“Taxa Variada de Palha”: qual o investimento no sistema plantio direto?


Autores: Antônio Luis Santi, Claudir José Basso; Diego Armando Amaro da Silva, Júnior Melo Damian, Leila Daiane Almeida dos Santos, Romano Augusto Martini Dal Bello; Diandra Pinto Della Flora; Dejales Fioresi, Renan Martini
Publicado em: 31/01/2016

Relembrando: a importância da palhada na conservação do solo

Desde o surgimento do Sistema de Plantio Direto (SPD) no Brasil, em meados da década de 1970, os agricultores investem em técnicas de conservação do solo, sendo que este sistema é considerado até hoje, um modelo mundial para a conservação dos solos agrícolas.

Concomitantemente ao não revolvimento do solo foram empregadas técnicas de cultivos alicerçadas na rotação de culturas, cultivo em nível e terraceamento.

Entretanto, nos últimos anos, muitas dessas práticas tem sido abandonada, deixando as lavouras desprotegidas, influenciado principalmente por cutivos em monoculturas repetidamente, retomando antigos problemas existentes na agricultura regional, como a erosão, a poluição de mananciais hídricos e a diminuição ou estabilização das produtividades.

Esse contexto de simplificação dos processos tem gerado perda na estrutura do solo, diminuição dos teores de matéria orgânica do solo, agregados com pouca estabilidade, compactação e mesmo a diminuição da atividade biológica do solo.

Uma reflexão sobre a importância da palhada para na conservação do solo é um tema atual e necessário no contexto do agronegócio brasileiro não só pela instabilidade econômica mas para o redirecionamento qualitativo do SPD.

Não há mais espaço para a prática do “plantio direto” no lugar do “sistema plantio direto”. A qualidade do sistema solo e a garantia de altas produtividades requer um novo olhar e investimento em técnicas de cultivo e planos de manejo que contemplem o favorecimento da atividade biológica e não apenas ações baseadas em tecnologias embarcadas em máquinas ou eventos genéticos.

É preciso ter coragem para investir na reconstrução do SPD e não apenas priorizar ações nas culturas de verão ou interesse econômico.

A importância da palhada pode ser contada em livros, mas nessa reflexão, os objetivos limitam-se a questionar sobre a existência de variabilidade na produção de palhada na lavoura, mesmo dentro da mesma cultura, e como essa pode interferir diretamente na variabilidade dos grãos produzidos durante as culturas de verão e a qualidade do Sistema Plantio Direto.

Variabilidade na produção de palhada: qual é o problema na lavoura?

Não é recente o conceito de variabilidade, porém, ele tem se limitado a parâmetros de produtividade de grãos, de fertilidade ou física do solo. Obviamente que o enfoque sobre esses atributos é necessário e essencial, mas as tecnologias advindas da agricultura de precisão não se limitam a amostragens de solo, taxa variada de corretivos e fertilizantes ou monitoramento da colheita.

Com as ferramentas geoespaciais também é possível o monitoramento de aspectos ligados a conservação do solo, embora isso seja pouco estudado e emergente quando se trata de agricultura de precisão.

Uma das grandes possibilidades é o monitoramento da produção de palhada em todos os talhões da fazenda, e a partir disso, redefinir planos de manejo ou mesmo a escolha das plantas de cobertura. 

Estudos preliminares conduzido pelo Laboratório de Agricultura de Precisão do Sul (LAPSul), em duas áreas de lavoura, ainda em 2011, envolvendo cobertura com aveia preta e aveia branca mostraram a existência desta variabilidade com produção de matéria seca variando de 4,0 a 9,0 Mg ha-1 para a aveia preta e de 3,0 a 10,0 Mg ha-1 para a aveia branca, com a média para as duas culturas ficando em torno de 5,0 e 6,0 Mg ha-1 (Figura 2).

Vários autores tem destacado a importância das plantas de cobertura no fornecimento de nutrientes através da ciclagem, chegando a picos entre 90 e 199 kg ha-1 de K (Krzywy & Woloszyk, 1984; Calegari, 1993; Borkert et al., 2003) nos resíduos culturais de aveia preta, por exemplo, sendo inclusive maiores que as quantidades recomendadas pelas comissões de pesquisa (Comissão... 2004) na maior parte das lavouras.

Dessa forma, não se pode negar a importância desta questão, tendo em vista que a ciclagem pode fornecer uma quantidade maior de alguns nutrientes as plantas que a própria adubação mineral empregada.

Outro ponto que deve ser discutido, é justamente os locais e a intensidade com que isto ocorre, por geralmente haver maior produtividade de palhada em talhões de maior fertilidade natural do solo e menor em locais onde há deficiência, fazendo com que os locais definidos como de zonas de “alta produtividade” apresentem cada vez mais nutrientes, enquanto as de “baixa produtividade” sejam cada vez mais prejudicados.

Assim, surge a hipótese de que a variabilidade espacial dos nutrientes no solo podem ser afetados em maior grau pelas plantas de cobertura durante o inverno, em relação aos cultivos de verão, principalmente devido ao fato de não haver extração no inverno, causando assim, uma amplitude maior na ciclagem de nutrientes que no verão - que visam a produção de grãos.

Um agravante direto gerado pela variabilidade na produção de massa seca é a variação dos nutrientes, principalmente fósforo e potássio, ciclados. Na figura 3 tem-se a variação de massa seca da cultura de aveia preta.

A variação da produção de matéria seca de 3,4 e 9,2 Mg ha-1 gerou uma variação de 82 a 189 kg ha-1 de potássio e 5,1 a 16,3 kg ha-1 de fósforo.

Qual a influência dessas alterações sobre o desenvolvimento inicial das culturas?

Qual a influência sobre a variação dos atributos químicos do solo quando de uma coleta georreferenciada em malha amostral?

Qual a influência sobre uma taxa variada de fertilizantes?

A qualidade do sistema solo x produção de palha

A base da sustentação dos sistemas agrícolas depende do manejo racional do solo e este, obrigatoriamente, depende de requisitos básicos como rotação de culturas, mínima mobilização do solo, permanente cobertura do solo, recuperação do teor de matéria orgânica, elevada ciclagem de nutrientes e estímulo á atividade biológica, ou seja, as premissas de um SPD de qualidade.

O conhecimento da produção de palhada pelos sistemas de cobertura de outono/inverno é muito importante devido à variabilidade imposta por essa estratégia no sistema solo. Apesar de que, isoladamente, este não deve ser um critério decisório, é incontestável que a variabilidade imposta em muitos locais dentro da mesma lavoura leve a perturbar esse sistema.

Em alguns casos em certas áreas da lavoura, pode-se chegar a patamares de duas a três vezes mais produção de palhada em relação à média da lavoura, indicando que estes locais necessitam ser investigados e manejados de forma diferenciada.

Isso demonstra que a qualidade do SPD, o sequestro de carbono, a ciclagem de nutriente e outras características intrínsecas impostas por esse sistema também são variáveis e, podem refletir na produtividade das culturas subsequentes, além de decidir o futuro de determinada gleba da lavoura, resultando em qualidade ou degradação deste solo.

Embora as relações entre massa seca e atributos isolados não seja tão elevada (fato que acontece com inúmeros atributos quando se trata de correlações entre mapas temáticos), Silva (2016) constatou a existência de correlação significativa entre a produção de massa seca e a resistência do solo à penetração (RP), sendo r = - 0,21 para a camada de 0,00 - 0,05 m, e r = - 0,27 na camada na camada de 0,05 - 0,10 m (Figura 4).

Suzuki & Alves (2006), afirmam que quanto maior a produção de biomassa pelas plantas de cobertura, maior a interferência na aeração e na resistência mecânica do solo, corroborando com o encontrado no estudo citado.

Neste mesmo estudo também foram observadas correlações entre a palhada produzida e a ocorrência de minhocas (r = 0,38), retratados pela literatura como excelentes bioindicadores de qualidade do solo, além de correlação com o Índice de uniformidade de Pielou (J) (r = 0,55), que indica a diversidade de organismos presentes no solo (Figura 5).

Baretta et al.

(2006) afirmam que o solo abriga grande diversidade de organismos capazes de modificar suas características químicas, físicas e biológicas, e segundo Correia e Oliveira (2000), estes organismos estão intimamente relacionados com outro compartimento, os resíduos deixados sobre o solo e, nos sistemas onde os solos apresentam baixa fertilidade natural, a matéria orgânica proveniente deste resíduo natural, apresenta-se como principal fonte para o crescimento vegetal.

Desta forma, a quantidade de palhada sobre o solo pode interferir diretamente nos atributos químicos, físicos e biológicos do solo, sendo de extrema importância para promover a conservação do solo e se chegar mais próximo do potencial máximo das culturas de grãos (Santi et al., 2015), atingindo um patamar de estabilidade produtiva e sustentabilidade socioambiental.

Assim, além de se pensar em um manejo eficiente, é preciso conhecer o grau de variação que poder-se-á ser submetido. Neste sentido, a utilização de ferramentas de AP permite a quantificação e espacialização produção de palha pelas culturas de cobertura, para que possam ser utilizadas como uma fonte adicional de informações para a definição de estratégias de manejo á longo prazo.

Desta maneira, mapas de produtividade de grãos e de produção palhada podem ser utilizados na investigação das causas da variabilidade, e do manejo do solo (Molin, 1997; Amado et al., 2007; Mantovani & Magdalena, 2014), proporcionando o conhecimento mais detalhado da área, maximizando o potencial produtivo das culturas (Santi et al., 2014), servindo como base essencial para o posicionamento correto das plantas de cobertura, sendo indiscutível sua importância na execução de sistemas de rotação de culturas.

Estimativa da produção de palhada em tempo real

A AP fornece inúmeras ferramentas que auxiliam no processo de tomada de decisão na agricultura. Não diferente disso, na tematica que aborda a estimativa de produção de palhada da culturas de cobertura já existem instrumentos capazes de fornecer uma estimativa confiável dessa produção em tempo real já nos estádio iniciais de desenvolvimento período vegetativo das plantas de cobertura.

Entre as principais ferramentas utilizadas atualmente para esse fim, está o índice NDVI (Normalized Difference Vegetation Index). Este índice resume-se na relação entre as medidas espectrais das bandas do infravermelho próximo e do vermelho com o objetivo de minimizar o problema das interferências do solo na resposta da vegetação.

Para calcular esse o NDVI, pode ser utilizados satélites ou equipamentos de fácil manuseio, em que entre os mais utilizados, estão o GreenSeeker (Trimble), Crop Circle (Holland Scientific) e o OptRx (Ag Leader).

O NDVI apresenta grande potencial de uso em estimativas de produção de palhada por apresentar correlação positiva com a mesma e ainda com o índice de área foliar, sendo um bom estimador desses parâmetros.

Uma alternativa é a possibilidade do uso de índice de vegetação (NDVI) na estimativa desta produção. Estudos preliminares conduzidos pelo LAPSul constataram que essa ferramenta é eficiente para boa parte dos sistemas de plantas de cobertura testados, obtendo-se coeficientes de determinação (R²) que variaram de 0,31 a 0,64 (Figura 6).

O NDVI apresentou R² maior que 0,5 nas coberturas de aveia preta e aveia branca, e nos consórcios de aveia preta + nabo e aveia preta + ervilhaca, evidenciando que o NDVI é eficiente para estimar a quantidade de palhada produzida nestes sistemas, sendo capaz de determinar a fitomassa seca produzida de forma adequada ou satisfatória.

Porém, viu-se que em sistemas consorciados com mais de duas plantas, assim como em sistemas que apresentem flores visíveis no dossel durante as leituras, não apresentam o NDVI como alternativa da estimativa da palhada produzida. Como já relatado, o NDVI pode ser utilizado para estimar a produção de palhada para algumas plantas de cobertura.

Todavia, além disso, esse índice pode auxiliar também no manejo dessas plantas. Essa constatação abrange uma dificuldade encontrada no manejo com herbicidas nessas culturas.

Quando bem calibrado para determinada cultura de cobertura, o NDVI pode ser um indicador do momento correto de aplicação de herbicida na planta de cobertura, segundo a produção de palhada desejada antes da implantação da cultura de principal.

A dificuldade de correlacionar o NDVI com a produção de palhada de plantas de cobertura em consórcio (Figura 6), gera a discussão sobre o que pode ser feito para sanar esse problema, baseando-se no fato de que culturas consorciadas ou em sistema de coquetéis de plantas de cobertura, estão sendo frequentemente utilizados, baseado nos bons efeitos na qualidade do solo em SPD.

Uma solução para esse problema, pode estar em utilizar outros índices de vegetação para essas plantas, como é o caso do NDRE (Normalized Difference Red Edge Index).

O NDRE utiliza os mesmo princípios do NDVI, porém, no cálculo, ao invés da banda Red (banda do vermelho), utiliza o Red Edge (banda localizada entre o vermelho e o infravermelho próximo), o que pode proporcionar diferentes resultados para diferentes culturas e estágio de crescimento.

Contudo outros índices em diferentes arranjos de comprimento de ondas também podem ser aprimorados para essas culturas, podendo solucionar esse problema.

Considerações finais

Ainda que seja um dos principais fatores que indentifica o SPD, a produção de palha proveniente de restos culturais de culturas comerciais ou de plantas de cobertura precisa ser melhor planejado e investido em algumas lavouras comercias, gerando assim, problemas graves de degradação do solo, culminando, na baixa produtividade.

Por isso, todo o esforço deve ser feito buscando otimizar o manejo da produção de palhada.

As tecnologias proporcionadas pela agricultura de precisão, podem ser utilizadas na tomada de decisão do manejo para esse escopo, possibilitando mapear, quantificar, qualificar e estimar a produção de palhada em lavoura sob SPD, no entanto, “nenhuma tecnologia corrige um erro de manejo” (Figura 7) .

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