O sistema plantio direto em fase de manutenção recupera o estoque de carbono original do solo? Um panorama das áreas pioneiras sob plantio direto no Rio Grande do Sul


Autores: Ademir de Oliveira Ferreira, Telmo Jorge Carneiro Amado, Charles W. Rice
Publicado em: 31/10/2015

Introdução

O sistema plantio direto (SPD) foi introduzido no sul do Brasil, no inicio da década de 70. O principal objetivo era controlar a erosão causada pelo uso de fogo na transição da lavoura de trigo para a lavoura de soja (Muzilli, 1985).

O sistema utilizado pelos primeiros agricultores do Rio Grande do Sul baseava-se na retirada dos resíduos vegetais da superfície e na intensa mobilização do solo, que associado às condições de relevo e clima provocou severa degradação, limitando inclusive, a eficiência da aplicação de adubos e de corretivos por causa das perdas por erosão (Anghinoni, 2005).

A partir do final da década de 70 e início dos anos 80, foram criados os primeiros programas visando o manejo conservacionista do solo, com redução do preparo e manutenção de cobertura vegetal na superfície. Segundo Mielniczuk (2003), em 1979 no RS mais de 90% da área cultivada era sob manejo com intensa mobilização de solo, enquanto que, em 1999, esse número reduziu para apenas 30%.

Atualmente, o Rio Grande do Sul apresenta 4,5 milhões de hectares sob SPD (Derpsch & Friedrich, 2009), abrangendo aproximadamente 90% do total da sua área cultivada com culturas de grãos de sequeiro.

Nas principais áreas de produção de grãos do Rio Grande do Sul (Santa Rosa, Palmeira das Missões, Cruz Alta, Manoel Viana, Lagoa Vermelha), a conversão para o SPD foi impulsionada pelos impactos ambientais adversos, principalmente a degradação do solo pela erosão, altos custos da produção agrícola tradicional mecanizada à base de arado e diminuição na quantidade de matéria orgânica do solo (MOS) (Mielniczuk et al. 2003; Bayer et al., 2006).

Assim, o SPD têm sido amplamente adotado para minimizar os riscos de degradação do solo, para sustentar a produtividade dos agroecossistemas (Mielniczuk et al. 2003; Sá et al. 2014), e manter ou recuperar a estrutura e qualidade do solo (Vezzani & Mielniczuk, 2011).

Em solos sob ecossistemas não perturbados como campo nativo (CN), o teor de carbono do solo (C) está em estado estável, onde a entrada de resíduos orgânicos está em equilíbrio com perdas de C. Sob condições nativas, o solo organiza-se ao longo do tempo em uma estrutura bem definida pela sua composição granulométrica, química e atuação dos agentes biológicos, subordinados às condições ambientais em que o solo está inserido (Vezzani & Mielniczuk, 2011).

O SPD, desde que manejado segundo seus princípios básicos (mínima mobilização de solo, manutenção dos restos culturais na superfície do solo, diversificação de espécies via rotação, cobertura vegetal permanente do solo e aporte de material orgânico ao solo pelas espécies cultivadas em quantidade, qualidade e frequência), constitui-se em uma prática capaz de recuperar parcialmente ou totalmente o estoque de carbono do solo, buscando se aproximar da estabilidade do CN.

A rotação de culturas é considerada um dos pilares para o sucesso do SPD pelos inúmeros benefícios que traz, tais como a melhoria da qualidade do solo e a resposta em termos de produtividade dos cultivos com o passar do tempo (Sá, 1999; Ferreira et al. 2009; Sá et al. 2010).

Esses benefícios (melhoria da qualidade do solo, aumento de produtividade, aumento da MOS e aumento do estoque de carbono são alcançados de forma gradual e contínua, conforme a escala de evolução do sistema plantio direto descrita por Sá et al. (2004), que se divide em 4 fases.

A fase inicial (0 - 5 anos) do sistema se caracteriza pelo baixo acúmulo de palhada e elevada decomposição, re-agregação e rearranjo de nova estrutura, baixa disponibilidade de fósforo, restabelecimento da fauna e biomassa microbiana no solo; imobilização de nitrogênio (N) é maior que a mineralização, maior exigência de N mineral nas culturas de milho, sorgo, trigo e algodão.

Já a fase de transição (6 - 10 anos) é quando ocorre o início de acúmulo e palhada e MOS, aumento da densidade do solo, aumento da disponibilidade de fósforo, aumento da fauna e da biomassa microbiana no solo. A mineralização de N é maior ou igual a imobilização, tornando ainda maior a exigência de N mineral para as culturas de milho, sorgo, trigo e algodão.

Na fase de consolidação (11 – 20 anos) acontece acúmulo de palhada na superfície e aumento de carbono (C) e da capacidade de troca catiônica (CTC), estabilização da densidade do solo, aumento de fósforo, aumento da fauna e da biomassa microbiana no solo. A mineralização de N maior ou igual a imobilização, promovendo a redução da exigência de N mineral. Aumento do armazenamento de água e ciclagem de nutrientes.

Na fase de manutenção (> 20 anos) incide elevado acúmulo de palhada na superfície e acúmulo de C e aumento da CTC, estabilização da densidade do solo, aumento da fauna e da biomassa microbiana no solo; mineralização contínua de N, redução da resposta a N mineral; aumento do armazenamento de água e ciclagem de nutrientes.

O presente estudo buscou selecionar áreas pioneiras e de referência no SPD, que hoje estão na fase de manutenção (> 20 anos). O objetivo foi avaliar o acúmulo, a redistribuição e a recuperação de carbono das principais áreas agrícolas sob sistema plantio direto em fase de manutenção do Rio Grande do Sul, tendo como comparativo-base ao campo nativo.

Materiais e métodos

Descrição das áreas

Áreas pioneiras na adoção do plantio direto nas seis principais regiões produtoras de grãos do estado do Rio Grande do Sul: a) Cruz Alta, Santa Rosa, Lagoa Vermelha, Manoel Viana, Palmeira das Missões, Fortaleza dos Valos foram identificadas, acompanhadas e amostradas.

O teor de argila dos solos destas regiões varia de 90 a 720 g kg-1, sendo esta fração constituída por minerais de carga variável, basicamente caulinita, óxidos de ferro, e gibsita. Segundo classificação climática de Koëppen, as áreas experimentais encontram-se sob clima subtropical.

A Tabela 1 apresenta a caracterização das áreas experimentais e um resumo do tempo de adoção do SPD das áreas e dos sistemas de cultura adotados nas diferentes áreas.

Nas áreas pioneiras na adoção do SPD das principais regiões produtoras de grãos do estado do Rio Grande do Sul foi investigada a mudança de estoque de C (Tabela 1). Para fins de comparação em cada local em área adjacente a área agrícola foi coletada amostras de campo nativo (Figura 1), já que na maioria destas regiões não existe mais áreas sob preparo convencional, que se disponíveis poderiam ser utilizadas como comparativo ao SPD.

Histórico de uso e manejo das áreas

De uma maneira geral no Rio Grande do Sul, houve um período de agricultura colonial (entre 1900 e 1965), com preparo de solo predominantemente com tração animal, criação de animais e cultivo de milho (Zea mays L.), trigo (Triticum aestivum L.), feijão (Phaseolus vulgaris L.), lentilha (Lens culinaris Medik), mandioca (Manihot esculenta Crantz) e soja (Glycine max L. Merril) (a partir de 1956), entre outras espécies, para subsistência, sendo o cultivo baseado na fertilidade natural do solo.

Na década de 1965, teve início o período de agricultura mecanizada, com preparo do solo com aração e gradagem e intensa mobilização deste (preparo convencional, PC), uso de fertilizantes e corretivos químicos, sucessão de cultivos de trigo e soja, além da queima da palha do trigo, causando degradação física do solo.

Entre 1981-1990, foram adotadas práticas conservacionistas de manejo do solo, com preparo com escarificador e grade (preparo reduzido), com a palha do trigo deixando de ser queimada e a cultura da aveia passando a dividir espaço com o trigo. Em 1990 teve início o sistema plantio direto (SPD), que vem sendo mantido até os dias atuais. A seguir são mostradas graficamente as cronologias do uso do solo de cada local amostrado (Tabela 2).

Caracterização e descrição do campo nativo

A classificação e denominação do campo nativo da maioria das áreas amostradas no Rio Grande do Sul foram classificadas como Estepe (Campos do sul do Brasil), gramíneo lenhosa (campestre) e sem floresta de galeria (RADAMBRASIL).

Na área de Santa Rosa, classificada como descrito anteriormente, a amostragem foi feita sob vegetação de campo nativo pareado ao SDP, uma vez que são escassas as áreas de Floreta nativa dessa região. Quanto à produção de matéria seca (MS) na estação quente do ano, observou-se de 2,0 a 3,4 Mg ha-1 de matéria seca (MS) em pastagem nativa (Pillar et al., 2009).

Amostragem de solo

As amostras de solo foram coletadas em cada área nas camadas 0-0,05; 0,05-0,15; 0,15-0,30; 0,30- 0,45; 0,45-0,60 e 0,60-1,0 m de profundidade.

As amostras para fertilidade do solo foram secas ao ar, passadas em uma peneira de malha 2 mm, as raízes encontradas foram removidas manualmente e as amostras de solo excedente foram armazenadas para utilização nas futuras análises.

Determinação do conteúdo de carbono no solo e densidade do solo

As amostras de solo destinadas à determinação do conteúdo de C foram coletadas manualmente, mediante abertura de pequenas trincheiras com dimensões de 0,3 x 0,3 x 0,4 m.

As amostras do solo foram coletadas com uma espátula na parede frontal da trincheira. As amostras foram secas ao ar e manipuladas visando à retirada de raízes e resíduos de plantas. As amostras de solo destinadas à determinação do conteúdo de C foram finamente moídas em gral de porcelana. O carbono foi determinado por combustão úmida pelo método Mebius modificado no bloco de digestão (Nelson & Sommers, 1996; Reinheimer et al., 2008).

Para determinar a densidade do solo amostras indeformadas foram coletadas nas camadas de 0-0,05; 0,05-0,15; 0,15-0,30; 0,30-0,45; 0,45-0,60 e 0,60-1,0 m, com anéis volumétricos com dimensões de 0,05 m de diâmetro e 0,04 m de altura (Embrapa, 1997).

Os resultados da densidade do solo foram utilizados para o cálculo do estoque de C. Os resultados foram submetidos à análise de variância utilizando o software SISVAR 5.0 (Ferreira, 2010), e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey ao nível de 5% de significância.

Resultados

Estoque e recuperação de carbono no solo sob sistema plantio direto em manutenção

No local 1 (Santa Rosa), o estoque de C do SPD variou em média de 12,3 (±2,1) Mg ha-1 na camada de 0-5 cm a 23,4 (±1,9) Mg ha-1 na camada de 60-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 18,5 (±3,2) a 45,0 (±2,6) Mg ha-1, para as camadas de 0-5 e 60-100 cm, respectivamente (Figura 2). O estoque de C acumulado do SPD variou em média de 30,7 (±4,9) Mg ha-1 na camada de 0-15 cm a 99,8 (±5,2) Mg ha-1 na camada de 0-100 cm.

Para CN, essa variação média foi de 46,8 (±6,8) a 164,8 (±8,2) Mg ha-1, para as camadas de 0-15 e 0-100 cm. Considerando o campo nativo como base, a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD foi de 67, 65, 72, 62, 49 e 52% para as camadas de 0-5, 5-15, 15-30, 30-45, 45-60 e 60-100 cm.

Analisando as camadas acumuladas a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD (20 anos) foi de 65, 68, 67, 64 e 61% para as camadas de 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm (Figura 2). No local 2 (Manoel Viana), o estoque de C do SPD variou em média de 8,5 (±0,9) Mg ha-1 na camada de 0-5 cm a 22,9 (±2,5) Mg ha-1 na camada de 60-100 cm.

Para CN, essa variação média foi de 5,9 (±0,9) a 32,4 (±2,2) Mg ha-1, para as camadas de 0-5 e 60-100 cm, respectivamente (Figura 2). O estoque de C acumulado do SPD variou em média de 17,8 (±3,4) Mg ha-1 na camada de 0-15 cm a 78,3 (±4,7) Mg ha-1 na camada de 0-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 18,3 (±1,5) a 91,7 (±5,7) Mg ha-1, para as camadas de 0-15 e 0-100 cm (Figura 2).

A percentagem de recuperação do estoque de C do SPD em relação ao CN foi de 144, 74, 85, 99, 91 e 71% para as camadas de 0-5, 5-15, 15-30, 30-45, 45-60 e 60-100 cm.

Analisando as camadas acumuladas a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD (23 anos) foi de 97, 92, 94, 93 e 85% para as camadas de 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm.

No local 3 (Palmeira das Missões), o estoque de C do SPD (20 anos) variou em média de 14,8 (± 3,24) Mg ha-1 na camada de 0-5 cm a 41,2 (±3,7) Mg ha-1 na camada de 60-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 12,1 (±1,7) a 49,0 (±0,6) Mg ha-1, para as camadas de 0-5 e 60-100 cm, respectivamente (Figura 3).

O estoque de C do SPD (33 anos) variou em média de 15,3 (±2,8) Mg ha-1 na camada de 0-5 cm a 41,8 (±3,2) Mg ha-1 na camada de 60-100 cm. O estoque de C acumulado do SPD (20 anos) variou em média de 33,4 (±1,5) Mg ha-1 na camada de 0-15 cm a 139,5 (±3,7) Mg ha-1 na camada de 0-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 34,3 (±1,1) a 164,3 (±1,3) Mg ha-1, para as camadas de 0-15 e 0-100 cm.

O estoque de C acumulado do SPD (20 anos) variou em média de 34,9 (±1,8) Mg ha-1 na camada de 0-15 cm a 143,3 (±1,8) Mg ha-1 na camada de 0-100 cm. Após 20 anos de SPD, a recuperação do estoque de C em relação ao CN foi de 122, 84, 79, 79, 82 e 84% para as camadas de 0-5, 5-15, 15-30, 30-45, 45-60 e 60-100 cm.

Enquanto que após 33 anos de SPD a recuperação foi de 125, 89, 80, 84, 83 e 85% para as camadas de 0-5, 5-15, 15-30, 30-45, 45-60 e 60-100 cm. Analisando as camadas acumuladas a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD (20 anos) foi de 97, 89, 86, 85 e 85% para as camadas de 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm.

Enquanto que para o SPD (33 anos) foi de 102, 91, 89, 88 e 87% para as camadas de 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm. No local 4 (Lagoa Vermelha), o estoque de C do SPD variou em média de 19,9 (±2,3) Mg ha-1 na camada de 0-5 cm a 66,2 (±1,1) Mg ha-1 na camada de 60-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 19,9 (±3,2) a 42,7 (±1,8) Mg ha-1, para as camadas de 0-5 e 60-100 cm, respectivamente (Figura 3).

O estoque de C acumulado do SPD variou em média de 49,2 (±6,6) Mg ha-1 na camada de 0-15 cm a 225,4 (±18,2) Mg ha-1 na camada de 0-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 54,6 (±10,5) a 193,4 (±9,2) Mg ha-1, para as camadas de 0-15 e 0-100 cm. Nas camadas de 0-5, 15-30, 0-30 e 0,45 cm de profundidade os estoques de C do SPD e CN foram iguais (Figura 3).

A recuperação do estoque de C em relação ao CN após 25 anos de SPD foi de 100, 84, 98, 125, 129 e 155 % para as camadas de 0-5, 5-15, 15-30, 30-45, 45-60 e 60-100 cm. Analisando as camadas acumuladas a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD foi de 90, 93, 101, 106 e 116 % para as camadas de 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm.

No local 5 (Cruz Alta), o estoque de C do SPD variou em média de 19,5 (±1,3) Mg ha-1 na camada de 0-5 cm a 45,9 (±3,6) Mg ha-1 na camada de 60-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 16,6 a 39,2 Mg ha-1, para as camadas de 0-5 e 60-100 cm, respectivamente (Figura 4). O estoque de C acumulado do SPD variou em média de 42,3 (±1,7) Mg ha-1 na camada de 0-15 cm a 165,0 (±7,7) Mg ha-1 na camada de 0-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 42,9 a 167,3 Mg ha-1, para as camadas de 0-15 e 0-100 cm.

Nas camadas de 0-15, 0,30 e 0-100 cm de profundidade os estoques de C do SPD e CN foram iguais (Figura 4). Considerando o campo nativo como base, a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD foi de 117, 92, 97, 96, 98 e 104 % para as camadas de 0-5, 5-15, 15-30, 30- 45, 45-60 e 60-100 cm. Analisando as camadas acumuladas a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD (20 anos) foi de 98, 96, 93, 93 e 98 % para as camadas de 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm.

No local 6 (Fortaleza dos Valos), o estoque de C do SPD variou em média de 14,7 (±1,6) Mg ha-1 na camada de 0-5 cm a 39,6 (±1,3) Mg ha-1 na camada de 60-100 cm. Para CN, essa variação média foi de 16,6 a 39,2 Mg ha-1, para as camadas de 0-5 e 60-100 cm, respectivamente (Figura 4). O estoque de C acumulado do SPD variou em média de 33,4 (±3,9) Mg ha-1 na camada de 0-15 cm a 133,0 (±10,8) Mg ha-1 na camada de 0-100 cm.

Para CN, essa variação média foi de 42,9 a 167,3 Mg ha-1, para as camadas de 0-15 e 0-100 cm. Nas camadas de 0-5 e 60-100 cm de profundidade os estoques de C do SPD e CN foram iguais (Figura 4).

Após 25 anos de SPD, a recuperação do estoque de C em relação ao CN foi de 88, 71, 67, 69, 77 e 99 % para as camadas de 0-5, 5-15, 15-30, 30-45, 45-60 e 60-100 cm. Analisando as camadas acumuladas a percentagem de recuperação do estoque de C para o SPD foi de 78, 73, 72, 73 e 79 % para as camadas de 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm.

Discussão

No Local 1 (Santa Rosa) as taxas de acumulo de C estão ainda abaixo do campo nativo em todas as camadas. Sá et al. (2014) observaram que o estoque médio de C na camada 0-20 cm diminuiu de 94,9 Mg ha-1 sob CN para 62,9 Mg ha-1 para o preparo convencional (PC) em 1989, e atingiu o valor de 67,8 Mg ha-1 em 2005, uma perda de 29% em mais de 38 anos desde que a conversão do CN em campo cultivado com a utilização de PC.

Esse declínio do estoque de carbono sob PC representou uma taxa de esgotamento de 0,60 e 1,07 Mg C ha-1 ano-1 em 0-20 e 0-40 cm de profundidade, respectivamente.

O declínio no presente estudo poderia ser explicado devido o histórico da área (Tabela 2), que apresenta 22 anos de preparo convencional e 20 anos de SPD com baixa intensidade de culturas (soja/trigo/soja/aveiapreta) manejado com intensificação da soja (3 cultivos de soja/1 cultivo de milho), além de média adição de C (6-8 Mg ha-1 ano-1) de carbono via resíduo.

Esses resultados evidenciam a maior frequência de soja e menor do milho ao longo dos anos e são respaldados por Amado et al. (2006), Sá et al. (2008), Campos et al. (2011) e Ferreira et al. (2012) que afirmaram que quando da ausência e/ou menor frequência da cultura do milho na rotação, o sistema apresenta-se deficitário em C, porque a taxa de acúmulo está diretamente associada a produção de biomassa.

Os mesmos autores encontraram que a cultura de milho quando associada com leguminosas como cultura antecessora aumenta expressivamente o potencial de acúmulo de C.

Qualquer variação climática que reduza as adições de C poderá resultar em balanço negativo. Este fato foi relatado também por Bayer et al. (2011), que verificaram redução de 0,27 Mg ha-1 ano-1 de C quando em monocultura de soja, que foi a realidade por algum tempo do local 1 aqui estudado.

Em Manoel Viana (Local 2) , o uso do sistema conservacionista recuperou integralmente o estoque de C na superfície do solo (0-5 cm) em relação ao CN. Isso provavelmente ocorreu porque esses solos (Neossolo Quartzarênico) apresentam maiores taxas de decomposição da MOS, além de serem mais afetados pelas práticas de manejo do solo em comparação aos solos argilosos (Bayer et al. 2011).

Nas demais camadas o estoque de C foi inferior ao CN, podendo ser explicado devido o histórico da área (Tabela 2), que apresenta 17 anos de PC e 23 anos de SPD com média intensidade de culturas (trigo/ soja/aveia + nabo-forrageiro/soja) manejado com intensificação da soja (2 cultivos de soja/1 cultivo de milho), além de baixa adição de C via resíduo (6-8 Mg ha-1 ano-1).

No Local 3 (Palmeira das Missões o SPD (20 e 33 anos) foi capaz de recuperar integralmente o estoque de C do CN na camada superficial (0-5 cm) e que o SPD de 33 anos foi além superando o CN até a camada de 0-15 cm.

Esse incremento de 2,6 Mg ha-1 de C na camada de 0-5 cm para o SPD de 20 anos e de 3,1 e 0,6 Mg ha-1 de C na camada de 0-5 e 0-15 cm para o SPD de 33 anos pode ser explicado devido o histórico da área (Tabela 2), que apresenta uma intensidade alta de culturas (milho/nabo-forrageiro/trigo/soja/aveia preta) manejado sob SPD, além de elevada adição de C de carbono via resíduo (10-12 Mg ha-1 ano-1).

Analisando a porcentagem de armazenamento de C nas camadas profundas do SPD (33 anos) podemos dizer que aproximadamente 76 % do estoque de C se concentrou na camada de 15-100 cm e 59% na camada de 30-100 cm. Dados estes respaldados por Dick et al.

(2013) que encontrou mais de 70 % do C do solo sob clima subtropical armazenado na camada de 20-100 cm de profundidade.

No Local 4 (Lagoa Vermelha), observamos uma recuperação de C de 90,1 e 93,6 % para as camada de 0-15 e 0-30 cm de profundidade. Durante a condução deste trabalho observou-se a estratégia do produtor dessa área (Sr. Arnaldo Trein), que utilizou uma alta intensidade de culturas (soja/nabo-forrageiro+aveiapreta/milho/trigo) aumentando o aprofundamento do sistema radicular da soja em sua lavoura de SPD e ainda quando a soja encontrava-se em fase de queda de folhas, o nabo forrageiro era sobressemeado, neste caso com aviação agrícola, de maneira que quando a soja completava o seu ciclo, o nabo já se encontrava estabelecido.

Posteriormente, a próxima cultura da soja encontrou bioporos das anteriores raízes do nabo apresentando um desenvolvimento radicular satisfatório. Neste caso, além dos bioporos representarem um caminho preferencial ao desenvolvimento das raízes de soja, deve-se considerar também que os exsudatos das raízes de nabo criaram condições químicas do solo favoráveis ao crescimento das raízes da leguminosa (Amado et al., 2007).

Os bioporos formados pelas raízes do nabo têm alta estabilidade e, após a sua decomposição, atuam como canais preferenciais para a infiltração da água no solo (Willians & Weil, 2004).

Os resultados experimentais disponíveis evidenciam a importância da utilização de espécies com sistema radicular bem desenvolvido, visando o incremento de C em profundidade. Wright et al. (2007) e Boddey et al. (2010), sugeriram que a translocação de compostos de C solúvel pode ser um importante mecanismo de redistribuição do C no perfil do solo, oriundo da adição superficial de resíduos vegetais em sistemas conservacionistas.

No Local 5 (Cruz Alta) houve incremento de 2,8 e 6,6 Mg ha-1 de C nas camadas de 0-5 e 60-100 cm após 25 anos de SPD. A exemplo do Local 4, observamos que a área apresentava uma intensidade alta de culturas (Aveia + ervilhaca/soja/milho/ nabo forrageiro/trigo) manejada sob SPD, além de elevada adição de C de carbono via resíduo (10-12 Mg ha-1 ano-1).

No Local 6 (Fortaleza dos Valos) observamos uma recuperação de C de 88,5; 77,9; 73,4; 72,1; 73,0 e 79,5 % para as camadas de 0-5, 0-15, 0-30, 0-45, 0-60 e 0-100 cm de profundidade.

De uma forma geral, as áreas pioneiras sob sistema de SPD no Rio Grande do Sul que foram e estão sendo manejadas segundo os princípios básicos do SPD (mínima mobilização de solo, manutenção dos restos culturais na superfície do solo, diversificação de espécies via rotação, cobertura vegetal permanente do solo e aporte de material orgânico ao solo pelas espécies cultivadas em quantidade, qualidade e frequência), foram capazes de recuperar parcialmente ou totalmente o estoque de carbono do solo, se aproximando da estabilidade do CN.

Essa recuperação do estoque original variou de 60,6 a 116,5 %, porém, considerando as áreas com elevada diversificação de culturas e aporte de resíduos culturais, observou-se uma taxa de recuperação de 79,5 a 116,5% para camada de 0-100 cm.

Considerações finais

As áreas pioneiras sob sistema de plantio direto no Rio Grande do Sul em fase de manutenção (> 20 anos) que foram e estão sendo manejadas segundo os princípios básicos do sistema plantio direto foram capazes de recuperar parcialmente ou totalmente o estoque de carbono do solo em relação ao campo nativo.

Essa recuperação do estoque original variou de 79,5 a 116,5%, considerando as áreas com elevada diversificação de culturas e aporte de resíduos culturais para camada de 0-100 cm.

O estoque de carbono superficial (0-5 cm) foi recuperado integralmente nos locais Local 2 (Manoel Viana), Local 3 (Palmeira das Missões), Local 4 (Lagoa Vermelha) e Local 5 (Cruz Alta), sendo essa recuperação de 144% para o Neossolo Quartzarênico e variando de 100 a 122 % para os Latossolos argilosos.

Houve incremento no estoque de carbono em profundidade nos locais de Lagoa Vermelha e Cruz Alta em relação ao campo nativo, que pode ser explicado pelas mais baixas temperaturas médias anuais, altitudes altas, elevada precipitação anual e intensidade e diversificação de cultivos.

Referências

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