Razão e sensibilidade na agricultura


Autores: Equipe Editorial Revista Plantio Direto
Publicado em: 31/01/2016

Em uma breve passada por Passo Fundo, no segundo semestre de 2015, Norma Gatto falou de sua trajetória na agricultura para um grupo de produtoras do Sindicado Rural. Dosando razão e emoção, o relato foi inspirador para as mulheres que estão à frente dos negócios que envolvem agricultura.

Norma Gatto é uma gaúcha nascida no Salto do Jacuí, pequeno município do Norte do Rio Grande do Sul, que migrou para o Estado do Mato Grosso em 1979, aos 19 anos, acompanhando o marido agricultor, que na época junto com o sogro, foi um dos primeiros a introduzir a cultura da soja no sistema agrícola daquela região.

“No Mato Grosso era só arroz, meu marido foi o segundo a plantar soja no Estado”, conta. Norma lembra também que não se envolvia com as atividades ligadas à agricultura, ela era a esposa, a dona de casa, a mãe. Ao falar da ida para o Mato Grosso ela recorda uma curiosidade dos tempos de menina que veio a se tornar um paradoxo em sua vida, Norma sempre achou a atividade agrícola muito sofrida e não se imaginava casada com um agricultor.

Hoje, a frente do Grupo Gatto, com propriedades nos municípios de Itiquira, Ipiranga do Norte e Canarana, Norma Gatto é um exemplo de capacidade gerencial e dedicação. Sua história de vida é motivadora e também um retrato das mulheres que trabalham no agronegócio.

Uma escolha do coração

Para Norma Gatto agricultura é a vida se manifestando em cada momento da rotina de uma fazenda. O contato com a terra, com a germinação das plantas, com o crescimento e o florescimento e, finalmente, a colheita dos frutos.

Norma se diz deslumbrada com tudo isso e afirma: “Não nasci agricultora, me tornei uma e me apaixonei pela profissão”. Há quem possa pensar que agricultura é fácil, mas Norma é contundente ao afirmar que não.

Para ela, agricultura é complexa e exigente, mas como tudo o que se faz com o coração e muito empenho, a atividade dá resultado e trás satisfação. “Fazer agricultura é como tocar uma empresa de qualquer outro segmento.

Você precisa estar sempre se qualificando e qualificando a equipe, porque agricultura é uma atividade muito dinâmica e os processos devem ser conduzidos com eficiência”. Por isso, para Norma Gatto, quem ficar para traz na onda de avanços técnicos e gerenciais perde muito, para ela é importante ser proativo, se antecipar. “Nos meus negócios quero estar sempre na liderança em produtividade e gerenciamento de custos”.

E para estar sempre à frente, entre outras ações, Norma participa desde 2000, quando assumiu a condução dos negócios, de um grupo de agricultores chamado Guará. “No início fazíamos comparativos de produtividade e custos, essa análise é importante para saber efetivamente qual é o lucro obtido, porque dizer que produziu “X” e ganhou “Y” sem olhar os custos reais, é uma ilusão”, destaca. S

egundo Norma, a partir desse grupo foi criado um pull de compras de insumos para atender aproximadamente 20 mil hectares. Hoje, com a ampliação do número de participantes no grupo, o volume de compras diretas atende a 270 mil hectares. “Considero a união das pessoas fundamental na agricultura. Existe certa competitividade é lógico, existe a busca constante pelo crescimento e isso é saudável.

Nem sempre você precisa errar para aprender. É possível aprender com a experiência de um amigo, um colega ou um parceiro de atividade”. Uma mudança radical de cenário após a morte do marido levou Norma a mergulhar nessa atividade que era até então desconhecida, a agricultura.

“Quando comecei participava de tudo, palestras, cursos, reuniões e me sentia um peixe fora d’água, porque era a única mulher e também porque não tinha conhecimento técnico ou prático dos processos”.

Reconhecer que tinha muito para aprender e que precisava de apoio, fortaleceu e manteve Norma motivada para o desafio de conduzir as áreas antes administradas pelo marido.

“Considero a humildade fundamental na agricultura. Não se deve achar que sabe tudo. Se você tem dúvidas não se feche, procure alguém que possa ajudar, pergunte, investigue. Eu posso dizer que todos me ajudaram”.

Quando se está fora da atividade agrícola e se assume as rotinas de uma propriedade rural, os processos que envolvem a produção dentro da porteira e palavras como planejamento, programação, safra, insumos, armazenagem, cotações, compra, venda, tão comuns em agricultura podem assustar.

Foi o que aconteceu com Norma, mas a humildade e o desejo de fazer bem feito foram importantes para que ela tomasse as rédeas dos negócios que a cada dia traziam novos desafios.

“Quando o meu marido morreu tínhamos acabado de fazer o plantio e uma pessoa da revenda de insumos ligou e perguntou se eu já tinha feito a programação para a próxima safra. Aquilo me assustou muito. Perguntei: como assim, não precisa colher antes de começar a pensar nisso? Eu não entendia nada, não sabia qual a variedade de soja, quais e quanto fertilizante seria necessário ou quais os outros insumos que eu tinha que comprar. Procurei um vizinho amigo nosso e fiquei por quase oito horas fazendo essa programação. Aprendi muito com as pessoas e com as dificuldades também. Hoje posso dizer que obstáculos são superados, os medos e as angustias passam e que as coisas boas ficam”.

Gerenciamento de equipes

Após a morte do marido, Norma conta que sofreu muita pressão para que arrendasse as áreas. Segundo ela, o que a motivou a assumir o desafio de tocar um negócio que não dominava, foram os filhos.

“Pensei: se eu parar agora qual o exemplo que vou deixar para eles? Eles veriam que no primeiro obstáculo eu desisti. Por isso precisava tentar, do contrário ficaria um sabor amargo de derrota”.

E o primeiro desafio de Norma foi a quebra de um tabu, pois na região não existiam mulheres na gestão dos negócios rurais.

“Como interagir com uma equipe 100% masculina naquela época? Mas tive uma surpresa muito grande porque todos se uniram e deram o melhor de si e isso me fortaleceu. Tenho na equipe funcionários que estão comigo há 30 anos”, conta.

O sucesso do Grupo Gatto é a prova incontestável da competência e, porque não, da vocação de Norma Gatto para atividade. Entre a menina que considerava a atividade muito sofrida e a mulher que é referência na área, há, sem dúvida, uma história pontuada de valentia, de disciplina e de capacidade.

“Fui me apaixonando cada vez mais pela agricultura e pude contar com as pessoas de uma forma ou outra. Penso que sou uma boa influência para os filhos, pois eles se tornaram as testemunhas do meu empenho e das dificuldades que passei.

Dessa forma ficamos muito mais unidos”. Hoje os três filhos de Norma participam da gestão da empresa, nas palavras dela sua função atual é uma espécie de supervisão. “Estou quase aposentada”, brinca.

Conselho de quem faz

Projetando futuro e falando dos desafios econômicos e técnicos da atividade Norma considera que a agricultura é um sistema, não há como trabalhar sem olhar o conjunto, o todo da atividade. Para ela o agronegócio é um dos setores mais importantes do país e essa importância é consequência do trabalho de quem está na ponta.

“Agricultura é uma soma de fatores, vários processos precisam ser observados sempre. Nesse momento que o país vive é muito importante manter o estímulo, trabalhar duro e focar no resultado. Não se pode deixar que o externo nos afete levando ao pessimismo”.

A manutenção do equilíbrio financeiro e o crescimento das produtividades são pontos que Norma ressalta como fundamentais na atividade.

“É necessária a rigorosa gestão dos custos, contar com uma equipe preparada e motivada, ter confiança na capacidade das pessoas, saber delegar e cobrar resultados”.

Norma Gatto finaliza destacando a importância do uso de tecnologia de ponta em todos os processos. Para ela um bom gestor não pode parar de evoluir, deve ficar atento às novidades e oportunidades que o mercado oferece.