Lagartas da soja: das lições do passado ao manejo do futuro


Autores: Jerson Vanderlei Carús Guedes, Clérison Régis Perini, Regis Felipe Stacke, Luis Eduardo Curioletti, Jonas André Arnemann, Vinicius Paim Alende
Publicado em: 31/12/2014

1 Introdução

O conjunto de lagartas da soja é um importante grupo de pragas, que consomem principalmente as folhas, reduzindo a área foliar da leguminosa, desde a sua emergência até enquanto houver folhas, além de cortarem plantas e atacarem órgãos reprodutivos.

Este conjunto de lagartas é extremamente dinâmico em suas características morfológicas, biológicas e especialmente, comportamentais, bem como em sua resposta às práticas de manejo.

Estas respostas permitem uma dinâmica espacial da ocorrência nas áreas, temporal ao longo do ciclo da cultura da soja e, especialmente em resposta às estratégias de controle. Desse modo, ao longo das décadas, a composição da fauna de lagartas está em contínua alteração, modificando a proporção das espécies predominantes e em consequência moldando as estratégias para reduzir os riscos de sua ocorrência.

A cultura da soja apresentou importante ampliação em área, regiões e épocas de cultivo no Brasil, que somado os países vizinhos perfaz mais de 50 milhões de hectares no Cone Sul da América, criando condições favoráveis ao desenvolvimento e ao intercâmbio de pragas.

De outro lado, mudanças no sistema de cultivo, tais como, o uso de cultivares de ciclo mais curto, hábito de crescimento indeterminado, menores Índices de Área Foliar (IAFs), período reprodutivo mais longo, pioraram este cenário. Depois, com a entrada da soja RR, tolerante ao glifosato, permitiu lavouras mais “limpas” e homogêneas, e da entrada da ferrugem asiática da soja, consolidou-se a ampliação do uso de agrotóxicos, que contribuíram para criar um calendário de pulverizações para plantas daninhas e para as doenças da soja.

Estas pulverizações “submeteram” as aplicações visando o controle de insetos a estas datas/calendário, independente das necessidades de controle, desfocando o controle do alvo (pragas) e contribuindo para o abandono do correto manejo de pragas.

Mais recentemente a entrada de Helicoverpa armigera no Brasil, agravou os riscos de danos à cultura, desfocando, nesse caso, do controle das lagartas-falsas-medideiras, que ampliaram muito o seu domínio numérico e importância na cultura da soja.

Estas condições, sem dúvida contribuíram para interferir na dinâmica de ocorrência das lagartas da soja, já mencionada por Guedes et al. (2011) que apontavam uma “nova dinâmica na ocorrência de lagartas-da-soja e, portanto, impera a necessidade de mudanças no manejo dessas pragas e a redução dos riscos de danos”.

2 Aspectos morfológicos e biológicos das lagartas da soja

O conhecimento das características morfológicas e biológicas das lagartas é o primeiro passo para separação das espécies hospedadas pela soja e a adequação do manejo a cada espécie-praga.

A morfologia das espécies é diversa, permitindo a sua identificação; e as características biológicas refletem a capacidade reprodutiva, embora variem de acordo com as condições em que foram conduzidos os experimentos (diferentes autores), além de dependerem do substrato de criação (dieta artificial, soja ou outro hospedeiro) e das características das próprias populações avaliadas.

2.1Lagarta-da-soja

Anticarsia gemmatalis

As mariposas medem 40 mm de envergadura e possuem coloração amarelada, marrom e pardo acinzentada, até quase preta. As asas anteriores apresentam uma linha escura, que as divide no sentido transversal e que continua nas asas posteriores. A fêmea faz a postura isoladamente na face inferior das folhas, depositando ovos de cor branca ou verde.

As lagartas pequenas, nos dois primeiros ínstares, aparentam apenas duas falsas pernas e podem ser confundidas com as falsas-medideiras. Nessa fase a lagarta-da-soja tece um fio de seda, que auxilia sua locomoção na planta (estádio de “fio”).

Quando completamente desenvolvidas, medem de 30 a 40 mm e apresentam coloração geralmente verde, mas quando em alta população na área, pode apresentar uma coloração preta, com faixas longitudinais esbranquiçadas e quatro pares de falsas pernas no abdome, além de um par anal.

São muito ativas quando tocadas e caem facilmente da planta para o solo. A transformação em pupa ocorre no solo, à pequena profundidade. As pupas possuem coloração marrom.

2.2 Lagartas falsa-medideiras

Ocorrem várias espécies de lagartas-falsa-medideiras na soja, entretanto três são mais importantes no Brasil: Rachiplusia nu, Trichoplusia ni e Chrysodeixis includens, que é a espécie de maior ocorrência e mais importante economicamente para a cultura.

Chrysodeixis includens

As mariposas medem 35 mm de envergadura e possuem coloração geral acinzentada, com reflexos dourados. Nas asas anteriores apresentam duas manchas prateadas e as asas posteriores são de coloração marrom-claro a cinza.

A fêmea faz postura isoladamente, nas folhas ou em outras partes tenras das plantas, depositando ovos de cor verde. As lagartas desenvolvidas medem de 30 a 35 mm, apresentam coloração verde com faixas longitudinais esbranquiçadas e dois pares de falsas pernas, além de um par anal; apresentam movimento característico, formando ao se locomoverem, um arco com o corpo (mede-palmo).

Quando perturbadas, erguem a porção anterior do corpo e permanecem eretas. A lagarta tece um casulo de seda nas folhas de soja, dobrando-as, onde passa a fase de pupa que apresenta cor de verdeclaro evoluindo para marrom.

Rachiplusia nu

As mariposa medem 30 mm de envergadura, coloração geral acinzentada e opaca. Apresentam nas asas anteriores uma mancha prateada, em forma de “Y” e as asas posteriores de coloração amarela com o bordo externo marrom-escuro.

A fêmea faz postura isoladamente nas folhas, depositando ovos de cor branco-amarelada. As lagartas desenvolvidas medem de 25 a 30 mm, apresentam coloração verde com faixas longitudinais esbranquiçadas.

Podem apresentar pontuações pretas e possuem dois pares de falsas pernas, além de um par anal. A fase de pupa se passa em casulos de seda que as lagartas tecem sob as folhas de soja. As pupas assumem coloração que vai de verde-claro ao marrom.

Trichoplusia ni

As mariposas medem de 25 a 30 mm de envergadura, possuem coloração marrom mosqueado, sem brilho cúpreo. Apresentam nas asas anteriores uma mancha brancoprateada e nas asas posteriores coloração marrom-clara.

A fêmea faz a postura isoladamente nas folhas, depositando ovos de cor brancoamarelada. As lagartas desenvolvidas medem de 25 a 30 mm, apresentam coloração verde com faixas longitudinais esbranquiçadas e possuem dois pares de falsas pernas, além de um par anal.

A lagarta tece um casulo de seda nas folhas de soja, dobrando-as, onde passa a fase de pupa, cuja coloração é verde-claro a marrom.

2.3 Lagartas-pretas

Spodoptera cosmioides

As mariposas medem 40 mm de envergadura e possuem coloração de tons que variam de cinza ao marrom. Apresentam nas asas anteriores coloração cinza-clara, mosqueadas longitudinalmente por riscos brancos, margeadas por uma franja.

As asas posteriores são de cor branco-pérola com franja. A fêmea faz a postura sobre as folhas em 2 a 3 camadas, sendo a última recoberta por escamas do seu abdome. As massas de ovos são irregulares de coloração verde, tornando-se marrons antes da eclosão. A coloração das lagartas pequenas tende ao marrom, passando a preta com três listras alaranjadas, uma dorsal e duas laterais, com pontuações brancas.

Quando completamente desenvolvidas medem 35 a 40 mm, são de cor preta brilhante, com 16 pontuações douradas no dorso, sobre duas linhas longitudinais, de cor laranja. Apresentam uma faixa mais escura entre o terceiro par de pernas torácicas e o primeiro par de falsas pernas abdominais. A transformação em pupa ocorre no solo e apresentam de coloração marrom.

Spodoptera eridania

As mariposas medem 40 mm de envergadura e possuem coloração cinza-escura. Apresentam nas asas anteriores uma mancha preta na parte central e as asas posteriores são de cor branca. A fêmea faz a postura sob a folha em 2 a 3 camadas, sendo a última recoberta por escamas do abdome das mariposas. As massas de ovos são irregulares de coloração verde, tornando-se marrons antes da eclosão.

As lagartas pequenas são verdes, permanecem com tom esverdeado durante todo o seu desenvolvimento. Apresentam quatro pontos escuros sobre o dorso na parte mediana do corpo.

Completamente desenvolvidas medem 35 mm a 50 mm, possuem três listras longitudinais amareladas e, cerca de 20 triângulos pretos, na parte dorsal do corpo. A transformação em pupa ocorre no solo, e as pupas são de coloração marrom-escura.

Spodoptera frugiperda

As mariposas medem 35 mm de envergadura e possuem coloração cinza-escura. Apresentam asas anteriores mosqueadas e asas posteriores branco-translúcidas, com borda cinza.

A fêmea faz a postura sob a folha em 2 a 3 camadas, sendo a última recoberta por escamas do abdome das mariposas. As massas de ovos são irregulares de coloração verde, tornando-se marrons antes da eclosão.

As lagartas pequenas são verdeclaras com pelos pretos. As lagartas completamente desenvolvidas medem 35 mm a 40 mm, apresentam coloração esverdeada a pardo-escura, com uma linha mediana longitudinal, cor marrom-clara, entre duas linhas laterais de cor mais clara e cápsula cefálica com sutura em forma de “Y” invertido. A transformação em pupa ocorre no solo, e as pupas são de coloração marrom.

2.4 Lagarta-das-maçãs

Heliothis virescens

As mariposas medem de 25 a 35 mm e possuem coloração esverdeada. Apresentam asas anteriores verde-amarelada com três faixas marrons oblíquas e asas posteriores mais claras.

A fêmea faz a postura nas folhas, depositando ovos de cor branca ou creme. As lagartas pequenas possuem cor verde-clara com tons avermelhados e quando completamente desenvolvidas medem 25 a 35 mm. Apresentam coloração verde a amarelada, e algumas pintas escuras com micro espinhos no dorso. A transformação em pupa ocorre no solo sendo esta de coloração marrom.

2.5 Lagarta-helicoverpa

Helicoverpa armigera

As mariposas medem de 35 a 40 mm de envergadura. Possuem coloração cinza-amarelada com um ponto escuro no centro das asas anteriores e as asas posteriores são de coloração esbranquiçada com uma faixa escura distal. A fêmea faz postura isoladamente perto dos brotos, flores, folhas ou em outras partes tenras das plantas.

As lagartas desenvolvidas medem de 30 a 35 mm e apresentam coloração muito variada, podendo ser encontradas nas cores verde, marrom, cinza, preto e até um mesclado de cinza e preto. Apresentam duas faixas longitudinais laterais bem demarcadas de coloração branca, e ao longo do corpo apresentam diversas linhas longitudinais esbranquiçadas, além de pêlos pretos dispersos por todo o corpo com uma base arredondada escura (tubérculos).

Possuem 4 pares de falsas pernas, além de um par anal. As lagartas apresentam um movimento característico quando incomodadas, levantando a parte anterior do corpo e recurvando a cabeça para baixo na direção do próprio corpo. A fase de pupa ocorre no solo, onde se aloja até completar seu desenvolvimento. 2.6

Lagarta-enroladeira

Omiodes indicata

As mariposas medem 20 a 23 mm e possuem coloração amarelada. Apresentam nas asas anteriores três faixas transversais de coloração escura e asas posteriores esbranquiçadas.

A fêmea faz a postura nas folhas, sendo os ovos de cor amareloesverdeado. As lagartas pequenas são de cor verde-claro tendendo ao amarelo. As lagartas completamente desenvolvidas medem de 12 a 20 mm e sua coloração é verde. Passam a fase de pupa em casulos de seda nas folhas.

3 Aspectos biológicos e injúrias das lagartas da soja

Entre as espécies de lagartas citadas,a fase de lagarta varia entre 9 a até 35 dias, dependendo da espécie e das condições em que são submetidas (Tabela 1). De forma similar, o ciclo completo das lagartas varia de 21 a 68 dias, dependendo das espécies e das condições em que foram avaliados os estudos. Também é muito variável a capacidade de oviposição das espécies.

Estes aspectos isoladamente pouco significam, entretanto, os lepidópteros de ciclo curto e grande capacidade reprodutiva podem resultar em pragas importantes para a soja, mesmo considerando-se que há uma infinidade de outros fatores envolvidos nesta condição.

As lagartas desfolhadoras causam danos diretos à soja, ao consumirem folhas, nervuras, pecíolos e até ramos laterais, em desfolhamentos mais severos. Dentre estas lagartas há espécies que alternam o comportamento desfolhador, passando às estruturas reprodutivas, como flores e legumes.

A capacidade de desfolhamento ou danos às estruturas reprodutivas varia com a espécie e com o desenvolvimento das lagartas. Já as injúrias às folhas da soja variam de acordo com a espécie, podendo uma lagarta consumir entre 90 e 181 cm2 de folha, durante o seu desenvolvimento larval.

4 Composição da população de lagartas da soja

A proporção das espécies de lagartas apresenta uma constante variação no espaço e no tempo, para as diversas regiões que cultivam soja, geralmente em resposta as práticas culturais e de manejo fitossanitário.

Nos últimos anos, entretanto, o aumento da população da lagarta-falsa-medideira e a redução da população de A. gemmatalis, é o fato mais importante e impactante no manejo das pragas desfolhadoras da soja.

Entre os anos 1970 e 2010 ocorreram inúmeras mudanças no manejo, com alterações culturais, de variedades e sistemas de cultivo; e/ou fitossanitárias, com a introdução e a alteração do uso inseticidas, herbicidas e fungicidas.

Assim, contribuiu para a modificação da composição das espécies de lagartas na soja e determinando estratégias de manejo que novamente impactam na composição de espécies, do conjunto de lagartas.

Nos anos 1970 e 80 a lagartada-soja era a espécie de maior ocorrência, oscilando entre 70 a 90%, enquanto que a lagarta-falsa-medideira tinha uma participação entre 10 a 30% (Figura 1). Neste período, o número de inimigos naturais que atacavam C. includens era maior do que os que atacavam A. gemmatalis (HEINRICHS e SILVA, 1975) o que pode explicar esta maior ocorrência.

Nesta época também se fazia um pequeno número de pulverizações e havia poucos inseticidas para o controle destas espécies desfolhadoras. Entre os anos 1990 e 2010 ocorreram as principais mudanças fitossanitárias que consequentemente alteraram a dinâmica das espécies de lagartas na soja, com o aumento da ocorrência de C. includens, que era considerada praga secundária devido a ocorrência regionalizada e aos baixos níveis populacionais.

Neste período as proporções de C. includens variaram de 30 a 80%, as de A. gemmatalis de 20 a 49% e, além disso, foram verificadas as primeiras e pequenas ocorrências de Spodoptera spp. em 2009 e 2010 (Figura 1).

Segundo os estudos do LabMIPUFSM, que abrangem amostras de lagartas desfolhadoras de toda a área cultivada com soja do Brasil nos últimos anos, a composição das espécies está totalmente alterada, comparada às décadas anteriores. Ocorreu um crescimento da população de C. includens, chegando a representar 65% do total de lagartas coletadas em soja (Figura 2).

Este crescimento se deu com a redução da população de A. gemmatalis que vem diminuindo sua importância a cada ano. Dentre as possíveis causas para esta alteração, está a maior suscetibilidade da lagarta-da-soja à maioria dos inseticidas, representando atualmente apenas 26% da população (Figura 2).

Além destas espécies, H. armigera, que foi recentemente introduzida no Brasil, com registro de ocorrência na safra 2013/2014, já representa uma média de 2%, com possibilidade de aumentar nas próximas safras, embora seja muito sensível aos inseticidas do grupo das Diamidas e às cultivares de soja Bt.

Estes fatores somados permitem inferir que, tanto A. gemmatalis, quanto H. armigera, vão permanecer dominadas proporcionalmente pela lagarta-falsa-medideira, que vai exigir os maiores recursos para seu controle, seja pelo número ou pela variedade de tratamentos utilizados, como pelo custo destas aplicações na cultura da soja.

5 Comportamento das lagartas da soja

Estudos recentes do LabMIP sobre o comportamento de diferentes espécies de lagartas desfolhadoras da soja, quanto a sua localização na planta e atividade ao longo do dia. Os resultados indicam que as lagartas de A. gemmatalis apresentam distribuição homogênea nos três terços da planta, estando proporcionalmente espalhadas nos terços superior, médio e inferior (Figura 3A).

No entanto, observou-se que as lagartas de C. includens, encontravam-se preferencialmente nos terços médio e inferior da planta durante o dia, com 40% das lagartas no terço inferior (Figura 3B).

Já as lagartas de S. eridania apresentaram uma distribuição com 40% nos terços médio e superior e 60% no solo ou base da planta durante o dia, e à noite 70% das lagartas estavam nas partes média e superior da planta (Figura 3C). Este comportamento indica a tendência de buscar, nas horas mais quentes do dia, os locais mais frescos no dossel, com a maior parte das lagartas localizadas no solo.

Neste caso, há também uma indicação de cuidado na amostragem que pode subestimar a população, avaliando somente as que estão presentes nas folhas da soja. Para todos os casos de distribuição das lagartas nas folhas da soja, ao longo do dia, se impõe a necessidade de um esmerado processo de amostragem, visando quantificar corretamente as populações, para a adequada tomada de decisão no manejo da praga.

Outra implicação importante desta distribuição variável nos três terços da planta, diz respeito a presença de maiores concentrações dos depósitos de inseticidas no terço superior da folhagem, onde nem sempre as espécies estão localizadas e portanto resulta em maior dificuldade de controle.

Outro fator que dificulta o controle das lagartas-falsa-medideira está relacionado com a sua posição na planta durante o dia, no terço médio e inferior do dossel da soja. Fato que determina uma atenção especial a tecnologia de aplicação, pois os inseticidas precisam atingir a parte média e inferior das plantas.

O uso de pontas de pulverização que gerem um espectro de gotas mais uniforme e com melhor capacidade de cobertura do dossel da planta, se faz necessário, bem como o uso de adjuvantes pode auxiliar em aspectos como penetração e maior quantidade de ingrediente ativo disponível para controle do inseto.

5.1 Comportamento das lagartas da soja e sua relação com a fenologia da cultura

A ocorrência das espécies de lagartas se dá de forma variável ao longo do ciclo da cultura (GUEDES et al., 2011). Esta distribuição está relacionada à capacidade de colonização das espécies e às características da fenologia que favorecem estas ocorrências.

Na fase inicial de desenvolvimento (V1 até V3), as principais lagartas de ocorrência na cultura são lagartas que seccionam plantas, a exemplo de Spodopteras e mais recentemente com os evidentes surtos de H. armigera em plântulas e plantas de soja.

A partir do estádio V4 até o final do período vegetativo, ocorre principalmente A. gemmatallis, que é mais numerosa que as lagartasfalsa-medideira que apresentam as maiores populações a medida que a cultura se aproxima do período reprodutivo. A ocorrência destas espécies nessa fase acontece de forma simultânea ou de forma isolada.

Na fase reprodutiva da cultura, além da atenção com lagartas de hábito alimentar exclusivamente desfolhadoras, o cuidado com a incidência de H. armigera é fundamental em função dos riscos de danos às partes reprodutivas na planta, flores, legumes e grãos, nos quais causa danos diretos.

Da mesma forma, as lagartas do gênero Spodoptera, conhecidas também como lagarta-das-vagens, podem causar danos aos legumes, entretanto, as densidades populacionais são pouco significativas (Figura 4).

O período de maior risco da cultura ao ataque de uma praga deriva da intensidade de ocorrência da praga prevista ao longo do ciclo de desenvolvimento associada ao tipo e ao potencial de dano que a praga apresenta para a cultura.

5.2 Distribuição das populações de lagartas nas áreas de soja

Desde as primeiras ocorrências de lagartas a distribuição espacial das espécies desfolhadoras da soja é desuniforme nos diferentes pontos da lavoura. Sendo assim, em distintos locais de uma mesma lavoura a presença de lagartas é variável no número de indivíduos e de espécies.

Essa variação continua distinta nos estágios da cultura, sendo considerada distribuição aleatória nas fases iniciais da soja e/ou nas baixas densidades de pragas, e de forma agregada a medida que avança o ciclo da cultura ou aumenta a densidade populacional da praga (STECCA, 2011).

A evolução da densidade populacional de lagartas das espécies A. gemmatalis C. includens e S. eridanea, ao longo do desenvolvimento da cultura, evidenciam um aumento da densidade das pragas a medida que avança o ciclo, principalmente no período reprodutivo, com a sucessão de ciclos das pragas, elevação da natalidade e emigração de outras áreas (Figura 5).

Para as espécies estudadas por Stecca (2011), ocorreu predominância de lagartas-pretas e de lagartada-soja, que poderia estar associada a não adoção do controle químico.

A distribuição heterogênea das lagartas em uma lavoura indica que as injúrias causadas ocorrem, concentrando-se nos pontos com maior densidade populacional e, portanto, de maiores danos à cultura.

De outro lado, as reboleiras com maior número de lagartas (distribuição agregada) indica a importância de um adequado monitoramento das áreas, além da distribuição de pontos amostrais de forma a capturar estas variações e indicar o adequado manejo para as distintas situações populacionais.

6 Monitoramento de lagartas da soja

O monitoramento das populações de lagartas na soja vinha sendo negligenciado nos últimos anos, mas com o surgimento da lagarta-helicoverpa, houve novamente um forte estímulo a essa prática.

O monitoramento de adultos (mariposas) pode ser um bom indicativo do início da infestação de lagartas, pois aponta a ocorrência de machos e fêmeas adultos das populações progenitoras. Esses podem ser monitorados por armadilhas luminosas que capturam machos e fêmeas, ou com armadilhas com feromônio sexual, que capturam somente machos, com especificidade de espécie.

Além do monitoramento de adultos com armadilhas, a verificação minuciosa das folhas e de toda a planta de soja desde o início do desenvolvimento da soja até o final do ciclo, pelo menos duas vezes na semana, é o mais importante.

O monitoramento das plantas de soja visa a contagem e identificação de ovos, lagartas e injúrias, para a definição da estratégia de manejo. Os dados referentes às vistorias devem preencher uma ficha de avaliação na qual se anotam as espécies, tamanhos e número de lagartas para cada ponto amostral.

O conjunto destes dados perfazem uma média por unidade de lavoura (talhão), que deverá receber tratamento em função exclusiva das características da população.

6.1 Fase do ciclo da soja e procedimentos de monitoramento

V1 – V3 a vistoriar 2,0 m de fileira de soja (Figura 6A) (1,0 m2), examinar minuciosamente as folhas e brotos, contando ovos e lagartas;

V4 – Vn a fazer batida de pano tradicional (Figura 6B) em 2,0 m de fileira de soja (1,0 m2) e vistoriar minuciosamente as folhas e brotos, contando ovos e lagartas.

R1 – R4 a fazer batida de pano vertical (Figura 6C) em 2,0 m de fileira de soja (1,0 m2) e vistoriar minuciosamente as folhas, brotos, flores e legumes, contando lagartas.

R5 – R7 a fazer batida de pano vertical (Figura 6C) 2,0 m de fileira de soja (1,0 m2) e vistoriar minuciosamente os legumes, contando lagartas.

7 Níveis de dano econômico, nível de controle e desfolhamentos em soja

A escolha da estratégia de controle de lagartas na cultura da soja está diretamente relacionada à relação custo/benefício, da adoção da medida de controle. Para o agricultor a escolha do inseticida e a definição do momento em que o mesmo será usado, tem relação direta com quatro fatores:

1) custo do controle (inseticida+aplicação);

2) valor da saca de soja e a expectativa de produção;

3) qual o potencial de dano das lagartas-praga presentes na lavoura e

4) eficiência do inseticida escolhido no controle das lagartas.

Estes são os fatores que alimentam a equação do Nível de Dano Econômico e devem decidir quando e onde se controla as pragas.

De modo geral, com base nesses quatro fatores o produtor acaba utilizando uma relação de cálculo instintivamente. Com essas variáveis disponíveis, o produtor pode calcular para sua situação (de preço de inseticida adquirido ao valor da saca de soja vendida) o momento em que deve fazer a aplicação do controle, pois o valor do NDE (valor dado em lagartas/m2) calculado pela fórmula teórica, expressa o limite máximo de lagartas que o produtor pode tolerar em sua lavoura.

Na prática, o produtor baseia sua decisão no NDE, e geralmente aplica o controle antes que a densidade de lagartas atinja esse número. Esse momento de aplicação realizado antes das lagartas atingirem o NDE é conhecido como Nível de Controle (NC), sendo a regra prática e operacional que realmente determina a aplicação do inseticida.

Durante os anos 70 e 80 (quando o NDE e NC foram calculados) a produção brasileira de soja era em média de 1.500 kg/ha, porém nos últimos anos essa produção sofreu um aumento considerável atingindo médias superiores a 4.500 kg/ha. De outro lado, o valor da oleaginosa apresentou um aumento considerável do valor, que associada à redução nos preços dos inseticidas alterou para menores os NDEs na cultura da soja.

Além disso, houve uma modificação significativa nas características morfológicas e fisiológicas de crescimento e desenvolvimento nas plantas de soja. Cultivares antigas como BRAGG e IAS 5 (utilizadas nos anos 80 e 90) atingiam um Índice de área foliar (IAF) de 6 a 7m2, respectivamente, e hoje as cultivares de soja apresentam IAF muito menor (maior eficiência energética), como por exemplo a cultivar NA 5909, com IAF de 5,0 (RICHTER et al., 2014).

Por possuírem um IAF menor, essas cultivares de soja necessitam de um maior cuidado na proteção ao desfolhamento. Um ponto a ser considerado é a falta de informações sobre a redução na produtividade ocasionada pelo desfolhamento nas novas cultivares de soja, que são lançadas sem indicar sua tolerância à desfolha.

Estudos considerando baixos IAFs, sob condições climáticas desfavoráveis, devem ser realizados para indicar com maior precisão os diferentes NDEs e NCs, que a cultura da soja tolera, frente ao grande número de situações de cultivo. A chegada de H. armigera, que no período vegetativo da soja ataca as folhas da soja, e partir do início do florescimento consome preferencialmente flores e legumes, levantou a necessidade de definição de um NC exclusivo para essa espécie.

Já para as lagartas desfolhadoras (C. includens, A. gemmatalis e Spodoptera spp.) existem NCs diferentes dos que serão recomendados para a H. armigera, pois um dos fatores do cálculo do NDE é o potencial de dano da praga, que é muito maior para H. armigera, uma vez que pode atacar diretamente os grãos.

8 Estratégias de manejo de lagartas da soja

O controle de lagartas desfolhadoras ou as que atacam as vagens na cultura da soja é feito naturalmente (sem a intervenção do produtor) ou por meio do uso de inseticidas químicos e também com inseticidas biológicos, que ganharam importância nas últimas safras.

O controle de lagartas que é predominantemente químico apresenta um grande número de moléculas e produtos comerciais que controlam a lagarta-dasoja, lagarta-helicoverpa e inclusive as lagartas-pretas, que apresentaram populações pouco importantes nos últimos anos, em contraposição a lagarta-falsa-medideira que amplia sua importância, relacionada diretamente a falta de recursos para o seu controle.

Entretanto, com a liberação de plantio da soja Bt no Brasil, surge um novo recurso para o controle da lagarta-falsa-medideira, sem que se tenha certeza da durabilidade desta nova tecnologia, em uma cultura tão particular e diversa como a soja no Brasil.

Os inseticidas registrados no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) apresentam diferentes recomendações de doses e também eficiências de controle diferentes para cada espécie-praga. Por isso, a escolha do inseticida a ser utilizado, deve ser precedida de uma amostragem da densidade populacional das lagartas na área de cultivo.

O controle de C. includens tem sido considerado o mais difícil, por ser uma espécie mais tolerante às doses normalmente utilizadas para outras lagartas (BERNARDI, 2012) e grande parte dos inseticidas que são usados amplamente para o manejo de lagartas na soja, não apresentam eficiência satisfatória para esta praga.

As estratégias de controle das lagartas na soja ao longo dos anos contribuíram para algumas mudanças. O impacto destas estratégias de controle tem relação com o uso de diferentes grupos de inseticidas para o manejo de lagartas e as doses. A mudança na proporção das espécies de lagartas que ocorrem em soja pode estar relacionada com as doses dos inseticidas comumente utilizados para o controle de A. gemmatalis.

Estas doses não controlavam as lagartas-falsa-medideira, o que resultou em uma pressão de seleção da espécie mais tolerante sobre a espécie mais suscetível.

A maior tolerância da lagarta C. includens aos inseticidas, quando comparadas a outras espécies, pode estar relacionada a capacidade de desintoxicar e excretar o inseticida antes mesmo da ativação no sítio de ligação, por meio de várias enzimas, incluindo glutationa transferases, monooxigenases e hidrolases, que também são responsáveis por reduzir a sensibilidade do sítio de ligação (DOWD e SPARKS, 1988).

No Brasil não há registro de resistência de C. includens para nenhum ingrediente ativo. Nos Estados Unidos, entretanto, desde a década de 1990 já existe registro de resistência da lagarta-falsa-medideira para os inseticidas do grupo dos piretróides (LEONARD et al., 1990). O controle biológico vem retomando seu espaço nos últimos anos com as toxinas Bt, sejam as formuladas ou inseridas em plantas geneticamente modificadas, quanto as Baculoviroses.

As toxinas Bt possuem baixa especificidade, controlando grande parte dos lepidópteros-praga. Entretanto, sua toxicidade não é igual entre todas as lagartas desfolhadoras, havendo suscetibilidade diferente de cada espécie para cada proteína Bt, devido à diferença entre receptores no intestino dos insetos para as diversas proteínas Cry (BRAVO et al., 2007).

O baculovírus possui como característica a maior especificidade, controlando a espécie-praga ou algumas espécies de um gênero. Como por exemplo, o baculovírus Helicoverpa zea nucleopolyhedrovirus (HzNPV), que possui toxicidade em larvas de H. zea e H. armigera.

O manejo de H. armigera em soja, com Baculovírus e B. thuringiensis, combina eficiência de controle, com seletividade e segurança aos insetos benéficos e humanos.

9 Qual o futuro do controle das lagartas na cultura da soja?

Dentre as mais recentes tecnologias químicas desenvolvidas, estão os inseticidas à base diamidas, que são amplamente utilizados na soja, concomitantemente ao aumento das populações de lagartas-falsa-medideiras.

Estes tratamentos deslocaram os inseticidas reguladores de crescimento das aplicações iniciais em soja e podem estar relacionadas ao seu crescimento em importância. De outro lado, o controle biológico, à base de Bt e de Baculoviroses tem grande potencial e além de produtos comerciais disponíveis, apresenta uma gama de novos produtos promissores, em vias de lançamento para as lagartas da soja.

Também o controle biológico natural apresenta potencial e mesmo sob o intenso controle químico de pragas, plantas daninhas e de patógenos, ainda se manifesta e deve ser responsável por parte do controle de lagartas em soja. Porém, a principal mudança no manejo de lagartas em soja foi a aprovação da soja transgênica para o controle de lepidópteros-praga, que expressam a proteína Cry1Ac.

Da mesma maneira que os produtos formulados, as plantas Bts também possuem diferenças de toxicidade para as espécies de lepidópteros, com maior efetividade principalmente para A. gemmatalis e C. includens (BERNARDI et al., 2012). Dessa maneira, espécies que não são controladas, tais como, Spodoptera spp., podem vir a ganhar importância na cultura da soja nos próximos anos.

O futuro do controle de lagartas da soja deve vir da associação das estratégias disponíveis nos últimos anos, dos recentes lançamentos de inseticidas químicos e biológicos e das plantas geneticamente modificadas à base de Bt (Cry 1Ac), que associadamente podem manter as populações de lagartas em níveis que não comprometam a produção de soja no Brasil.

Referências

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