A biotecnologia vem contribuindo para o desenvolvimento da agricultura atual através das plantas geneticamente modificadas originadas dos avanços do conhecimento sobre o DNA (ácido desoxirribonucleico) a partir dos achados do bioquímico alemão Johann Friedrich Miescher em 1869, do pesquisador russo Andrei Nicolaevitch Belozersky e dos cientistas James Watson e Francis Crick, responsáveis pela identificação da molécula, seu isolamento e descrição da dupla hélice, respectivamente, que resultou na obtenção do DNA recombinante.
Com essa técnica, o isolamento e a transferência de pedaços de gene de um organismo para outro deram início a modificação genética de organismos, gerando os organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgênicos (Figura 1). Na agricultura atual a revolução genica pode ser considerada a partir do desenvolvimento da primeira planta geneticamente modificada (GM) para a alimentação humana, que obteve autorização para comercialização em 1994, um tomate de maturação prolongada, FlavrSavr, desenvolvido pela empresa Calgene, que apresentava alterações metabólicas para desacelerar o processo de amadurecimento, impedindo, assim, o amolecimento dos frutos, sem que a cor e o sabor fossem alterados.
No mesmo ano a mesma empresa desenvolveu a canola com concentração aumentada de ácido láurico. Já a primeira soja transgênica introduzida no mercado deu-se no ano de 1995, pela Monsanto, com tolerância ao herbicida glifosato. No Brasil foi editada a Medida Provisória nº 131, em 26 de setembro de 2003, que passou a regulamentar o plantio de organismos geneticamente modificados (transgênicos) em escala comercial no país. No Congresso Nacional, a MP nº. 131 não sofreu mudanças significativas, convertendo-se na lei nº. 10.184, de 15 de dezembro de 2003. Na safra 2005/2006, a comercialização da soja “Roundup Ready” (soja RR), com tolerância ao herbicida glifosato, passou a ser normatizada no país, embora existam relatos de plantio de soja tolerante a este herbicida datada no final dos anos 1990.
Para a cultura do milho, as primeiras liberações comerciais transgênicas ocorreram em 2007, com duas cultivares resistentes a insetos da ordem lepidóptera e um cultivar tolerante ao herbicida glufosinato de amônio. Atualmente, vinte e nove eventos em milho, seis em soja, doze em algodão, um em feijão e um em eucalipto estão liberados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio (Figura 2 e Tabela 1) para serem comercializados, sendo que destes, vinte e cinco apresentam estaqueamento relativos à Resistência a Insetos e Tolerância a Herbicidas (Tabela 1), equivalente a 52% dos eventos liberados.
Salienta-se que a liberação dos OGMs no Brasil passa pela deliberação na Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), onde os aspectos relacionados a biossegurança são analisados, assessorando o Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos organismos geneticamente modificados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivados.
Na CTNBio já foram deliberados sobre a comercialização de vários organismos geneticamente modificados (Figura 3), sendo que a maioria das deliberações dizem respeito as culturas do milho, vacinas e algodão. Contudo, consta ainda na pauta da CTNBio várias liberações planejadas no ambiente para as culturas do milho, soja, cana-de-açúcar e algodão (Figura 4). De acordo com o Registro Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura Pecuária e AbasteciFigura 3.
Pauta de deliberações comerciais da Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio). mento existe até 2015 um total de 32.264 cultivares registrados, dos quais 6.285 são cultivares geneticamente modificados, representando na cultura da soja 59%, para o milho 38% e para o algodão 28% (Figura 5). Segundo o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologias (International Service for the Acquisition of AgriBiotech Applications-ISAAA), entidade sem fins lucrativos, mais de 181,5 milhões de hectares foram plantados com culturas geneticamente modificadas em 2014, sendo observado um aumento continuo na área plantada, ao redor de 100 vezes em um período de 19 anos.
Em 2014, vinte e oito países utilizavam culturas geneticamente modificadas sendo que os países em desenvolvimento (Brasil, Argentina, Índia, China, Paraguai, África do Sul, Paquistão, Uruguai, Bolívia, Filipinas, Republica da União de Myanmar, México, Colômbia, Burquina Faso, Sudão, Chile, Honduras, Cuba, Costa Rica e República Popular do Bangladeche) plantaram mais de 96 milhões de hectares, enquanto os países desenvolvidos ou industrializados (Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Espanha, Portugal, República Checa, Eslováquia e Romênia) plantaram apenas 87 milhões de hectares.
Dos 1,5 bilhões de hectares plantados no mundo, 12,1% foram com culturas geneticamente modificadas, sendo estas cultivadas por 18 milhões de produtores (ISAAA, 2015). Mundialmente já estão liberados e comercializados, em pelo menos um país, vários eventos, dentre os quais o milho se destaca por ser a cultura que mais apresenta eventos inseridos (Figura 6). No mesmo ano, cultivares GM foram plantadas no Brasil em mais de 40 milhões de hectares, sendo principalmente cultivadas nos estados do Mato Grosso (11,03 milhões), Paraná (6,86 milhões), Rio Grande do Sul (5,66 milhões), Goiás (4,05 milhões), Mato Grosso do Sul (3,43 milhões), Minas Gerais (2,32 milhões) e Bahia (2,00 milhões).
A detenção dos cultivares modificados encontram-se distribuídos principalmente em quatro companhias sendo elas: Monsanto do Brasil Ltda, Dupont do Brasil AS – Divisão Pionner Sementes, Dow Agroscience Sementes & Biotecnologia Brasil Ltda e Syngenta Seeds Ltda (Figura 7). Com a introdução das cultivares geneticamente modificadas, os sistemas de produção têm modificado, ficando estes mais complexos em função dos mais de 40 eventos disponíveis no mercado nacional (Figura 8 e Tabela 1).
Apesar da evolução agrícola promovida pelas cultivares transgênicas, devemos ter em mente que sem o avanço do melhoramento genético no Brasil, nos últimos vinte anos, nada teria acontecido e de nada adiantaria o processo da transgenia que atualmente vem ocorrendo de maneira definitiva e acelerada nas cultivares modernas. Nas últimas safras o Brasil apresentou novos patamares de produtividade, só antes alcançado por países desenvolvidos e detentores de alta tecnologia, a exemplo dos Estados Unidos.
No Brasil é comum encontrarmos, nos dias atuais, produtores de milho com médias de produtividade variando de 10.000 kg ha-1 a 12.000 kg ha-1, havendo áreas com patamares de até 15.000 kg ha-1, enquanto na soja as produtividades têm alcançado patamares superiores a 7.000 kg ha-1. Salienta-se ainda que: o uso inadequado das cultivares geneticamente modificadas tem contribuído para uma maior presença de plantas tigueras, também conhecidas como plantas voluntárias, nas lavouras visto que, o gene de tolerância a herbicidas incorporado no cultivar da cultura antecessora tem sido usado também na cultura de sucessão, o que tem de forma constante tem dificultado o manejo destas voluntárias.
Ressalta-se que o aparecimento das plantas tigueras não é devido as cultivares OGMs, mas sim ao uso inadequado da tecnologia, visto que a presença destas plantas pode ocorrer, independente dos sistemas de produção ser com cultivares convencionais ou transgênicas, sempre que o produtor tiver trabalhando em sistemas de produção com rotação e/ ou sucessão de culturas. Mundialmente ainda pesquisas são voltadas a inserção de diferentes genes nas plantas para indução de diversas características agronômicas dentre as quais podem ser citadas a tolerância a estresse abióticos como a tolerância a seca, a mudança na taxa de crescimento e desenvolvimento, a resistência a doenças, a modificação na qualidade do produto e ao sistema de controle de polinização.
Observa-se que a dificuldade em se encontrar novas moléculas de herbicidas tem estimulado a incorporação de genes de tolerância a produtos de amplo espectro que já estão no mercado. Nos próximos anos, inúmeros programas deverão ser disponibilizados no Brasil, como por exemplo a soja tolerante ao dicamba que está em análise, e materiais tolerantes ao herbicida 2,4D para as culturas da soja e milho os quais já foram deliberadas pela CTNBio para comercialização.
Com isso, além da soja e milho RR, novas alternativas como a soja Cultivance, a soja Liberty Link e a soja e o milho Enlist estarão disponíveis no mercado ficando os sistemas de produção mais complexos o que exigira a necessidade de um planejamento mais preciso e adequado, visando a redução dos problemas de uso inadequado das tecnologias disponíveis. Importante destacar que não é possível confrontar as tecnologias e estabelecer vantagem comparativa para uma delas, já que todas possuem vantagens e desvantagens e serão úteis nos diferentes sistemas de cultivo existentes no Brasil.
Vale destacar que as tecnologias deverão ser adotadas de forma alternada para minimizar as probabilidades de surgimento de plantas daninhas resistentes. Nesse contexto, todas as tecnologias serão importantes e caberá ao produtor, com apoio do Engenheiro Agrônomo, estabelecer quais e como as tecnologias deverão ser usadas.
Referências
COSTA, J. M.; KARAM, D. Plantas tigueras em cultivares de soja e milho (verão e safrinha) resistentes a herbicidas. In: PATERNIANI, M. E. A. G. Z.; DUARTE, A. P.; TSUNECHIRO, A. (Ed.). Diversidade e inovações na cadeia produtiva de milho e sorgo na era dos transgênicos. Campinas: Instituto Agronômico; Sete Lagoas: Associação Brasileira de Milho e Sorgo, 2012. cap. 25, p. 387-398.
ISAAA. International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications. Disponível em Acesso em: 28 de julho de 2015.
MAPA – Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Disponível em: . Acesso em: 28 de julho de 2015.