Introdução
O nitrogênio é o macronutriente mais extraído e exportado pelas culturas, absorvido, principalmente, pelas raízes. Na Tabela 1 é apresentada a extração e exportação de macronutrientes pelas culturas da soja, milho e trigo (Floss, 2011, baseado em vários autores). Observa-se, que o N, é o nutriente mais extraído nessas culturas, seguido do potássio e muito superior ao fósforo, cálcio, magnésio e enxofre, além de ser também o macronutriente mais exportado.
A dinâmica do N no solo e na planta é complexa, as perdas são altas e o adubo nitrogenado normalmente é o nutriente de maior custo. Por isso, é importante conhecer todos os fatores que influem na adubação nitrogenada, para que a eficiência do uso de nitrogênio seja maximizada no sistema de produção da propriedade. Uma adequada sucessão cultural pode aumentar a retenção de N no sistema, aumentar a eficiência de uso desse nutriente, reduzir os custos de produção e perdas, contribuindo para o aumento da produtividade das culturas e a redução da contaminação de lençóis freáticos.
Fontes de nitrogênio
A fonte primária, mais importante de nitrogênio é o ar atmosférico, numa concentração de 78%. Esse nitrogênio molecular (N2), cujas três ligações covalentes não são quebradas por células animais e vegetais, apenas por alguns microrganismos. Esse N entra no sistema de produção agrícola através do processo químico industrial (processo Haber e Bosch), pela fixação biológica de N (simbiótico e não simbiótico), e, de menor importância, a formação de nitrato no ar atmosférico e disponibilizado através da chuva.
O processo químico industrial, foi descoberto em 1909 pelo alemão Fritz Haber (1868-1934, Prêmio Nobel de Química de 1918) e desenvolvido industrialmente, em 1912, pelo também alemão Carl Bosch (1874-1940, Prêmio Nobel de Química de 1931), mediante a redução pelo gás hidrogênio (H2), sob alta temperatura e pressão. Esse processo passou a ser utilizado a partir dos anos 1910, pelas indústrias de fertilizantes dando origem aos fertilizantes nitrogenados ureia, sulfato de amônio, MAP, DAP, nitrato de amônio, nitrato de potássio, dentre outros (Figura 1).
No entanto, a forma mais importante e de menor custo de disponibilização de nitrogênio no sistema de produção agrícola é através da fixação biológica de N, de forma simbiótica ou não simbiótica. A mais importante é a fixação biológica de N (FBN), a simbiótica nas Fabaceas (leguminosas), como nas culturas da ervilhaca, ervilha, trevos (Rhizobium sp.), e, especialmente, na soja, em mais de 33 milhões de ha no Brasil, através Bradyrhizobium japonicum e B.alcanii).
Para exemplificar, uma lavoura de soja com rendimento de 60 sacas de grãos (3.600 kg/ha), com média de 40% de proteína bruta (PB) produz 1.440 kg/ha de PB. Como a proteína tem 16,5% de N, isso representa uma exportação de aproximadamente 238 kg/ha de N. Considerando uma produção de 4.000 kg/ha de palha, com 14% de proteína bruta, com 16,5% de N, representa uma extração de mais 92 kg/ha de N, totalizando uma extração de 330 kg/ha de N. Se todo esse N fosse fornecido por fertilizantes seriam necessários aplicar 733 kg/ha de ureia ou 1650 kg/ha de sulfato de amônio.
Estima-se que, com adequada inoculação (anualmente) e fornecimento de cobalto e molibdênio (via semente, sulco ou via aérea), a fixação biológica de N pela soja supra até 85% da necessidade, que no exemplo representaria 280 kg/ha de N. Como a soja é a cultura de maior área cultivada, é a mais importante fornecedora de N nos sistemas de produção agrícola na região. Pelo grão o N é exportado e o N da palha é reciclado, através da implantação de culturas, imediatamente após a colheita da cultura.
Também é crescente a fixação de N pela fixação não simbiótica, com o desenvolvimento de inoculantes a base das bactérias Azzospirilum sp. A principal fração de nitrogênio no solo está na forma de matéria orgânica, sendo também a mais estável, especialmente nas formas húmicas (ácido húmico, ácido fúlvico e huminas). O restante, uma pequena fração muito variável do teor total, encontra-se nas formas inorgânicas de amônio (NH4+), retida pelas cargas negativas das substâncias húmicas e argila, e, principalmente de nitrato (NO3- ) (RAIJ, 1987).
O nitrogênio inorgânico do solo disponível para as plantas é resultante da diferença entre a mineralização da matéria orgânica, fertilizantes aplicados, fixação biológica e os processos de imobilização e perdas. Por essa razão, a disponibilidade de N do solo para as culturas é mais bem estimada através do teor de matéria orgânica. Considerando um teor de matéria orgânica no solo (MOS) de 3,7%, uma densidade do solo 1g/ cm3 e considerando uma camada de 20 cm de profundidade, um hectare (ha) teria 75.000 kg de MOS.
A MOS apresenta em média 5% de N, o que representa um estoque de 3.750 kg/ ha de N. Como a mineralização da MOS é em média de 2% ao ano, a disponibilização é de 75 kg/ha/ano de N. Considerando ciclos das culturas da soja, milho e trigo de 120-150 dias, a MOS disponibiliza de 25 a 33 kg N/ha, durante o desenvolvimento de cada cultura.
Dinâmica do nitrogênio em sistema de produção
Os restos culturais são degradados biologicamente, resultado na formação dos compostos húmicos, de forma coloidal, carregada negativamente, cuja velocidade depende da relação C/N da palhada. Os microrganismos decompositores da matéria orgânica, liberando NH3 (amônia) exigem uma relação C/N entre 24 a 30. Quando a relação C/N é menor que 30 (leguminosas, nabo forrageiro e outras plantas jovens) a decomposição é muito rápida, ocasionando a perda de nitrogênio na forma de amônia (amonificação). Quando a relação C/N é maior que 30 (palhada de milho, trigo, aveia branca, sorgo, arroz e outros cereais após colheita de grãos), a velocidade de decomposição é lenta, ocorrendo a imobilização de N. Esse fato exige uma aplicação suplementar de N na cultura em sucessão para evitar a deficiência de nitrogênio na fase inicial de crescimento, prejudicando o crescimento de raízes e parte aérea. Quando a palha apresenta alta relação C/N (>80), a imobilização temporária média é da ordem de 5k N/t de palha seca degradada pelos microrganismos. A amônia liberada é convertida principalmente em nitrito (NO2- ) por ação das bactérias quimiotróficas do gênero Nitrossomonas e este em nitrato (NO3- ), a forma mais abundante de N inorgânico no solo, por ação das bactérias do gênero Nitrobacter, segundo a reação:
2NH3 +3O2 ===> 2NO3- + 6H+
Pela reação química, verificase que essa reação é acidificante do solo. Uma menor porção da amônia (NH3) é convertida em amônio (NH4 +), a forma mais estável de N inorgânico no solo, especialmente, em solos ácidos, segundo a reação:
NH3 + H+ ===> NH4+
As plantas absorvem o N na forma de nitrato e na forma de amônio. Como o nitrato tem carga negativa, é repelido pela matriz do solo que é negativa. Por isso, sofre perdas por lixiviação, a principal perda de N no solo, sob condições de altas precipitações. Em condições anaeróbias (solos compactados ou encharcados), o nitrato é convertido no gás nitroso (N2O) e esse novamente convertido em gás dinitrogênio (N2) e liberado no ar atmosférico.
Portanto, o adequado manejo das culturas num sistema de planejamento cultural é manter o solo coberto permanentemente com culturas, como o exemplo de modelo de rotação de culturas (sucessão cultural e alternância de áreas), apresentado na Tabela 2. O modelo prevê que no verão dois terços da área sejam cultivadas com soja e um terço com a cultura do milho. Na gleba 1, ano 2016, logo após a colheita da soja seria implantada a cultura da aveia preta, antecedendo o novo cultivo de soja no verão seguinte.
Essa aveia preta pode ser utilizada somente como cobertura verde/morta do solo ou utilizada em pastejo racional, na integração da lavoura com pecuária de leite ou corte. Portanto, o N e demais nutrientes reciclados, a partir da decomposição da palha de soja, aproveitados pela aveia preta. Depois da colheita da soja, em 2017, antecedendo a cultura do milho no verão seguinte, poderia ser utilizada como culturas intercalares o nabo forrageiro ou a ervilhaca, consorciadas com aveia preta. Em anos de outono seco, é melhor o desenvolvimento do nabo.
Em anos de outono chuvoso pode ser cultivada, preferencialmente a ervilhaca comum (Vicia sativa) ou ervilhaca peluda (Vicia villosa), pois a mesma também fixa N, aumentando a disponibilidade desse nutriente no sistema. Depois do milho, antecedendo o trigo ou aveia branca ou cevada, no inverno, sugere-se o cultivo do nabo forrageiro, pela sua rusticidade, crescimento rápido, alta produção de biomassa verde, de relação C/N estreita e, portanto de decomposição rápida.
A combinação da palha de milho com o nabo baixa a relação C/N, disponibilizando N para o crescimento inicial do trigo. Produção de biomassa seca (t MS/ha), conteúdo de N na MS (kg N/tMS) e acúmulo de N pela ervilhaca, aveia preta e nabo forrageiro varia conforme o solo, clima e manejo das culturas (Tabela 3), conforme Derpsch e Calegari (1992). Observase que a produção de MS varia de 2,5 a 5,5 t/ha na ervilhaca, 2,5 a 7 t/ ha na aveia preta e de 2 a 6 t/ha pelo nabo forrageiro.
O conteúdo de N na MS também é variável: 28,2 kg N/t na ervilhaca, 16,5 kg N/t pela aveia preta e 21,8 kg N/t pelo nabo forrageiro. Pesquisas tem demonstrado um aproveitamento de 50% desse N pela cultura implantada em sucessão imediata. Baseada nessa produtividade de MS e conteúdo de N, as culturas da ervilhaca, aveia preta e nabo forrageiro podem fornecer 52, 39 e 44 kg N/ha, respectivamente.
Considerações finais
1. O nitrogênio (N) é o nutriente mais extraído e exportado pelas culturas produtoras de grãos, e, também, o de maior custo;
2. A maior reserva de N está na atmosfera (78%), que entra nos sistemas biológicos através da fabricação industrial de fertilizantes (Processo Haber e Bosch) e através da fixação biológica (simbiótica ou não simbiótica);
3. A cultura que mais fixa N é a soja, que no Brasil ocupa mais de 33 milhões de ha; a maior parte do N é exportado pelos grãos e o restante pode ser disponibilizado para a cultura cultivada em sucessão, mediante a degradação biológica;4. A forma mais estável de N no solo é na matéria orgânica, cujo teor médio é de 5% e as formas de absorção são o amônio e nitrato, assimilado na forma de amônia;
5. Trata-se do nutriente que sofre mais perdas como a lixiviação do nitrato, a volatilização da amônia, através da erosão do solo e pela desnitrificação sob condições de anaerobiose (solos compactados ou encharcados), que reduz a eficiência no uso pelas culturas, aumenta os custos de produção, além da contaminação dos lençóis freáticos;
6. A adubação nitrogenada racional deve ser parcelada, a dose determinada pela estimativa de rendimento da cultura, aplicado sob adequadas condições de umidade, variável de acordo com a natureza da resteva e nos estádios fenológicos mais importantes na definição dos componentes de rendimento;
7. Para a manutenção do N deve-se adotar um sistema de produção que mantenha o solo permanentemente coberto com culturas, mediante um eficiente sistema de rotação de culturas (“colher-semear-colher”), fixando N e C no solo. Também, realizar o cultivo intercalar de adubos verdes (leguminosas com FBN) ou outras coberturas verdes (aveia preta, nabo forrageiro e outras), recicladoras de N e outros nutrientes.
Referências
DERPSCH, R.; CALEGAR, A. Plantas para adubação verde de inverno. Londrina: Instituto Agronômico do Paraná, 1992. 78p.
FLOSS, E.L. Fisiologia das plantas cultivadas. Passo Fundo: Editora UPF, 2011. 733p.
LOCHART, J.A.R., WISEMAN, A.J.L. Plants. In: Introcduction to crop husbandry. New York: Pergamon Press, 1975. 1-32.