Que eficiência de controle é necessária para pagar o custo da primeira aplicação de fungicida em lavouras de soja e trigo?


Autores: Erlei Melo Reis, Mateus Zanatta, Andrea Camargo Reis
Publicado em: 28/02/2016

1 Introdução

Este artigo trata da importância dos técnicos envolvidos com a assistência técnica saberem e ensinarem os produtores a determinar os danos causados pelas doenças numa lavoura, saber com exatidão o custo de uma aplicação de fungicida, determinar o momento correto da primeira aplicação e determinar a eficiência do controle nas culturas da soja e do trigo objetivando garantir o maior retorno econômico. Em razão das condições ambientais, das práticas culturais e da suscetibilidade das cultivares, muitas são as doenças que ocorrem em soja e trigo no Brasil.

A importância das doenças decorre dos prejuízos que causam ao reduzirem o rendimento e a qualidade dos grãos. Reduzir os prejuízos causados pelos fitopatógenos é a razão principal da fitopatologia como ciência. A aplicação eficiente de qualquer programa de manejo integrado de doenças requer informações precisas e acuradas da relação entre intensidade das doenças e os danos e perdas resultantes. O tema focaliza a primeira aplicação por que nela é maior o custo devido ao dano do amassamento das culturas pelo rodado do equipamento pulverizador.

2 Conceitos básicos

Entendendo o texto (Nutter et al., 1993):

Sustentabilidade: é um termo usado para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem comprometer o futuro das próximas gerações. A sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de forma inteligente para que eles se mantenham no futuro. O lucro continua a ter um papel fundamental (o pilar da sustentabilidade econômica), sem ele os agricultores não se mantém na atividade agrícola.

Os produtores deveriam ter a resposta na ponta da língua para uma intrigante pergunta - por que eles cultivam a terra? A resposta a essa pergunta pode ser encontrada no texto escrito por Main (1977): “Os agricultores cultivam a terra para ganhar dinheiro e não para alimentar milhões de famintos”.

Controle: “é o emprego de medidas que visam impedir ou reduzir a intensidade de doenças de plantas, de modo a evitar ou reduzir os prejuízos causados”.

Manejo integrado de doenças (MID): “utilização de todas as técnicas disponíveis dentro de um programa unificado de tal modo a manter a população de organismos nocivos (doenças) abaixo do limiar de dano econômico (LDE) e a minimizar os efeitos colaterais deletérios ao meio ambiente” (NAS, 1969). Deveria ser uma obrigação dos fitopatologistas se posicionarem ao lado do MID. Se eles não o fizerem quem o fará?

Intensidade da doença (ID): é o termo geral referente à quantidade de doença, por exemplo de ferrugem presente numa amostra (ex. folhas de trigo e folíolos de soja).

Incidência (I - %): é o número de folhas ou de folíolos com a presença da ferrugem, manchas foliares ou oídio, expressas em percentagem, ou em proporção, do número total de unidades avaliadas. Exemplo: se num total de 100 folhas, 30 apresentam sintomas/sinais, a incidência é de 30%.

Severidade (S - %): é a área de uma unidade da amostra (folha de trigo ou folíolo central da folha de soja) afetada pela doença, expressa em percentagem e/ou em proporção da área total. Sua determinação é subjetiva, pouco sensível e trabalhosa.

Dano (kg/ha): é qualquer redução na qualidade ou na quantidade da produção devido ao ataque de uma doença numa lavoura. No caso a redução na produção de grãos é mais considerada do que a redução da qualidade dos grãos. Corresponde à redução no rendimento de grãos.

Perda (R$/ha): é a redução em retorno financeiro por unidade de área devido ao dano causado pela doença alvo do controle. É o dano expresso e unidade monetária (R$).

Limiar de dano econômico (LDE): é um montante da incidência foliolar (em soja) e folhar (em trigo) da doença que corresponde a um dano e perda (R$) igual ao custo controle (R$) causada pela doença. Exemplo: se o custo da primeira aplicação de fungicida em trigo é R$ 173,00/ha, segundo o conceito de LDE, a perda máxima tolerada é do mesmo valor, ou seja de R$ 173,00/ ha, requerendo controle com eficácia de 93% (Munford & Norton, 1984).

Limiar de ação (LA): é a incidência da doença na qual se deve proceder a aplicação do fungicida para que a epidemia não exceda o LDE. Para fins práticos, sugere-se para cálculo do LA, diminuem-se cinco pontos percentuais do valor do LDE (Munford & Norton, 1984).

3. Exemplo com a cultura do trigo

Os preços médios dos principais fungicidas (L ou kg) e dose/ha são sumarizados na Tabela 1. O custo dos fungicidas variou de R$ 47,00 a R$ 124,00/ha (Tabela 1). Na determinação dos danos devido ao amassamento do trigo pelo rodado do equipamento aplicador se deve levar em conta a bitola do pneu, o comprimento da barra (passadas por área) e se o equipamento é dotado de GPS (Ground positioning system) ou não.

Por exemplo: Preço saco 60 kg = R$ 32,00; Rendimento de grãos esperado 3.000 kg/ha; Portanto, o custo variou de R$ 154 a R$ 222, com média de R$ 184,00. Que eficiência do controle é requerida para pagar esse valor? a. Custo do controle da primeira aplicação R$ 184,00/ha; b. Rendimento de grãos esperado 3.000 kg/ha; c. Preço do trigo (em 10/02/16) R$ 533,33/t, ou R$ 32,00/saco de 60 kg ou R$ 0,53/kg; d.

Portanto, para pagar R$ 184 são necessários 5,75 sacos ou 345 kg de trigo; Segundo o conceito de LDE, o custo do controle de R$ 184,00/ha corresponde a uma perda causada pela doença de igual valor, ou seja, R$ 184,00. Na Tabela 4 se encontra a resposta para a pergunta: que eficiência de controle é necessária para pagar as despesas da primeira aplicação de fungicidas na cultura do trigo.

Nesse exemplo, com doenças do trigo, com controle de 90,5% (difícil de ser obtido na prática) o dano é de 285 kg/ha correspondendo a uma perda de R$ 152,00/ha na primeira aplicação. Lembra-se que o custo do controle usado nesse exercício é de R$ 184,00/ha não sendo fixo nem tão pouco igual para todos os produtores.

O exercício mostra também o montante de dano e de perda em função da eficiência do controle obtido por um produtor em sua lavoura. Fica evidente a importância dos Engenheiros Agrônomos, que trabalham na assistência técnica, determinarem em cada lavoura sob sua orientação o montante de danos e a eficiência do controle obtido.

4 Exemplo com soja

O custo médio dos fungicidas empregados no controle da ferrugem da soja Tabela 5. Na determinação dos danos devido ao amassamento da soja pelo rodado do equipamento aplicador se deve levar em conta no cálculo a bitola do pneu, a comprimento da barra (passadas por hectare) e se o equipamento é dotado de GPS ou não.

Por exemplo: Preço saco de soja 60 kg = R$ 74,00 Rendimento esperado 3.000 kg/ha; O custo total é sumarizado na Tabela 7.

Portanto:

a. Custo do controle da primeira aplicação (média da Tabela 7) R$ 295/ha;

b. Rendimento de grãos de soja esperado 3.000 kg/ha

c. Preço da soja R$ 1.233,00/t ou R$ 74,00/saco de 60 kg ou 1,233/ kg;

d.

Para pagar o custo do controle de R$ 295,00/ha são necessários 239,19 kg de grãos ou 3,98 sacos de soja;

Segundo o conceito de LDE, o custo do controle de R$ 295,00/ha corresponde a uma perda causada pela doença de igual valor, ou seja, R$ 295,00.

Na Tabela 8 se encontra a resposta para a pergunta, quanto de controle e necessário para pagar as despesas da primeira aplicação de fungicidas na cultura da soja. Nesse exemplo com a ferrugem da soja, com controle de 90% (difícil de ser obtido na prática) o dano é de 300 kg/ha correspondendo a uma perda de R$ 325,00 para a primeira aplicação, superior ao custo do controle.

O exercício mostra também o montante de dano e de perda é função da eficiência do controle obtida por um produtor em sua lavoura. Fica evidente a importância dos Agrônomos, que trabalham na assistência técnica, determinarem em cada lavoura sob sua orientação o montante de danos e a eficiência do controle obtido.

5 Como determinar a eficácia do controle químico numa lavoura?

Embora essa metodologia seja conhecida e praticada pela maioria dos Engenheiros Agrônomos, merece ser recapitulada. Para aplicar o conhecimento em fitopatologia e economia é necessário se saber como quantificar a quantidade de doença (fitopatometria) presente num dado momento numa lavoura. Os produtores e técnicos deveriam, como rotina, fazer essa determinação em todas as safras em suas lavouras.

Numa faixa representativa da lavoura (desenvolvimento das plantas), da largura da barra do pulverizador e de 10 a 20 m de comprimento, não aplicar fungicida (evitar ser atingida por deriva) de modo que a doença aí alcance sua intensidade máxima. Coletar nessa área 20 plantas ao acaso e avaliar a severidade, ou incidência foliar (trigo)/foliolar (soja) da doença principal. Faça o mesmo procedimento na área tratada representativa da lavoura.

Colete 20 plantas ao acaso e avalie a severidade, ou incidência foliar/foliolar da doença principal. Por regra de três calcular o controle.

Exemplo: se na área sem fungicida a doença atingiu uma severidade de 69% e na área representativa tratada da lavoura foi de 16% o controle foi de 76,8%. Se, por outro lado você avaliou a incidência (foliolar ou folhar), por regra de três calcule o controle.

Exemplo: se na área sem fungicida a doença atingiu uma incidência 83% e na área representativa tratada da lavoura foi de 24% o controle foi de 71,1%. A doença pode ser quantificada tanto pela incidência foliolar/folhar como pela severidade.

Os valores obtidos do controle não são iguais. Compare o controle obtido com o controle de 80% (Tabela 8) onde o dano foi de 600 kg e a perda de R$ 650,00. A importância dessa determinação é ter números para estimar o lucro/prejuízo esperado do controle de doenças com fungicidas em lavouras de soja e trigo. Se a renda obtida em resposta ao controle não pagar o custo de sua aplicação algo necessita ser melhorado.

6 Como determinar o dano (kg/ha) causado por uma doença numa lavoura

Para determinar o dano são necessários: (i) a função de dano da doença na cultura (soja ou trigo) e (ii) a intensidade atual da doença (fitopatometria). Por exemplo, numa lavoura de trigo, cultivar Jadeíte 11, no estádio 32 Z com uma incidência de manchas foliares foi de 23%. A função de dano para manchas foliares, nesse estádio fenológico é R = 1.000 – 7,66 I. Por regra de três, se para 1% de incidência o dano é de 7,66 kg/ha, com 23% será 176 kg/ha para cada 1.000 kg de grãos. No entanto, considerando-se o rendimento potencial dessa lavoura de 3.020 kg/ha, por regra de três: se para 1000 kg o dano foi de 176 kg/ha para 3.020 será de 531 kg/ha.

7 Como determinar a perda (R$/ha) causado por uma doença numa lavoura

Considerando o preço do saco de trigo de 60 kg de R$ 32,00, o valor dos 531 kg calculado por regra de três é R$ 170,00. Portanto, a perda resultante de uma incidência foliar de 23% numa lavoura com potencial de rendimento de 3.020 kg/ ha é de R$ 170,00/ha.

8 Considerações finais

Os produtores estão perdendo muito dinheiro pela baixa eficiência do controle obtido em suas lavouras. Fica entendida a mensagem dessa publicação de quanto de controle é necessário para pagar o custo correspondente.

Os critérios ou indicadores do momento da primeira aplicação utilizados pela maioria dos produtores considera a eficácia do controle e a relação entre controle dano e perda? Quantos sabem na ponta do lápis e da língua o custo da primeira aplicação em suas lavouras? Quantos sabem quanto de controle estão obtendo?

A perda do amassamento, em soja é 2,75 vezes maior do que o custo do fungicida usado numa aplicação (R$ 76,00). As dificuldades de se obter controle acima de 90% são várias. Tecnologia de aplicação e a ela se some a redução da sensibilidade dos fungos aos fungicidas com a consequente redução do controle é cada vez mais preocupante. A situação é mais confortável com a soja devido ao preço do saco de R$ 74,00, enquanto que e mais preocupante para o trigo com um valor de R$ 32,00/60 kg.

Técnicos e produtores não devem usar os valores médio de R$ 184,00 (trigo) ou R$ 295,00 (soja) como custo da primeira aplicação como feito nesses exemplos. Devem sim, utilizar o valor real calculado para a situação específica de cada lavoura. Se os agricultores cultivam a terra para ganhar dinheiro, saber em detalhe os custos, danos e perdas são fundamentais para assegurar a lucratividade máxima das lavouras. Lembra-se que o valor da segunda e demais aplicações de fungicidas será menor do que a primeira se nelas for utilizado o mesmo trilho do rodado do equipamento de aplicação (Figura 1).

Portanto, no caso de uso de GPS, o dano devido ao amassamento do rodado de 4 a 8%, deve ser descontado para a segunda e demais aplicações. Finalmente, calcule o dano e a perda devido ao amassamento nas duas situações da Figura 1.

Referências

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