Controle químico de doenças do milho


Autores: Caroline Wesp Guterres, Juliana da Silva Bruinsma, Gilmar Seidel
Publicado em: 31/10/2015

Introdução

O milho é o cereal de maior volume de produção no mundo, com aproximadamente 960 milhões de toneladas. O Brasil é o terceiro maior produtor e o segundo maior exportador mundial, com uma área cultivada do cereal de cerca de 15 milhões de hectares e uma produção de 82 milhões de toneladas.

A média brasileira de produtividade de milho está em torno de 5.400 kg/ha, o que é considerada baixa em comparação com outros países, como os Estados Unidos.

No entanto, o Brasil vem mantendo uma taxa de crescimento de produtividade na ordem de 5% ao ano. O cultivo de milho safrinha vem crescendo ano após ano, com área plantada de cerca de 8,13 milhões de hectares e estimativa de produção superior a 51 milhões de toneladas em 2015. A possibilidade de cultivar o milho em sucessão à soja contribui para este aumento de área.

Para impulsionar todo este crescimento é essencial que se maximize a expressão dos fatores de produção. Neste contexto, o controle de doenças fúngicas é fundamental. São diversas as doenças que ocorrem em milho, dentre as principais estão a mancha branca, a cercosporiose, a ferrugem polissora, a ferrugem tropical, a ferrugem comum, a helmintosporiose e a mancha de diplodia.

A importância de cada uma dessas doenças é variável de ano para ano e de região para região. Dentre as medidas de manejo para as doenças de milho estão o plantio em época adequada, evitando que os períodos críticos para a produção coincidam com condições ambientais mais favoráveis ao desenvolvimento de doenças, o uso de sementes de boa qualidade e tratadas com fungicidas, a rotação de culturas, o manejo adequado da lavoura, o uso de cultivares resistentes e o uso de fungicidas.

Embora alguns autores relatem certa inconsistência quando do uso de fungicidas em milho, principalmente em condições de baixa severidade de doenças (Costa et al., 2011), vários trabalhos têm demonstrado a eficiência dos fungicidas no manejo de doenças e na redução das perdas por elas causadas na produtividade de milho (Cunha et al., 2010; Juliatti et al., 2007; Pinto et al., 2004), especialmente em situações de alta pressão de inóculo.

Outro ponto importante é a segurança alimentar. O milho é altamente vulnerável ao desenvolvimento de fungos toxigênicos, produtores de micotoxinas e, quando este cultivo é realizado em regiões de clima tropical e subtropical, a incidência desses fungos pode ocorrer com maior facilidade (Kawashima & Soares, 2006; Hauschild et al.,2007).

As micotoxinas mais comuns em milho são produzidas principalmente pelos gêneros: Fusarium (fumonisinas, deoxynivalenol, toxina T-2 e zearalenona), Aspergillus (aflatoxinas e ocratoxina) e Penicillium (ocratoxina) (Kawashima & Soares, 2006). A infecção causada pelo gênero Fusarium acontece no período em que o milho ainda está no campo, já os fungos do gênero Aspergillus se desenvolvem nas condições de armazenamento dos grãos (Tanaka et al., 2001).

Os fungos do gênero Fusarium são considerados os principais causadores de danos em milho e seu desenvolvimento está relacionado a temperaturas e umidades relativas elevadas, porém, para produção da micotoxina zearalenona (ZEA), o ideal é que a temperatura esteja entre 8ºC e 14°C (Santurio, 2007).

O principal efeito tóxico de ZEA é estrogênico, resultando em reações graves no sistema reprodutivo, como aborto, infertilidade e associação com o câncer do colo do útero. Em suínos machos, induz feminilização e supressão de libido. Em vacas, tem sido constatada infertilidade, produção reduzida de leite e hiperestrogenismo.

Além disso, ZEA também mostra propriedades hepato, hemato, imuno e genotóxicas. Na maioria das vezes esta micotoxina é encontrada em milho. No entanto, é encontrada também em outras culturas importantes, tais como trigo, cevada, sorgo e centeio (Gimeno & Martins, 2006; Afsah-hejri et al., 2013; Zinedine et al., 2007).

A legislação sobre micotoxinas varia entre os países, alguns são extremamente rígidos, enquanto outros sequer regulam os níveis de micotoxinas. Naqueles onde há legislação específica, o limite tolerável varia conforme o tipo de alimento. No Brasil, a legislação que versa sobre o tema é recente. Somente em 2011 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) passou a regulamentar os níveis toleráveis de micotoxinas em grãos, não só de mlho, mas de outros cereais.

Até 2016 o valor tolerável deverá ser reduzido gradativamente (Tabela 1). A busca pelo aumento da produtividade em milho, o melhor entendimento das ferramentas de controle de doenças, especialmente o uso de fungicidas, e a viabilização da produção de alimentos seguros para os consumidores, isentos ou com baixa contaminação por micotoxinas é fundamental.

Assim, o objetivo deste trabalho foi o de avaliar a eficiência e o número de aplicações de fungicidas no controle das principais doenças e na produção da micotoxina zearalenona, em híbridos de milho com distintas reações ás doenças.

Materiais e métodos

A eficiência e o número de aplicações de fungicidas no controle das principais doenças de milho foram avaliados em experimento conduzido na CCGL Tecnologia, no município de Cruz Alta, RS, durante a safra de verão 2014/2015. Foram utilizados dois híbridos com distintas reações ás doenças, P 1630 e AG 9045.

Os programas de aplicação variaram entre uma (V8) e duas aplicações (V8 + pré-pendoamento) de fungicida e contaram com os seguintes produtos: Fluxapiroxade + Piraclostrobina, na dose de 0,3 L/ha e Epoxiconazol + Piraclostrobina), na dose de 0,3 L/ ha. O adjuvante Assist® a 0,5L/ha foi utilizado em todas as aplicações (Tabela 2). O ensaio foi conduzido em delineamento de blocos casualizados, com cinco repetições e cinco tratamentos.

As sementes foram tratadas com fungicida padrão em todos os tratamentos, incluindo a testemunha. As aplicações foram feitas com barra terrestre, provida de seis pontas (duplo leque plano defletor modelo - TTJ 60 110 02/TEEJET), com pulverizador costal pressurizado a CO2 e volume de calda de 150 L/ha.

Nos ensaios foram quantificadas a produtividade (kg/ha) e as doenças foliares ocorrentes em cada híbrido, para cálculo da ASCPD (área sob a curva de progresso da doença), que leva em consideração a intensidade de doença e sua evolução no tempo.

Os dados foram submetidos à análise da variância e a comparação entre as médias foi feita pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

As análises foram efetuadas através do software SASM-Agri (Canteri et al. 2001). Após a colheita foram quantificados os níveis da micotoxina zearalenona (ZEA) em amostras obtidas no campo, através de kit baseado em método imunoenzimático por competição (ELISA). Os resultados foram fornecidos em partes por bilhão (ppb).

Resultados e discussão

A elevada precipitação, especialmente entre os meses de dezembro a fevereiro, fez com que a intensidade de doenças na cultura do milho fosse elevada. Os dois híbridos estudados, P 1630 e AG 9045 diferem quanto à reação às principais doenças da cultura, sendo que P 1630 é mais suscetível à helmintosporiose, mancha de diplodia e mancha branca, enquanto que AG 9045 é mais suscetível à ferrugem.

Independente das reações, os híbridos responderam às aplicações de fungicida, com redução na incidência de doenças e com ganhos significativos no rendimento de grãos, especialmente com duas aplicações de fungicida, que se refletiram em diferenças no rendimento em comparação com a testemunha que variaram de 27 a 36 sacos/ha no híbrido P 1630 e de 88 a 92 sacos/ha no híbrido AG 9045.

A eficiência de cada fungicida testado dependeu da doença em questão. Para helmintosporiose, houve um melhor controle quando se realizaram duas aplicações de Epoxiconazol + Piraclostrobina, o mesmo foi observado para a mancha de diplodia, tanto com uma, quanto com duas aplicações. Para mancha branca e ferrugem, o controle foi superior com duas aplicações de fungicida, com destaque para o uso de Fluxapiroxade + Piraclostrobina. (Figura 1).

A escolha do fungicida e do princípio ativo dependerá da reação do híbrido e das principais doenças que nele ocorrem. Cada produto possui um efeito diferente para cada doença, podendo ser mais ou menos eficaz.

Sendo assim, a escolha do produto deve ser feita em razão da principal doença que ocorre na região. O bom entendimento da interação híbrido X condição climática X fungicida também é muito importante para o sucesso dos programas de controle de doenças em milho. Diversos trabalhos analisam a reposta econômica da aplicação de fungicidas em milho.

Muitos relatam certa inconsistência na resposta em rendimento das cultivares quando se comparam áreas com e sem fungicidas. Fatores como o nível de resistência da cultivar, pressão de doenças, época de aplicação, sistema produtivo, fungicida utilizado e condições climáticas, podem interferir no benefício potencial dos fungicidas e seu efeito no rendimento de milho.

No entanto, embora as cultivares utilizadas neste estudo fossem bem distintos na reação às doenças, para ambas houve acréscimo no rendimento de pelo menos 22,6 sacos/ha para P 1630 e 31,5 sacos/ha para AG 9045, com apenas uma aplicação de fungicida (Epoxiconazol + Piraclostrobina e Fluxapiroxade + Piraclostrobina, respectivamente).

A obtenção de benefício econômico com duas aplicações de fungicida depende, provavelmente, do nível de doença e da expectativa de produtividade a ser alcançada. Quanto maior a pressão de doenças, maior será o retorno econômico da segunda aplicação.

Porém, se a expectativa de produção for similar àquela obtida com uma aplicação, não se justifica a realização da mesma.

Neste trabalho, ambos os híbridos testados responderam bem às aplicações de fungicida. O híbrido AG 9045, mais resistente do que P 1630, respondeu com ganhos no rendimento em relação à testemunha que variaram de 23 a 68%. O híbrido P 1630 obteve ganhos com as aplicações de fungicida que variaram de 16 a 25% em relação à testemunha.

Os maiores rendimentos de grãos foram observados nos tratamentos onde houve melhor controle de doenças. De fato, o efeito significativo da aplicação de fungicidas na produtividade tem sido relatado em diversos trabalhos realizados no Brasil e no mundo (Munkvold et al., 2001; Pinto et al., 2004; Adee et al., 2005; Juliatti et al., 2007; Cunha et al., 2010; Laca-Buendía & Jardine, 2009; Shah & Dillard, 2010; Oliveira et al., 2011).

Os níveis de ZEA encontrados nas amostras analisadas foram baixos, sendo de 3,26 µg kg-1 na testemunha não tratada de P 1630 e de 2,34 µg kg-1 na testemunha não tratada de AG 9045 (Figura 2). Estes valores estão dentro dos limites permitidos pela legislação (Tabela 1). Apesar dos baixos valores, todos os tratamentos fungicidas reduziram os níveis de ZEA em relação às testemunhas.

O LAMIC, laboratório de análises micotoxicológicas da UFSM, recomenda níveis máximos de ZEA, quando do uso para ração, dependendo da idade dos animais, de até 50 µg kg-1 para frangos e de até 25 µg kg-1 para suínos (LAMIC, 2015). O aparecimento de zearalenona nos alimentos está ligado a condições ambientais favoráveis. Temperaturas de 20 a 25°C favorecem o crescimento do fungo.

Porém, temperaturas relativamente mais frias (8 a 14°C) são requeridas para uma ótima produção de zearalenona. Provavelmente pelas altas temperaturas observadas no período do ciclo de milho safrinha, os níveis de ZEA neste trabalho tenham sido baixos.

Ainda assim, os tratamentos com os menores acúmulos de ZEA estiveram entre os maiores rendimentos de grãos observados para ambos os híbridos estudados.

Considerações finais

Nas condições predominantes durante o experimento, conclui-se que:

• Mesmo com distintas reações às doenças os híbridos responderam às aplicações de fungicida de forma positiva, através da redução da severidade de doenças e do aumento no rendimento de grãos;

• Houve ganho com a realização de duas aplicações de fungicida, mesmo no híbrido mais resistente;

• Os produtos possuem ação diferenciada em relação ao controle de doenças, com maior ou menor eficiência de controle dependendo da doença em questão;

• Houve redução significativa no acúmulo de ZEA com o uso de fungicidas em milho, embora os níveis detectados estivessem dentro do estabelecido pela legislação.

Desta forma, a prática de aplicação de fungicidas em milho é importante para manutenção da produtividade, redução da incidência de doenças e de grãos ardidos, bem como, pela manutenção da qualidade e segurança alimentar dos grãos.

Referências

ADEE, E.A., PAUL, L.E., NAFZIGER ED, BOLLERO G. (2005) Yield loss of corn hybrids to incremental defoliation. Crop Management, DOI:10.1094/ CM-2005-0427-01-RS.

AFSAH-HEJRI, L. et al. A review on mycotoxins in food and feed: Malaysia case study. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, v. 12, p. 629–651, 2013.

ALVES ET AL., 2010. Ocorrência de zearalenona em milho armazenado por agricultores familiares da região Central de Minas Gerais. XXVIII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, 2010, Goiânia. Associação Brasileira de Milho e Sorgo. CD-Rom.

ANVISA. Resolução - RDC n°7, de 18 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre os limites máximos tolerados (LMT) para micotoxinas em alimentos. Brasília, DF: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 2011.

COSTA et al. Viabilidade técnica e econômica da aplicação de fungicidas. 2011. Disponível em: http://www.agrolink.com.br/culturas/ milho/artigo/viabilidade-tecnicae-economica-da-aplicacao-defungicidas_138203.html

CUNHA, J.P.A.R.; SILVA, L.L.; BOLLER, W.; RODRIGUES, J.F. Aplicação aérea e terrestre de fungicida para o controle de doenças do milho. Revista Ciência Agronômica, v. 41, n. 3, p. 366-372, 2010.

GIMENO, A. e MARTINS, M. L. Mycotoxins and mycotoxicosis in animal and humans. 1a. ed. Miami - USA: Special nutrients, Inc., 2006. p. 127.

HAUSCHILD, L.; LOVATTO, P. A.; LEHNEN, C. R.; CARVALHO, A. D’A.; GARCIA, G. G.; MALLMANN, C. A. Digestibilidade e metabolismo de dietas de suínos contendo zearalenona com adição de organoaluminossilicato. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 42, n. 2, p. 219-224, 2007.

JULIATTI, F. C.; ZUZA, J. L. M. F.; SOUZA, P. P.; POLIZEL, A. C. Efeito do genótipo de milho e da aplicação foliar de fungicidas na incidência de grãos ardidos. Bioscience Journal, Uberlândia, v. 23, n. 2, p. 34-41, 2007.

KAWASHIMA, L. M.; SOARES, L. M. S. Incidência de fumonisina B1, aflatoxinas B1, B2, G1 e G2, ocratoxina A e zearalenona em produtos de milho. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 26, n.3, p. 516-521, 2006.

LACA-BUENDÍA, J. P.; JARDINE, D. F. Eficiência de fungicidas no controle de doenças foliares na cultura do milho. FAZU em Revista, Uberaba, n. 6, p. 11-52, 2009.

LAMIC - Laboratório de Análises Micotoxicológicas. Legislação sobre micotoxinas. Disponível em: http:// www.lamic.ufsm.br/legislacao.html. Acesso em: 31 maio 2015.

MUNKVOLD, G.P.; MARTINSON, C.A.; SHRIVER, J.M.; DIXON, P.M. Probabilities for profitable fungicide use against gray leaf spot in hybrid maize. Phytopathology, v. 91, p.477- 484, 2001.

OLIVEIRA MS, PRADO G, ABRANTES FM, SANTOS LG, VELOSO T. Incidência de aflatoxinas, desoxinivalenol e zearalenona em produtos comercializados em cidades do estado de Minas Gerais no período de 1998 - 2000. Rev Inst Adolfo Lutz 2002; 61(1): 1-6.

PAUL, P.A.; MADDEN, L.V.; BRADLEY, C.A.; ROBERTSON, A.; MUNKVOLD, G.; SHANER, G.; WISE, K.; MALVICK, D.; ALLEN, T.W.; GRYBAUSKAS, A.; VINCELLI, P.; ESKER, P. Meta-Analysis of yield response of hybrid field corn to foliar fungicides in the U.S. corn belt. Phytopathology, 2011.

PINTO, N. F. J. A. Controle químico de doenças foliares em milho. Revista Brasileira de Milho e Sorgo, Sete Lagoas, v. 3, n. 1, p. 134-138, 2004.

POZZI CR, CORRÊA B, GAMBALE W, PAULA CR, CHACON-RECHE NO, MEIRELLES MCA. Postharvest and stored corn in Brazil: mycoflora interaction, abiotic factors and mycotoxin occurrence. Food Addit Contam 1995; 12:313-9.

SANTURIO, J. M. Micotoxinas e micotoxicoses nos Suínos. Acta Scientiae Veterinariae, 35, p. S1-S8, 2007. Suplemento.

SHAH, D.A., DILLARD, H.R. Managing foliar diseases of processing sweet 10 corn in New York with strobilurin fungicides. Plant Disease 94:213-220, 2010.

SOUSA, L. B.; BISINOTTO, F. F.; SANTOS, F.M.; OLIVEIRA, V.M. Produtividade de milho em função de diferentes aplicações de fungicidas. Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.12; 2011.

TANAKA, M. A. S.; MAEDA, J. A.; PLAZAS, I. H. A. Z. Microflora fúngica de sementes de milho em ambientes de armazenamento. Scientia Agricola, v. 58, n. 3, p. 501-508, 2001.

ZINEDINE, A. et al. Review on the toxicity, occurrence, metabolism, detoxification, regulations and intake of zearalenone: an oestrogenic mycotoxin. Food and chemical toxicology, v. 45, p. 1–18, 2007.