Os fungicidas penetrantes têm ação curativa e erradicativa? Por que então estão sendo forçados a aplicá-los antes da ocorrência das doenças?


Autores: Erlei Melo Reis
Publicado em: 31/01/2016

Introdução

Tem havido uma forte difusão (pressão) para que os agricultores façam a primeira aplicação de fungicidas visando ao controle de doenças (ex. ferrugem da soja), com o seu fungicida.

Chama a atenção que essa aplicação deve ser antecipada (?) ou no pré-fechamento das linhas de soja não levando em conta a presença e/ou a quantidade da doença (indicência foliolar/foliar e severidade). Entende-se que a primeira aplicação deve ser feita na ausência da ferrugem, ou preventivamente.

Convém lembrar que o período de proteção dos fungicidas usados no controle da ferrugem da soja tem sido encurtado de 20, para 15 ou 10 dias devido a redução da sensibilidade de Phakopsora pachyrhizi, de Drchslera spp. e de Blumeria graminis aos fungicidas.

Os recomendantes procuram justificar também que os fungicidas penetrantes devem ser aplicados preventivamente, ou seja, na ausência da doença quando sua ação é mais potente.

Desse modo, tais fungicidas têm sido forçados a serem aplicados na primeira aplicação. Pergunta-se, não teriam ação fungicida na segunda, terceira e demais aplicações – não poderiam ser aplicados na presença da doença?

Conceitos básicos, lembrando conceitos antigos!

Quanto à mobilidade e/ou ao posicionamento na planta

Os fungicidas podem ser classificados, primeiramente, em relação ao seu posicionamento na planta: se permanecem em sua superfície após a deposição ou se são absorvidos e translocados pelo sistema condutor (xilema) para locais distantes da deposição. Neste caso não se considera a relação da substância química com o fungo alvo do controle.

a. Não penetrantes ou não absorvidos (tópicos ou imóveis). Os fungicidas não penetrantes, aplicados nos órgãos aéreos, não são absorvidos e por isso não são translocados, permanecendo na superfície da planta no local onde foram depositados. Por isso, são removidos da superfície da planta pela água da chuva. Servem de exemplos o clorotalonil, os cúpricos (oxicloreto de cobre), a iprodiona, o fluazinam, o mancozebe, o metiram, os sulfurados (enxofre molhável), o propinebe, tiram e etc.

b. Penetrantes (móveis – interior da planta). São depositados na superfície do órgão suscetível e deslocam-se (penetração/absorção) para o interior dos tecidos foliares.

Quanto a ação penetrante se pode diferenciar:

Movimento de profundidade. A ação de profundidade ocorre quando o fungicida é aplicado numa das superfícies da folha e é translocado para o interior da folha.

Movimento translaminar. O fungicida aplicado na superfície da planta apresenta controle na face inferior da folha.

Movimento sistêmico. Ocorre quando a molécula do fungicida é penetrante móvel podendo ser absorvida pelas raízes ou pelas folhas, sendo, posteriormente, translocadas pelo sistema condutor da planta via xilema.

A translocação via xilema, ou acropetal é a mais comum, como ocorre com os benzimidazóis e triazóis. O termo “sistêmico” pode induzir à ideia de que o fungicida com esta propriedade seja translocado para qualquer parte da planta.

Por exemplo, depositado numa folha mover-se para outra, ou das folhas superiores para as inferiores do dossel e vice-versa. Dentro da folha, em gramíneas (cevada, trigo) a translocação é completa, se o fungicida for depositado na base da folha.

Por outro lado, muitos fungicidas móveis em plantas de folhas largas (soja) apresentam uma ação loco-sistêmica, ou seja, são translocados somente a pequenas distâncias dentro da folha a partir do ponto de deposição, em geral de qualquer ponto da folha para suas margens. Por isso, qualquer fungicida necessita de boa cobertura, para que seja obtida eficiência “máxima no controle”.

As folhas ou áreas da folhas que não receberam o fungicida não são protegidas. Os principais fungicidas penetrantes parcialmente móveis pelo xilema (movimento apical são carbendazim, ciproconazol, difenoconazol, epoxiconazol, metconazol, propiconazol, protioconazol, tebuconazol e etc.

Das estrobilurinas, a única móvel é a azoxistrobina as demais são apenas penetrantes. As carboxamidas (fluxapiroxade, benzovindiflupira) também são móveis pelo xilema.

Quanto ao momento da aplicação e as subfases do processo infeccioso interferidas

Nesse critério de classificação, a ação do fungicida está diretamente envolvida com o fungo (relação fungicida x fungo). Os não-penetrantes agem antes da penetração do fungo, na superfície da planta, fato que depende do momento da aplicação.

Por outro lado, os fungicidas penetrantes podem ter efeito sobre o fungo quando no interior dos tecidos do hospedeiro (subfases de penetração/ colonização), dependente também do momento da aplicação.

Segundo Hewitt (1998), quanto ao momento da aplicação os fungicidas podem ser classificados como preventivos, curativos e erradicativos, conforme as subfases da infecção em que o fungicida atua.

A infecção compreende as subfases de deposição do inóculo nos sítios de infecção, germinação do esporo, penetração do tubo germinativo do fungo e início da colonização do hospedeiro.

A colonização consiste na invasão e extração de nutrientes dos tecidos do hospedeiro com a posterior manifestação externa de sintomas/sinais.

a. Protetor – ação de fungicida não penetrante na superfície da planta. Os termos preventivo e protetor têm sido usados como sinônimos. Preventivo é que previne e protetor é o que protege, referindo-se a infecção.

Residual vem de depósito, propriedade dos fungicidas não penetrantes. Enquadram-se aqui os fungicidas não penetrantes, nos quais permanece um depósito na superfície do órgão tratado mesmo após a colheita.

Nesse último caso o depósito é chamado de resíduo. Os fungicidas preventivos, ou protetores, são aplicados antes da deposição dos esporos nos sítios de infecção do hospedeiro.

A ação é protetora ou de pré-penetração. Após a deposição do inóculo, o fungicida presente numa camada sobre a superfície do órgão, é absorvido pelo pró-micélio do fungo durante o processo de germinação impedindo a penetração.

Na prática, sob condições de campo, não se sabe o momento da deposição dos esporos nos sítios de infecção. Não sendo visualizados sintomas/sinais admite-se que o tratamento está sendo feito preventivamente.

b. Curativo – ação de fungicida penetrante no interior da planta A ação curativa ocorre na subfase de pós-penetração do fungo, não sendo ainda observados os sintomas/ sinais (pré-sintoma/sinal).

Os efeitos visuais são semelhantes aos produzidos pelos fungicidas protetores tópicos, ou seja, não ocorrem sintomas. A ação curativa ocorre com os fungicidas penetrantes quando entram em contato com as estruturas do fungo no interior do órgão vegetal. Por isso, os tópicos não têm ação curativa, pois agem na superfície do órgão tratado.

Na ação curativa, as estruturas do patógeno encontra-se no interior dos tecidos e o fungicida também. Para serem curativos os produtos devem ser absorvidos pelos tecidos vegetais.

Se o fungicida for eficiente curativamente, as infecções latentes serão controladas paralisando o processo infeccioso. Esta ação ocorre, por exemplo, com os fungicidas inibidores da desmetilação IDMs, penetrantes em folhas de soja, controlando Phakopsora. pachyrhizi) (Figura 1).

No caso de manchas foliares do trigo, por exemplo, causada por Bipolaris sorokiniana, a ação curativa é mais lenta, seno crescente em função do tempo decorrido desde a aplicação do fungicida, atingindo a erradicação aos 15 dias após a aplicação.

Houve diferenças entre os IDMs aplicados isoladamente, de quando aplicados em mistura com os IQes (Tabela 1). Baseado no significado do termo proposto por Hewitt (1998), curativo não deveria ser usado como critério sinalizador para a primeira aplicação de fungicidas numa lavoura.

A ação curativa não tem valor prático por não ser possível a sua detecção e quantificação no campo.

c. Erradicativo - ação de fungicida penetrante no interior da folha. No caso dos fungicidas erradicativos a atividade envolve os efeitos dos produtos químicos no estágio pós-sintoma/sinal (Figura 2).

Em qualquer caso de cura ou erradicação, a ação refere-se somente à morte do fungo não ocorrendo a regeneração ou a recuperação de células ou dos tecidos mortos do hospedeiro.

A morte de células e tecidos, em geral, é irreversível em plantas. Quanto as manchas foliares, por exemplo, em cereais de inverno, alguns fungicidas podem paralisar a expansão da área das lesões com a morte do patógeno (Ex. Bipolaris sorokiniana) envolvido.

A morte do fungo ocorre aos 15 dias após a aplicação do fungicida, no entanto, os sintomas não desaparecem (Zanatta, 2007, dados não publicados).

A maior parte dos fungicidas IDMs apresenta ação erradicante contra fungos dos gêneros Blumeria, Erysiphe, Phakopsora, Puccinia, Uromyces etc. (nos órgãos aéreos) e Ustilago (que infecta o embrião da semente de cereais de inverno); matam os patógenos, porém os tecidos injuriados, folhas principalmente, não se regeneram.

A resposta à pergunta inicial é de que os fungicidas penetrantes tem ação protetora, curativa e erradicativa. Por isso, não há justificativa técnica para serem aplicados na ausência de doenças em soja e em trigo (Zanatta, 2009).

Referências

GODOY, C.V.; CANTERI, M.G. Efeitos protetor, curativo e erradicante de fungicidas no controle da ferrugem da soja causada por Phakopsora pachyrhizi, em casa de vegetação. Fitopatologia Brasileira, Brasília, v.29, p.97-101, 2004.

HEWITT, H. G. Fungicides in crop protection. Cambridge: CAB International, 1998. 221 p.

REIS, E M. BRESOLIN, A. R. E CARMONA, M. A. Manual de fungicidas: guia para o controle químico de doenças de plantas. 6ª ed. rev. atual. Passo fundo – Universidade de Passo Fundo Editora. 2010. 226p.

ZANATTA, T. Efeito de fungicidas no processo infeccioso de Phakopsora pachyrhizi. Dissertação (Mestrado em Agronomia) – Universidade de Passo Fundo, 2009. 120 f.