Bruno Maia Abdo Rahmen Cassim, Marcos Renan Besen, Evandro Antonio Minato, Wagner D. Kachinski, Éder Jr. de Oliveira Zampar, Rodrigo Sakurada Lima, Tadeu Takeyoshi Inoue , Marcelo Augusto Batista
O manejo da adubação nitrogenada tem sido estudado mundialmente devido à dinâmica do nitrogênio (N) nos sistemas agrícolas e por se tratar do nutriente requerido em maior quantidade para o crescimento das plantas. Em comparação com o uso de outros nutrientes, o uso de fertilizantes nitrogenados na agricultura é maior. Em 2019/2020 mais de 110 milhões de toneladas de N foram produzidos pela indústria de fertilizantes em todo o mundo e aproximadamente 57% dos fertilizantes N foram ureia (IFA, 2019).
A ureia [CO(NH2)2] tem vantagens para a indústria como, alta concentração de N (45 a 46% N) e custos de produção mais baixos em comparação com outras fontes de N (Cantarella et al., 2018). Entretanto, o N na forma de ureia quando aplicado sobre a superfície do solo, pode ser perdido por desnitrificação, lixiviação e volatilização de amônia (N-NH3) (Gillette et al., 2017), sendo está última a principal via de perda de N nos sistemas agrícolas, podendo representar mais de 50% no N aplicado (Tasca et al., 2011).
Ao ser aplicada na superfície do solo, a ureia é hidrolisada pela ação da enzima urease, resultando na produção de amônia (NH3), que rapidamente é perdida para a atmosfera na forma de gás. Em sistemas plantio direto (SPD), onde se preconiza mínimos revolvimentos do solo, rotação de cultura e acúmulo de palhada, perdas de N-NH3 podem ser intensificadas devido a correção da acidez do solo por meio da calagem superficial, sem incorporação, o que eleva o pH da camada superficial do solo, favorecendo a transformação de amônio (NH4+) em amônia (NH3).
Diante desse cenário, as perdas de N-NH3 por volatilização podem reduzir a eficiência de uso do N, acarretando prejuízos econômicos, porque menos N fica disponível no solo para as plantas absorverem, afetando o rendimento das culturas. Além disso, reduzir as taxas de volatilização de N-NH3 também traz benefícios ambientais. A NH3 volatilizada pode ser depositada nas proximidades ou ser transportada por longas distancias quando reage com ácidos para formar aerossóis de amônio, como (NH4)2SO4 ou NH4HSO4 (Galloway et al., 2004). A deposição de NH3 em locais não apropriados, causa efeitos indesejáveis, incluindo emissões indiretas de gases de efeito estufa, acidificação do solo e perda de biodiversidade, afetando consequentemente a qualidade do ar e contaminando os ecossistemas terrestres e aquáticos. Assim, aumentar a eficiência de uso dos fertilizantes nitrogenados na agricultura é um desafio e uma necessidade.
A incorporação da ureia ao solo é uma forma eficaz de reduzir as perdas por volatilização de N-NH3. Isso pode ser feito por operações mecânica, chuva ou irrigação. Viero et al. (2017) observaram que a aplicação de 20 mm de água logo após a fertilização com ureia via irrigação foi suficiente para incorporar o fertilizante ao solo e reduzir as perdas de N-NH3 em 80% e Rochette et al. (2013) encontrou perdas insignificantes de volatilização de N-NH3 quando a ureia foi incorporada em profundidades superiores a 7,5 cm. Apesar da incorporação da ureia fazer parte das chamadas melhores práticas de manejo para aumentar a eficiência do uso do N, a incorporação nem sempre é possível ou viável, como em culturas perenes, onde pode causar danos mecânicos às raízes, ou em áreas de culturas anuais interrompendo o sistema plantio direto (SPD), que por sua vez, é uma importante prática de manejo conservacionista do solo trazendo benefícios como: maior retenção de água, redução da erosão e perda de nutrientes. Portanto, a aplicação superficial de N é a prática predominante em muitas situações, apesar do risco de grandes perdas de N por volatilização de N-NH3.
Fontes convencionais de nitrogênio, como sulfato de amônio [(NH4)2SO4] e nitrato de amônio (NH4NO3), não estão sujeitas a perdas consideráveis por volatilização de N-NH3 (Otto et al., 2017; Minato et al., 2020), mas são mais caras por unidade N. Além disso, o nitrato de amônio enfrenta restrições de compra pelas forças armadas devido ao seu uso como material explosivo e o sulfato de amônio possui baixa concentração de N (20-21% N). Devido a isso, as indústrias de fertilizantes têm buscado aumentar a eficiência da adubação nitrogenada, por meio de fertilizantes de eficiência aumentada (FEA), classificados como estabilizados, de liberação lenta e de liberação controlada (Guelfi, 2017).
Os estabilizados são aqueles fertilizantes em que a ureia é tratada com aditivos para bloquear temporariamente a enzima urease do solo, evitando consequentemente a hidrólise da ureia por algum tempo (Trenkel, 2010). Ao retardar o pico de volatilização de N-NH3, aumenta-se as chances de incorporação do N pelas águas da chuva, resultando em menores perdas por volatilização de N-NH3. Segundo Kiss e Simihaian (2002), mais de 14.000 compostos ou misturas de compostos foram testados com o intuito de inibir a atividade da enzima urease do solo, entretanto os melhores resultados foram encontrados para N-(n-butil) tiofosfórico triamida (NBPT), comercializado no Brasil como SuperN®.
O NBPT já possui uma posição sólida no mercado de fertilizantes de eficiência aumentada. Isto ocorre, pois o custo da ureia tratada com NBPT é de 10 a 30% maior em comparação ao custo da ureia convencional, sem aditivos (Guelfi, 2017). Valor bem inferior quando comparado com outras tecnologias de eficiência aumentada como os fertilizantes de liberação controlada, conhecidos comercialmente como polímeros, que dependendo da química do material e da espessura do revestimento responsável pela liberação gradual do N custam 1,3 a 12 vezes mais que a ureia convencional (Trenkel, 2010). Estima-se que 14 milhões de toneladas, incluindo ureia de liberação controlada, liberação lenta e fertilizantes tratados com inibidor de urease e nitrificação, foram produzidos no ano de 2016, dos quais 7,4 milhões de toneladas (53%) foram ureia contendo NBPT (Cantarella et al., 2018).
Segundo Cantarella et al. (2018), a demanda por inibidores de urease deverá continuar a crescer a um ritmo de 10-12% ao ano nos próximos 10 anos, visto que as leis ambientais podem ajudar a aumentar o consumo por esses produtos. Por exemplo, na Alemanha desde 2020 já é lei que todos os fertilizantes de ureia utilizados devem ser incorporados ao solo ou tratados com inibidores de urease.
No Brasil, grande parte dos fertilizantes nitrogenados são destinados a gramíneas, tal como o milho safra e segunda safra. Para cada tonelada de grãos de milho produzida estima-se que seja necessário a extração de 21,5 kg de N, sendo que desse montante aproximadamente 14,4 kg são exportados (NEPAR/SBCS, 2019), demonstrando ser o N o nutriente mais extraído e mais exportado pela cultura. Desta forma o uso do NBPT pode ser vantajoso, em especial no cultivo do milho.
Para compreender a importância da utilização de estabilizadores, como o NBPT com intuito de diminuir as perdas de volatilização de N-NH3, foi instalado um experimento na Unidade de Difusão e Tecnologias (UDT) da Cocamar no município de Floresta-PR (latitude 23° 35’ 39,4’’ Sul, longitude 52° 04’ 03,3’’ oeste). O solo da área experimental foi classificado como LATOSSOLO VERMELHO Distroférrico e clima classificado como Cfa. Amostras de solo foram coletadas na camada de 0-20 cm para fins de caracterização química e física da área experimental obtendo-se: 17,7 g/dm3 de matéria orgânica; pH (CaCl2) 4,9; 7,5 mg/dm3 de P (Mehlich-1); 3,7 cmolc/dm3 de Ca2+; 1,6 cmolc/dm3 de Mg2+; 0,15 cmolc/dm3 de K+; 0,05 cmolc/dm3 de Al3+; CTC a pH 7 de 10,7 cmolc/dm3; saturação de bases (V%) de 51, areia 175 g/kg, silte 65 g/kg e argila 760 g/kg. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados sendo estudados 4 tratamentos com 4 repetições.
Os tratamentos foram constituídos por T1: ureia; T2: ureia tratada com NBPT (Ur-NBPT); T3: ureia + calagem e T4: Ur-NBPT + calagem. Foi utilizado o calcário dolomítico com garantias de 29% de CaO e 19% de MgO com PRNT de 80%. A dose de calcário foi de 5,35 t/ha e o mesmo foi aplicado em 10/2014. Durante o período experimental foi cultivado soja no verão e milho segunda safra no inverno.
Os dados de volatilização de N-NH3 apresentados são referentes a safra de 2016 e 2017, após 18 e 33 meses da aplicação do calcário, respectivamente. Os fertilizantes nitrogenados foram aplicados durante o desenvolvimento do milho segunda safra no estádio fenológico V4 (quatro folhas totalmente expandidas) com dose ajustada para 100 kg/ha de N. Para captura da volatilização de N-NH3, foi alocado em cada unidade experimental uma câmara estática semiaberta juntamente com mais três bases para proporcionar a rotação da câmara após cada amostragem de volatilização de N-NH3, a fim de minimizar fatores ambientais que pudessem influenciar a volatilização, a exemplo da precipitação (Figura 1). Os dados acumulados de volatilização de N-NH3 foram submetidos à análise de variância, sendo as médias comparadas pelo teste t (LSD) a 5% de probabilidade de erro.
As perdas de N por volatilização de N-NH3 iniciaram logo nas primeiras horas após a aplicação, devido ao solo estar úmido, já que os fertilizantes foram aplicados ao solo 48 h após precipitação pluviométrica acumulada de 107 e 30 mm para a safra 2016 e 2017, respectivamente (Figura 2). O rápido pico de volatilização de N-NH3 atingido entre o terceiro e quinto dia, deve-se ao fato da alta atividade da enzima urease presente no solo, que por vez depende da umidade do solo para ser ativada. Por exemplo, Nascimento et al. (2013) aplicando ureia em solo com baixa umidade, observou picos de perdas por volatilização de N-NH3 somente após uma chuva de 50 mm que ocorreu 16 dias após a fertilização com N em cobertura. Em condições de solo seco, a taxa de hidrólise da ureia é baixa, no entanto, aumenta gradualmente à medida que o conteúdo de água do solo aumenta, até que a umidade do solo atinja 20%. Acima dessa umidade a hidrólise da ureia praticamente não é afetada pelas mudanças na umidade do solo (Sahrawat, 1984).
As perdas acumuladas de N-NH3 para a safra 2016 foram 13, 19, 22 e 30 kg/ha de N-NH3 e para safra 2017 foram 7; 17; 15 e 32 kg/ha de N-NH3 para Ur-NBPT, ureia, Ur-NBPT + calagem e ureia + calagem, respectivamente (Figura 3). O tratamento com Ur-NBPT foi eficiente em reduzir a volatilização de N-NH3 em relação ao tratamento com ureia em ambas as safras testadas (Figura 3), mitigando as perdas de amônia na ordem de 32 e 57% para a safra 2016 e 2017, respectivamente.
Em relação aos tratamentos com aplicação de calcário, a volatilização acumulada de N-NH3 aumentou significativamente para ambas as safras (Figura 3). Segundo Cantarella (2007), o efeito do calcário em potencializar as perdas de N por volatilização são decorrentes da elevação do pH da camada superficial do solo, alterando o equilíbrio entre o íon amônio (NH4+) e a forma gasosa amônia (NH3), em que condições de pH ácido a espécie química predominante é o NH4+ e em pH alcalino a NH3. Entretanto, mesmo com condições mais propícias a perdas de N-NH3 por volatilização, devido à elevação do pH da camada superficial do solo após aplicação do calcário, o tratamento Ur-NBPT + calagem se mostrou superior estatisticamente em mitigar as perdas por volatilização de N-NH3 quando comparado com o tratamento ureia + calagem para ambas as safras (Figura 3), mitigando as perdas de N-NH3 na ordem de 27 e 55% para a safra 2016 e 2017 respectivamente.
Apesar de estudos de meta-análises revelarem o potencial do NBPT em reduzir as perdas de N-NH3 entre 52 a 54% quando comparado com ureia convencional (Pan et al., 2016; Silva et al., 2017), os benefícios da ureia tratada com NBPT no rendimento das culturas é muito mais limitado e varia de um aumento de rendimento de 5 a 12% (Cantarella et al., 2018). A razão é que, em muitos casos, a maior parte do N absorvido pelas lavouras vem do solo, fazendo com que o N do fertilizante, embora importante para determinar a produtividade, seja um complemento (Cantarella et al., 2018). Dessa forma, o N economizado pelo inibidor de urease NBPT pode não traduzir em aumentos de rendimento imediatos. Porém, o N preservado no sistema solo-planta, em decorrência do uso de inibidores de urease, reduzindo as perdas de volatilização de N-NH3, contribui para a formação de reservas de N solo, podendo retornar em aumentos de produtividades futuros, além de ser um importante aliado para a preservação do meio ambiente.
Em suma, nossos resultados revelaram que o NBPT reduziu as perdas por volatilização de N-NH3 em média em 42%, quando comparado a ureia convencional, mostrando sua eficiência em condições de solos argilosos tropicais. Ao reduzir a hidrólise do grânulo, outras vias de perdas também podem ser mitigadas, como a lixiviação de nitrato, entretanto carecem de estudos. Aumentar a eficiência de uso do N é importante no contexto agronômico, ambiental e econômico. O desafio para os próximos anos é prolongar o efeito do NBPT, por meio de novos aditivos ou moléculas, com intuito de manter o N oriundo do fertilizante mais tempo no sistema.
Referências
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