Resistência de plantas daninhas a herbicidas pode ser definida como a capacidade de determinadas plantas daninhas sobreviverem à aplicação de um herbicida específico, ao qual a mesma população era susceptível. Este processo ocorre devido a evolução destas plantas, a adaptação das mesmas às mudanças do ambiente e ao uso das diferentes tecnologias agrícolas. Na prática, o surgimento da resistência ocorre pela seleção de biótipos resistentes já existentes nas áreas de produção, principalmente pelas aplicações continuadas de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação.
Os primeiros casos de resistência de plantas daninhas a herbicidas no mundo ocorreram no ano de 1952, referentes a um biótipo de Commelina difusa nos Estados Unidos e a um biótipo de Daucus carota no Canadá, ambos resistentes ao 2,4-D. A partir de então, houve uma evolução gradativa do surgimento de novos casos de resistência, principalmente a partir da década de 80, atingindo atualmente o total de 459 biótipos resistentes a pelo menos um mecanismo de ação no mundo, englobando 246 espécies, em 66 diferentes países. Apenas neste ano de 2015, até o mês de julho, foram relatados 52 novos casos de resistência. Os casos e a distribuição por mecanismo de ação podem ser vistos no Quadro 1.
No Brasil, o primeiro caso de resistência foi confirmado em 1993, de Bidens pilosa aos herbicidas inibidores da enzima acetolactato sintase (ALS), em lavoura de soja no Mato Grosso do Sul. A partir de então, assim como aconteceu em outros países, houve um aumento expressivo das áreas e dos casos de resistência, principalmente a este grupo de herbicidas inibidores da ALS, especialmente de populações de Euphorbia heterophylla na região Sul e Sudeste do país e de Bidens sp. na região do cerrado.
Ainda nessa época no país, foram relatados os primeiros casos de gramíneas resistentes aos inibidores da enzima acetil coenzima A carboxilase (ACCase), como os casos de Digitaria horizontalis e de Brachiaria plantaginea. Atualmente existe a confirmação de 34 casos de plantas daninhas resistentes no Brasil (tabela 1). Deste total, 26 são referentes a resistência isolada ou cruzada, onde o grupo dos herbicidas inibidores da ALS, com quatorze casos, é o responsável pelo maior número destes relatos no país.
Os outros oito casos se referem a resistência múltipla, isto é, plantas daninhas resistentes a mais de um mecanismo de ação. Dentro deste cenário, um destes mecanismos de ação tem chamado a atenção, tanto pelo aumento de biótipos resistentes a este mecanismo, como pela importância do herbicida deste grupo para agricultura mundial, principalmente para a cultura da soja. O mecanismo de ação é a inibição da enzima 5-enolpiruvilshiquimato-3-fosfato sintase (EPSPs) e o herbicida é o glifosato.
Nos últimos anos o glifosato se tornou o agroquímico mais utilizado no mundo e o principal herbicida dos sistemas de produção de soja, basicamente por três razões. A primeira foi o aumento do cultivo da oleaginosa em plantio direto, onde o controle das plantas daninhas antes da semeadura é realizado através da aplicação de herbicidas, normalmente não seletivos, na operação denominada de dessecação ou manejo, sendo o glifosato o principal deles. A segunda foi a queda da patente do produto, com a entrada dos produtos genéricos no mercado agrícola, contendo o ingrediente ativo glifosato.
A terceira foi o surgimento da soja geneticamente modificada para resistência ao glifosato, denominada Roundup Ready (RR), que proporciona a utilização desse herbicida na pós-emergência da cultura, que sem dúvida, foi a tecnologia que resultou nas maiores modificações do manejo das plantas daninhas no sistema de produção de grãos nestes anos recentes. A alta frequência de utilização do glifosato na agricultura mundial tem provocado uma forte pressão de seleção de biótipos de plantas daninhas resistentes a este herbicida, que já estão naturalmente presentes na área, mas em baixa frequência.
Já foram relatados 244 casos de resistência ao glifosato no mundo, abrangendo 32 diferentes espécies, sendo dezesseis monocotiledôneas e dezesseis dicotiledôneas. Do total destes casos, 76% se referem a resistência isolada ao herbicida e 24% a resistência múltipla, sendo 19% a dois mecanismos de ação, 2% a três mecanismos de ação, 2,5% a quatro mecanismos de ação e 0,5% a cinco mecanismos de ação. No Brasil, já foram relatadas seis diferentes espécies resistentes ao glifosato.
O primeiro caso foi observado em biótipo de azevém (Lolium multiflorum) no Rio Grande do Sul, em 2003, antes, portanto, da liberação oficial do cultivo da soja RR no país, que ocorreu na safra 2005/06. Desde então, a população de azevém resistente ao glifosato se disseminou para grande parte da região produtora de grãos dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e para a região centro-sul do Paraná, além das áreas de pomares e pastagens no sul do Brasil. Além disso, já foram relatados casos de resistência do azevém aos inibidores da ALS e de resistência múltipla ao glifosato e aos inibidores da ACCase, o que tem dificultado e tornado mais oneroso o manejo desta espécie.
Com a expansão do cultivo da soja RR no Brasil, que na safra passada foi superior a 92% da área total da cultura, ocorreu também no nosso país, uma alta frequência de utilização do glifosato, com grande pressão de seleção deste herbicida na flora daninha, resultando no surgimento e na disseminação de outras espécies resistentes a esse herbicida, como foi o caso da buva, representada por três espécies já confirmadas como resistentes ao herbicida, Conyza bonariensis, Conyza canadensis e Conyza sumatrensis.
As primeiras populações de buva resistente ao glifosato foram observadas em 2005, também no Rio Grande do Sul, assim como o azevém. Como esta planta daninha possui características morfológicas que facilitam a sua dispersão, como alta produção de sementes, que são pequenas e com aquênios pilosos, a sua disseminação para outras regiões no país ocorreu muito rapidamente. Atualmente é possível encontrar infestações de buva em praticamente todas as regiões produtoras de soja no Brasil, com maior concentração no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Em 2012 foi relatado o primeiro caso de resistência múltipla de buva (Conyza sumatrensis) ao glifosato e aos inibidores da ALS.
No oeste do Paraná, mais precisamente no município de Guaíra, foi observado no ano de 2008, o primeiro caso de resistência de Digitaria insularis (capim-amargoso) ao glifosato. Diferentemente da buva, a disseminação das populações resistentes de capim-amargoso ocorreu de maneira mais gradual, com menor expansão em área, principalmente até 2012, onde as infestações se restringiam aos estados do Paraná, São Paulo e parte do Mato Grosso do Sul. No entanto, nas três ultimas safras, foi observada uma grande expansão das áreas com a presença de capimamargoso no Brasil, onde hoje é possível encontrar esta invasora nas regiões de clima mais quente onde é cultivada a soja, que vai do Paraná até locais de recente exploração da cultura, como o oeste baiano.
A sexta espécie relatada como resistente ao glifosato no país foi o capim-branco ou capim-de-rhodes, Chloris elata, cuja resistência foi observada em duas populações da espécie, sendo uma em área de grãos no Paraná e outra em área de citrus, no estado de São Paulo. Recentemente, uma importantíssima notícia relacionada a área da de plantas daninhas foi divulgada no Brasil. Em junho deste ano, o Instituto Matogrossense do Algodão – IMAmt, comunicou em sua circular técnica n° 19 (http://www.imamt.com. br/system/anexos/arquivos/294/ original/circular_tecnica_edicao19_ bx_ok.pdf?1434631723) o primeiro Chloris infestando a cultura de citrus. relato da presença de Amaranthus palmeri no país.
Essa informação é realmente relevante para agricultura brasileira, pois trata-se de uma das principais e mais nocivas plantas daninhas do mundo, sendo importante invasora dos sistemas de produção agrícola dos Estados Unidos, especialmente das culturas de algodão e soja, e que já havia sido relatada em áreas de produção de grãos da Argentina. Este cenário atual da situação das plantas daninhas na agricultura brasileira, especialmente do aumento e disseminação das populações resistentes a herbicidas, reforça a necessidade que os sistemas de controle a serem adotados pelos agricultores sejam norteados pelos princípios do Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD), que resumidamente são a seleção e a integração de métodos de controle e o conjunto de critérios para a sua utilização, com resultados favoráveis dos pontos de vista agronômico, econômico, ecológico e social. Dentro destes princípios podemos destacar quatro áreas estratégicas de conhecimento e execução:
1. Biologia e ecologia das plantas daninhas;
2. Relações de interferência entre as plantas daninhas e a cultura;
3. Amostragem e parâmetros de controle;
4. Eficácia na seleção e no uso dos métodos de controle, balanceando a importância de cada um dentro do planejamento de manejo na propriedade.
Especificamente em relação aos métodos de controle, o principal fator para se evitar o aparecimento ou disseminação de plantas daninhas resistentes é planejar o controle químico com a utilização de herbicidas de diferentes mecanismos de ação. Além disso, outras práticas devem compor o planejamento do manejo da resistência, como:
O Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD) sempre foi a melhor solução para o controle das infestantes e com o surgimento das espécies resistentes, estará cada vez ainda mais em evidência. Por isso, em qualquer cenário de matoinfestação, o controle de plantas daninhas deve ser norteado pelos conceitos básicos MIPD e sempre gerenciado por um Engenheiro Agrônomo responsável pela atividade.