. As parcelas experimentais corresponderam a oito linhas com 40 m de comprimento e espaçamento entre linhas de 0,5 m.

As subparcelas foram compostas pela divisão das parcelas em quatro unidades com 10 m de comprimento. A cultivar de soja utilizada primeira safra foi a RA 518 RR, precoce, com hábito de crescimento indeterminado, semeada em 23/11/2010, com 380.000 sementes ha-1. Na segunda safra, o milho híbrido simples DKB 175 PRO foi semeado com 68.000 sementes ha-1, em 27/10/2011. Na terceira safra, foi semeada a soja Riber 7211 RR, precoce, com hábito de crescimento indeterminado e população de 280.000 sementes ha-1, em 13/12/2012.

No estádio R2 da soja (safras 2010/11 e 2012/12) foram realizadas amostragens de solo e de folhas. A amostragem de solo no período do florescimento foi feita com o propósito de monitorar a fertilidade do solo no período de maior demanda por nutrientes pela cultura.

Nas amostragens de solo, coletaram-se nove amostras simples, na área central das subparcelas, sendo três nas linhas de plantio e seis nas entrelinhas, na profundidade de 0-20 cm.

Nas amostragens foliares, foi coletado o 3º trifólio com pecíolo a partir do ápice, em vinte plantas por subparcela. As amostragens no cultivo do milho também foram realizadas por ocasião do florescimento feminino. A coleta de amostras de solo seguiu o mesmo critério utilizado nos cultivos de soja. A amostragem foliar consistiu da coleta de folhas inteiras com nervura, localizadas abaixo e opostamente à espiga, em 15 plantas da área central de cada subparcela. As colheitas foram realizadas manualmente na área útil, em três linhas de 4 m de comprimento, sendo a produtividade corrigida para 13% de umidade, em ambas as culturas.

As amostras de solo foram submetidas a análises dos teores de P e K pelo extrator Mehlich-1 e, nas amostras de folhas e de grãos, determinaram-se as concentrações de N, P e K. Os dados de produtividade foram submetidos à análise de variância por meio do sistema computacional Sisvar (Ferreira, 2011) e, quando pertinente, foram geradas equações de regressão para estimar a produtividade em função das doses dos fertilizantes aplicados.

Foi estabelecido um modelo de regressão múltipla para a produtividade acumulada de soja e milho em função das quantidades totais de N, P2O5 e K2O aplicadas nas três safras. A produtividade acumulada foi obtida pela soma das produtividades da soja/milho/ soja nos três anos do experimento. A quantidades totais de N, P2O5 e K2O foram obtidas pela soma das quantidades de nutrientes fornecidas em cada subparcela nos três anos do experimento.

As equações de regressão múltipla foram elaboradas utilizando o programa R (R core team, 2014). A abordagem multivariada é pertinente neste estudo, pois os tratamentos não permitem isolar o efeito de cada nutriente, sendo assim, as produtividades obtidas refletem o efeito conjunto das diferentes proporções de N, P2O5 e K2O na adubação. A avaliação econômica dos resultados foi realizada a partir dos indicadores de rentabilidade: produtividade, custo da adubação, receita bruta, ponto de equilíbrio e receita líquida.

O custo operacional total da adubação foi obtido pela a soma dos custos de aquisição dos fertilizantes, operação mecanizada e encargos financeiros para capital de custeio. Os preços dos fertilizantes tomados como referência foram (em R$ por tonelada): 1.110,00; 1.830,46; 1.774,20; e 1.602,00 para o formulado NPK 10-32-10, a ureia, o KCl e o MAP, respectivamente, cotados no mês de abril (IEA, 2013).

Foi considerado o custo para a aplicação de fertilizantes de R$ 35,34 por hectare e a taxa de juros do custeio agrícola de 5,5 % ao ano. A receita bruta foi calculada considerando o valor dos grãos nas cotações de 10 de abril de 2013, sendo R$ 27,01 a saca de 60 kg de milho e R$ 55,02 a saca de 60 kg de soja (IEA, 2013). A receita líquida foi obtida pela diferença entre receita bruta e custo operacional total da adubação.

O ponto de equilíbrio (kg/ha de grãos) foi calculado pela relação entre o custo operacional total da adubação (R$/ha) e a diferença entre o preço de venda e custo variável unitário (R$/kg de grãos). Esse índice corresponde à quantidade de grãos em que a receita bruta se iguala ao custo operacional total da adubação. Como referência monetária, o valor do dólar americano para compra em 10 de abril de 2013 era de R$ 1,976.

Resultados e Discussão

Disponibilidade no solo e teores foliares de nutrientes Não houve interação significativa entre as adubações de semeadura e de cobertura, quanto aos teores disponíveis de P no solo, em nenhuma das safras avaliadas no experimento. Nos dois primeiros anos, os tratamentos também não tiveram efeito sobre teores de P. Porém, no terceiro ano, observou-se efeito linear dos níveis de adubação de semeadura sobre os teores de P no solo (Tabela 1).

Observa-se um forte tamponamento de P, pois o tratamento sem a aplicação do nutriente não diminuiu a disponibilidade de P no solo. Notase que mesmo após três cultivos sucessivos, o fator capacidade ou poder tampão de fósforo, definido pela razão entre a quantidade de P no solo (Q) e o P em solução (I), foi capaz de manter o teor inicial de P disponível. Em solos argilosos, e de modo particular nos mais intemperizados que receberam grandes quantidades de adubos fosfatados, como o caso do presente estudo, a relação Q/I normalmente é alta, pois há grande quantidade de P adsorvida aos coloides.

À medida que a concentração na solução diminui após a absorção pelas culturas, ocorre a liberação de P para a solução a fim de manter o equilíbrio (Novais et al., 2007). Para o potássio, o poder tampão deste solo é menor, observandose variações de maior amplitude nos teores disponíveis ao longo dos cultivos, principalmente em decorrência das adubações potássicas em cobertura nas safras de soja. Mesmo nos tratamentos em que foram fornecidas as maiores doses de K2O, verifica-se redução significativa do teor no solo em amostragens realizadas por ocasião do florescimento das lavouras (Tabela 1), em comparação à análise realizada antes da condução do experimento.

Esta redução no teor de K no solo pode ser explicada pela intensa a extração de K pelas culturas da soja e, principalmente, do milho. No entanto, trata-se de uma depleção temporária na disponibilidade desse nutriente (Costa et al., 2009), visto que grande proporção do que é absorvido acumula-se nas partes vegetativas das plantas, sendo rapidamente devolvido ao solo, após a colheita, a partir da manutenção dos restos culturais na lavoura.

Considerando que apenas 20% do K acumulado na planta de milho é exportado com a colheita dos grãos (Fancelli & Tsumanuma, 2007), a ciclagem do elemento no sistema solo-planta pode explicar parte da variação de disponibilidade observada na análise do solo entre o segundo e terceiro cultivo (Tabela 1). Os teores foliares de P e K na soja e no milho estiveram dentro da faixa de suficiência nutricional conforme Cantarutti et al. (2007).

Os teores foliares de N na soja superaram a faixa de suficiência, enquanto no milho ficaram ligeiramente abaixo do valor de referência de 30 g/kg (Tabela 1). Desse modo, os variados níveis de investimento em adubação não se refletiram de maneira tão contrastante na nutrição das plantas. Algumas diferenças visuais no arranque do milho no segundo cultivo desapareceram com o avançar do ciclo e não foram percebidas nem mesmo no terceiro cultivo com soja (Figura 3).

Respostas em produtividade de grãos de soja e de milho

A produtividade de grãos de soja não variou com as adubações de semeadura e de cobertura nas safras 2010/11 e 2012/13 (Tabela 2, Figura 4 A, B, E, F) e não houve interação entre esses fatores. As produtividades médias de soja obtidas no experimento foram de 3.466 kg ha-1 em 2010/11 e 3.485 kg ha-1 em 2012/13. É importante considerar que o experimento foi conduzido em condições de sequeiro e, portanto, a disponibilidade de água pode ter influenciado nas produtividades obtidas.

Especialmente, na safra 2012/13, nota-se que a quantidade e distribuição das chuvas no período de condução do experimento foram abaixo das médias históricas para a região (Figura 2). Brevilieri (2012) também não encontrou respostas da soja ao aumento nas doses de fertilizantes fosfatados aplicados em Latossolo argiloso cultivado no sistema plantio direto por 16 anos, em Dourados – MS.

O autor atribuíu o resultado à boa fertilidade já existente naquela área, uma vez que os teores iniciais de P Mehlich-1 na camada de 0-10 cm do solo variaram entre 51 e 89 mg dm-3. A falta de resposta aos diferentes níveis de adubação no presente estudo também pode ser atribuída à existência de elevada reserva de nutrientes no solo, bem como às características intrínsecas à cultura da soja, que normalmente é menos responsiva às alterações no manejo da fertilidade do solo em comparação ao milho (Wendling et al., 2008).

Uma vez que os teores dos nutrientes no solo são interpretados como altos, não se espera expressiva resposta adicional em produtividade das culturas ao fornecimento de maiores doses de fertilizantes. Além disso, os nutrientes aplicados e não absorvidos pelas plantas podem ficar sujeitos aos processos de perdas do sistema. Portanto, a adubação de manutenção com quantidades que apenas reponham a exportação nos grãos pelas colheitas parece ser o manejo mais racional nessas circunstâncias.

Para o milho cultivado após a primeira safra de soja do experimento, houve diferença significativa da produtividade de grãos entre os tratamentos que receberam as doses de fertilizantes na semeadura e em cobertura, mas não houve interação entre essas duas fontes de variação (Figura 4). O incremento em produtividade de milho confirma que a espécie é mais responsiva à adubação do que a soja. Essa constatação também foi relatada por Wendling et al. (2008) ao estudarem a adubação potássica para trigo, milho e soja sob sistema plantio direto no Paraguai.

Depreende-se, assim, que a sustentabilidade de sistemas envolvendo rotação soja/milho, comuns na região do cerrado, depende da manutenção de níveis de fertilidade que atendam aos requerimentos nutricionais do milho, a fim de evitar a perda de potencial produtivo do sistema como um todo. A resposta do milho à adubação NPK de semeadura seguiu um modelo quadrático, enquanto a ureia em cobertura promoveu ganho linear de produtividade (Figura 4).

Nota-se, contudo, que a resposta ao nitrogênio em cobertura foi de baixa intensidade, o que, provavelmente, ocorreu em razão do bom teor de matéria orgânica no solo (32 g/ kg) e pelo fato de o cultivo do milho ter sido realizado após o cultivo da soja. Lange et al. (2008) também relataram o efeito do cultivo anterior de soja na resposta do milho à adubação nitrogenada. Os autores não observaram resposta do milho em produtividade em virtude da adubação nitrogenada suplementar à adubação de semeadura quando o milho foi cultivado em sucessão a dois anos de cultivo de soja, em sistema semeadura direta.

A ausência ou baixa resposta das culturas à adubação (Tabela 2, Figura 4) confirmam a hipótese de que o solo da área experimental apresenta considerável reserva de nutrientes e há possibilidade de se reduzir as quantidades de fertilizantes, a fim de evitar adubações desnecessárias e aumentar a eficiência de uso dos nutrientes. Tudo indica também que a adubação com quantidades fixas de N, P e K não constitua a melhor opção para o manejo do sistema soja/ milho em solos de fertilidade construída.

Produção acumulada de três safras

Observa-se que ao considerar a produção global do sistema soja/ milho houve incremento de produtividade com a adubação (Tabela 2).

Sem o aporte de nutrientes, o rendimento total de grãos das três safras foi de 16.662 kg/ha, mas quando se forneceu 359, 453 e 277 kg/ha de N, P2O5 e K2O, respectivamente, obteve-se o rendimento máximo, igual a 19.754 kg/ha. O comportamento linear crescente da produção acumulada nas três safras indica que é possível aumentar a eficiência de uso dos fertilizantes com a adoção da prática da adubação de sistema.

Nessa abordagem, a recomendação de fertilizantes deixa de ser realizada isoladamente para uma cultura, passando-se a considerar conjuntamente as culturas que compõem o sistema (Oliveira Júnior et al., 2010). Alguns autores sugerem que as culturas mais responsivas, como o milho, devem ser adubadas mais intensamente, enquanto as culturas menos responsivas, como a soja, podem ser cultivadas apenas com uma adubação de arranque, a qual será complementada pelo efeito residual da adubação da cultura anterior (Altmann, 2012; Benites et al., 2010).

Os resultados do presente trabalho também indicam essa possibilidade de manejo, pois a soja não perdeu produtividade no tratamento sem adubação, enquanto o milho apresentou ganhos de rendimento com a aplicação de N, P e K, impactando na resposta cumulativa do sistema.

Análise de rentabilidade

Como a soja não respondeu à adubação, à medida que se forneceu maior quantidade de fertilizantes houve decréscimo da produtividade líquida nos dois cultivos com a leguminosa (Figura 4 A, B, E, F). Devido à ausência de interação entre as adubações de semeadura e de cobertura, para análise econômica da adubação de semeadura do milho, foi considerada a dose média da adubação de cobertura, 263 kg/ ha de ureia.

Do mesmo modo na avaliação econômica da adubação de cobertura, foi considerada a dose média da adubação de semeadura, 270 kg/ha do formulado NPK 10- 32-10. A resposta do milho ao NPK na semeadura expressa claramente a “Lei dos Rendimentos Decrescentes”, pois, verifica-se que as doses do fertilizante inicialmente aumentam a produtividade líquida, que seguida atinge um máximo e decresce nas doses maiores (Figura 4C).

A máxima produtividade física de milho foi de 12.558 kg/ha, com base na aplicação de 412 kg/ha do formulado NPK 10-32-10 na adubação de semeadura. No entanto, a dose estimada de máxima eficiência econômica (MEE) na adubação de semeadura, equivalente a 99% da máxima produtividade física, correspondeu a 312 kg/ha do formulado. Portanto, nas condições do estudo, para se aumentar a produtividade em apenas 1% (130 kg de grãos) acima da dose de MEE, seria necessária a aplicação adicional de 100 kg/ha do formulado na semeadura, o que é inviável economicamente (Figura 4C).

Observa-se que o coeficiente angular da equação de produtividade bruta para a adubação de cobertura do milho foi de apenas 1,47 (Figura 4D), isto significa que a cada 1 kg de ureia fornecido, a cultura produziu 1,47 kg de grãos. Assim, para ser viável economicamente, o preço de 1 kg de ureia deveria ser menor que 1,47 vezes o preço de 1 kg de milho. No entanto, de acordo com as cotações levantadas, a razão entre o preço da ureia e o preço do milho foi de 3,20.

Logo, considerando o aspecto econômico, a adubação nitrogenada em cobertura resultou em decréscimo da produtividade líquida na safra em questão (Figura 4D). Todavia, o fornecimento de N é necessário para a sustentabilidade do sistema de produção, pois apenas os resíduos da soja não fornecem a quantidade de N demandada pelo milho. Alves et al. (2006) quantificaram um saldo de apenas 10 kg/ ha no balanço de N, considerando a média de dois cultivos de soja com produtividade de 3,2 t/ha de grãos.

Portanto, sugere-se a aplicação da dose média de ureia utilizada no presente trabalho (263 kg/ha) na adubação de cobertura do milho, pois esta dose possibilitou o padrão de resposta à adubação de semeadura expresso na Figura 4C. Ao comparar a quantidade de fertilizante utilizada na adubação de semeadura do milho na fazenda (359 kg/ha) com a dose de máxima eficiência econômica (312 kg/ha), nota-se a possibilidade de redução de 47 kg/ha do formulado (13%). Além disso, a quantidade de ureia para a adubação de cobertura pode ser reduzida de 350 para 263 kg/ ha, o que representa uma redução em 87 kg/ha ou 25%.

Esse tipo de informação tem valor para reorientar a tomada de decisão para o manejo da adubação dos cultivos futuros, uma vez que envolve eficiência no investimento em fertilizantes e maior rentabilidade para o agricultor, além do benefício ambiental pelo melhor aproveitamento dos nutrientes adicionados ao solo. A produtividade, receita bruta, receita líquida, custo operacional total da adubação e o ponto de equilíbrio dos 16 tratamentos estão apresentados na Figura 5.

A ausência de resposta da soja à adubação contribuiu para redução da receita líquida do sistema, com o maior investimento em fertilizantes. Além disso, o aumento de produtividade do milho, obtido com a fertilização, não foi suficiente para aumentar a receita líquida do sistema como um todo (Figura 5 D). Os resultados também comprovam que a quantidade de fertilizantes aplicada conforme o manejo de adubação da fazenda está acima daquela que daria maior retorno ecônomico.

O monitoramento do sistema de produção por meio de análises de solo e a avaliação do retorno econômico ao longo de três safras evidenciaram ser possível reduzir a adubação de manutenção, sem perda significativa de produtividade e conciliando o uso mais eficiente de fertilizantes com maior lucratividade ao agricultor. Esses resultados indicam a necessidade de se reavaliar o manejo da adubação em solos com fertilidade construída.

Conclusões

1. Mesmo após a colheita de três safras de grãos sem o uso de fertilizantes, o Latossolo de fertilidade construída é capaz de manter inalterados os teores de P disponível no solo.

2. Sem adubação por três safras consecutivas, esse solo pode suprir quantidades de nutrientes N, P e K suficientes para uma produção acumulada de 16,6 t ha-1 de grãos de soja e milho, correspondendo a 84% da maior produção obtida com adubação.

3. O milho é mais sensível às fertilizações do que a soja e responde economicamente à adubação, mesmo nas condições de alta fertilidade do solo avaliadas.

4. O aumento da produtividade total de grãos, em função da adubação do sistema nas três safras, não é suficiente para compensar os custos dessa prática no Latossolo de fertilidade construída avaliado.

5. O monitoramento da disponibilidade de nutrientes e a adequação da fertilização são indispensáveis para aumentar a eficiência técnica e econômica da adubação em solos de fertilidade construída.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo apoio financeiro e concessão de bolsas; e à Fazenda Decisão, pela seção de área e apoio operacional.

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