No ano 2000 inspirado no sucesso da adoção da agricultura de precisão em países desenvolvidos, notadamente nos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Austrália, entre outros, foi criado o Projeto Aquarius.
Na América do Sul, as experiências com adoção da Agricultura de Precisão quando da criação do projeto eram restritas a Argentina, com algumas escassas experiências no Brasil notadamente em São Paulo, Paraná e no Centro-Oeste, iniciadas em meados da década de noventa.
Especificamente no Rio Grande do Sul, no final dos anos 90, uma empresa do agronegócio (Serrana Fertilizantes) incentivou a amostragem de solo seguindo malha amostral pré-definida com geração de mapas temáticos dos principais atributos químicos do solo. Porém, a etapa seguinte que seria a fertilização a taxa variável foi utilizada apenas em uma pequena fração das áreas amostradas limitando o aprimoramento do sistema produtivo.
Na época, existia uma carência de trabalhos de pesquisa e desenvolvimento em agricultura de precisão, notadamente os de longa duração e que tivessem a participação conjunta da indústria de máquinas, das Universidades e, principalmente, dos produtores rurais.
A agricultura de precisão, por ser uma área multidisciplinar demandava uma conjugação de competências envolvendo diferentes empresas que atuam no agronegócio, mas que deveriam trabalhar de forma integrada, coordenada e complementar.
Além disto, por ser uma área de intensa inovação tecnológica havia a necessidade de um trabalho continuado que possibilitasse a incorporação gradual das novas soluções ao processo produtivo na medida em que fossem disponibilizados no mercado.
Durante a condução do projeto, percebeuse que mais importante que avaliar o impacto de cada inovação tecnológica de forma isolada era avaliar o desempenho da inovação quando integrada a outras tecnologias.
Desta forma, entendeu-se que as ferramentas de AP são complementares e que seu uso em conjunto é que irá possibilitar o aprimoramento do sistema de produção.
O significado do termo Aquarius
O nome do projeto simboliza uma nova era, o renascimento da agricultura, a inovação, a tecnologia e o avanço do conhecimento.
Na astrologia a Era de Aquarius era caracterizada pela fraternidade universal onde seria possível solucionar os problemas de maneira equitativa para todos e com grandiosas oportunidades para o desenvolvimento intelectual e espiritual, dado que Aquarius é um signo aéreo, científico, intelectual e o seu planeta regente, Urano, é associado com a intuição, eletricidade e tecnologia (Wikipédia, 2015).
Ainda, é possível derivar significados como: a descoberta, a verdadeira vivência, o real conhecimento dos ensinamentos e a nova terra.
O desafiador começo do Projeto
No ano de 2000 a produtividade média de soja no RS era de 1650 kg ha-1 (27,5 sc ha-1) e de milho era de 2446 kg ha-1 (40,8 sc ha-1). Em 2014/15 a produtividade média de soja será próxima a 3000 kg ha (50 sc ha-1) e do milho próxima de 6000 kg ha (100 sc ha-1), com incrementos de aproximadamente 81% e 145%, respectivamente (CONAB, 2015).
Estes números ilustram que o Projeto se desenvolveu em um período em que a agricultura gaúcha e brasileira passou por profundas transformações com a consolidação do sistema plantio direto, a introdução da biotecnologia, a globalização, a escassez de mão-de-obra, o avanço da mecanização agrícola, o uso intensivo de insumos e a profissionalização dos agricultores.
Todos estes processos evolutivos impactaram o Projeto Aquarius que foi se moldando e incorporando as novas tecnologias a medida que elas foram sendo desenvolvidas.
Em 2000, a Stara juntamente com outras três importantes empresas parceiras do agronegócio (Massey Ferguson, Monsanto e Serrana Fertilizantes), liderou a criação do Projeto Aquarius.
No mesmo ano, dois talhões um com 132 ha (área da Lagoa) e outro com 124 ha (área Schmidt), localizados na Fazenda Anna, foram escolhidos para serem as áreas experimentais pioneiras (Figura 1).
As dimensões dos talhões eram representativas do tamanho médio das áreas de cultivo na região e também o resultado operacional fazia parte do caixa dos proprietários, não possibilitando que uma prática que não trouxesse retorno fosse adotada por longo prazo. Assim, na sua gênese o projeto seguiu a estratégia de pesquisa conduzida na propriedade agrícola.
Nesta época, toda a tecnologia para AP era importada de países desenvolvidos, com custo elevado, e muitas vezes não adaptada as condições brasileiras. Também havia muito ceticismo quanto a capacidade dos agricultores brasileiros para incorporar a complexa tecnologia que estava emergindo.
Alguns sugeriam que antes da adoção da AP haviam muitos processos a serem corrigidos, e que a agricultura brasileira não estava pronta para absorver tamanho avanço tecnológico.
Outros a consideravam uma onda, não passando de um mero apelo comercial para novos produtos. Finalmente, havia um grupo que reconhecia a potencialidade da AP em promover o aprimoramento dos sistemas produtivos, mas a julgavam sem viabilidade econômica.
Portanto, o Projeto Aquarius foi desenvolvido em um cenário desafiador para a AP.
O desenvolvimento do projeto e os principais resultados
Na fase inicial do projeto as duas principais ferramentas tecnológicas disponíveis da AP eram a amostragem de solo georreferenciada, e a geração de mapas de produtividade.
A malha amostral determinava a amostragem intensiva de solo, que identificava a variabilidade espacial dos principais atributos de solo. Por outro lado, o mapa de produtividade possibilitava prospectar regiões com maiores limitações ao desenvolvimento vegetal, e que por isto deveriam ser prioritárias quanto as intervenções de manejo.
No talhão denominado Schmidt, optou-se por iniciar a AP com base no mapa temático de produtividade. Enquanto, no talhão denominado Lagoa, optou-se por iniciar com base no mapa temático de atributos de solo, onde as amostragens georreferenciadas eram realizadas por 1 amostra composta a cada cinco ha.
O primeiro mapa de produtividade de milho com sensor de produtividade no Projeto Aquarius foi realizado na safra 2000/01, revelando elevada variabilidade espacial que variou de 2.300 a 12.400 kg ha-1, com média de 8.400 kg ha-1.
Como a área da Fazenda Anna foi o resultado de reunião de pequenas propriedades havia um histórico de diversidade de manejo que foram adotados anteriormente, justificando em parte a elevada variabilidade espacial reportada.
Em 2001 na área da Lagoa foram realizadas as primeiras fertilizações a taxa variável com o distribuidor Stara ZAM 1500, de acordo com o mapa de variabilidade espacial de atributos químicos. Desta forma, foi realizada a primeira fertilização a taxa variável de fósforo e de potássio. A taxa variada simplificada adotada consistiu de 3 a 5 doses diferentes dos fertilizantes, de acordo com o mapa de atributos químicos.
As fontes utilizadas foram o superfosfato simples e o cloreto de potássio, cada fertilizante aplicado em operações individuais. As fertilizações foram realizadas a lanço, com distribuição uniforme na superfície do solo em pré-semeadura.
Aqui enfrentou-se um primeiro questionamento: fertilização a lanço, especialmente de fósforo com fonte de elevada solubilidade, seria eficiente?
Provavelmente, por se tratar de áreas manejadas sob sistema plantio direto, com histórico de calagem e fertilizações equilibradas e de teor de matéria orgânica médio, que adotavam a estratégia de adubação do sistema (não objetiva somente a próxima cultura, mas sim o conjunto de culturas utilizadas na rotação) não foi observado perda da eficiência da fertilização por conta do possível incremento da imobilização do fósforo, ou por aumento das perdas por enxurrada devido sua deposição na superfície.
Os resultados obtidos demonstraram que a taxa variável de fertilizantes economizou 17,7% do custo total com fertilizantes, quando comparado com a taxa uniforme tradicionalmente utilizada, e proporcionou um incremento na produtividade de 16,6%.
Estes resultados foram atribuídos a correção de áreas com teores de nutrientes abaixo do crítico e, que, portanto possuíam maior probabilidade de retorno do investimento e a elevada qualidade da distribuição horizontal do fertilizante.
Portanto, se houve perda de eficiência do P pela aplicação a lanço, esta foi compensada pela melhor distribuição do fertilizante e ajuste da dose a condição sítio-especifico do teor do nutriente no solo.
Na área Schmidt primeiro acumulou-se dois mapas de colheita, com base nestes foram realizadas as amostragens de solo de forma dirigida (amostragem inteligente). As maiores concentrações dos pontos amostrais foram nas áreas de baixa produtividade, de modo que em 20 amostras de solo coletadas no talhão, 60 % apresentavam baixa fertilidade.
A fertilização foi realizada a taxa variada com maior dose aplicada nas áreas com baixa fertilidade e baixa produtividade nas safras anteriores. Os resultados foram positivos com incremento de 12 % na produtividade da soja.
Ressalta-se que esta estratégia seria recomendada para áreas desuniformes quanto a fertilidade, pois em áreas com a fertilidade corrigida pode inverter essa estratégia. Assim, as doses mais elevadas seriam aplicadas nos locais com maior produtividade, de modo a compensar a exportação de nutrientes via colheita.
Os resultados obtidos na AP tanto quanto a racionalização no uso de fertilizantes, quanto no incremento da produtividade foram expressivos, e estimularam a continuidade do Projeto Aquarius.
Em ambas as áreas implantou-se o ciclo completo da agricultura de precisão: diagnóstico (amostragem de solo), intervenções sítio-específicas (taxa variável de fertilizantes) e avaliação das intervenções através do acompanhamento georrefenciado do desenvolvimento das plantas e do mapa de colheita. Em 2003 foi aplicado o calcário a dose variada.
Observou-se no Projeto Aquarius que a calagem a dose variável apresentou um retorno econômico na ordem de 30% em relação a dose uniforme uma vez que a amplitude entre doses foi na ordem de 0 a 4,0 t ha-1 (SANTI et al., 2009).
O controlador Stara Falcon 3500, além de possuir guia DGPS foi associado ao piloto automático para aplicações de fertilizantes e corretivos a taxa variável, gerando mapa de rastreabilidade da aplicação que era compatível com o formato shape.file comumente utilizado para gerar mapas de atributos de solo.
Em 2003 houve a entrada da UFSM no Projeto Aquarius com o objetivo de coordenar as atividades de pesquisa e de desenvolvimento em AP.
A UFSM inicialmente desenvolveu três áreas de pesquisa:
a) mecanização agrícola coordenado pelo Prof. Fernando Schlosser do NEMA (núcleo de ensaios de máquinas agrícolas);
b) geomática coordenado pelo Prof. Enio Giotto, responsável pelo programa computacional CR Campeiro;
c) Manejo do solo coordenado pelo Prof. Telmo Amado.
Neste mesmo ano houve a primeira participação do Projeto Aquarius na Expodireto Cotrijal, com a apresentação dos resultados dos primeiros anos de condução do projeto.
As amostragens de solo passaram a serem feitas com malha de 1 ponto ha-1 na profundidade de 0-0,15 m, e os teores críticos de P = 15 mg dm-3 e K = 160 mg dm-3. O pH H2O = 6,0, saturação de bases = 70% e alumínio trocável próximo a zero.
Os valores utilizados para a elevação dos teores foram de 3 a 5 kg K2O para cada 1 ppm de K no solo, e de 8 a 10 kg P2O5 para cada 1 ppm de P disponível Mehlich 1.
Ainda, a amostra de solo composta foi formada por 6 a 8 subamostras, coletadas em um raio de 3 a 6 m em torno do ponto central. Os valores de teores críticos adotados foram superiores aos propostos pela comissão de química e fertilidade do solo (CQFS-RS/ SC, 2004), fato justificado pelo objetivo de buscar elevada produtividade e ao material genético de alto potencial produtivo.
Assim, nesse período com a geração de mapas temáticos com maior resolução espacial foi possível constatar a ocorrência de uma zona de baixa produtividade das culturas de grãos coincidente com uma zona onde o teor de P no solo era abaixo do crítico, situado na posição norte do mapa temático. Além disto, observou-se que as áreas com menores teores de P eram as que apresentavam os maiores teores de argila.
Constatou-se que o talhão não era uniforme quanto a textura e que incrementos de 10 pontos percentuais no teor de argila influenciavam os atributos químicos e físicos do solo como a armazenagem de água e a ocorrência de compactação.
Também foi observado nos mapas de colheita a concentração de baixas produtividades situavam-se principalmente na bordadura das áreas, ou seja, locais de manobras e intenso tráfego das máquinas agrícolas.
Em 2005 foi lançado o Stara Hércules 7000, equipamento revolucionário na fertilização a taxa variável no Brasil, possibilitando fazer a primeira taxa variável plena (número elevado de doses por ha). Este equipamento possibilitou maior rendimento operacional, com distribuição de fertilizantes sólidos em uma faixa de aplicação que variava de 25 a 35 m.
Uma vez regulado e em condições climáticas sem a presença de vento, observou-se uma elevada qualidade na distribuição horizontal dos produtos sólidos. A percepção de que havia maior uniformidade nas lavouras após a aplicação da taxa variável de fertilizantes foi reportada pela grande maioria dos agricultores usuários da tecnologia.
Neste período, havia uma tendência de redução do espaçamento entre fileiras da cultura do milho, que tendia a se igualar ao espaçamento utilizado na cultura da soja. Este fato, aliado a alternância do posicionamento da linha de semeadura ao longo do tempo, favoreceu a eficiência da fertilização a lanço em culturas anuais. Uma das estratégias de que se mostrou muito eficiente foi a fertilização de correção do solo a lanço e a manutenção a taxa fixa na linha.
Quando se utiliza fertilização na superfície do solo, deve-se observar a presença de uma elevada quantidade de resíduos para minimizar o risco de perdas de nutrientes por enxurrada.
Ainda, deve haver a ausência de compactação do solo que restringe o desenvolvimento radicular e a infiltração de água. Faz-se importante destacar que este tipo de fertilização, no Projeto Aquarius, foi realizada em condições de fertilidade média a alta. Além, de ausência de acidez na camada superficial. De qualquer forma, foi surpreendente para muitos produtores que recordes de produtividade tenham sido alcançados com esta estratégia de fertilização.
Aparentemente, estes resultados foram associados a redução da dose de fertilizante aplicado na linha de semeadura, especialmente a do potássio, que pode ocasionar efeito salino, a melhor distribuição horizontal dos fertilizantes, além do ajuste da dose a condição da fertilidade sítio-específico. Esta estratégia de fertilização a taxa variada plena baseia-se na reposição de nutrientes que foram exportados via colheita.
Como o mapa de colheita tem se aproximadamente 300 dados de produtividade, com isto há a possibilidade de prescrição de igual número de doses de fertilizante por ha. No mapa temático de prescrição pode-se fazer a suavização da transição de doses de fertilizantes evitando transição abrupta de doses que gera dificuldade de ser executada pelo distribuidor de fertilizantes.
Com isto, os erros de tempo de resposta e de posicionamento terão menor efeito sobre a qualidade da aplicação. Para minimizar o efeito da variabilidade temporal, a recomendação de fertilização foi feita com base em um conjunto de três mapas de colheita.
Como resultado da fertilização a taxa variável comparou-se a evolução temporal das zonas de baixo, médio e alto através dos mapas de produtividade de milho de 2002 e 2005.
Observou-se que a área da zona de média foi incrementada como resultado do decréscimo da zona de baixa produtividade, ainda observou-se um incremento do tamanho da zona de alta produtividade, provavelmente como resultado de uma porção da zona de média que evoluíu para zona de alta. Quanto a precipitação, ambos os anos investigados foram favoráveis a produção agrícola validando a comparação.
Em 2005 a Cotrijal passou a fazer parte do Projeto Aquarius. Com isto, a difusão de informações técnicas do projeto aos agricultores passou a ter um canal direto. A avaliação dos agricultores também foi muito importante para a validação e aprimoramento das tecnologias. Então, o projeto foi expandido para 11 munícipios agregando 11 novas áreas às 2 áreas pioneiras (Tabela 1).
Nestas áreas, se replicou as intervenções de amostragem de solo intensa, geração de mapas temáticos, aplicação a taxa variável de fertilizantes e geração de mapas de colheita. A estratégia utilizada foi a de escolher um talhão em cada uma das propriedades para ser manejado com as ferramentas da agricultura de precisão e o restante da propriedade continuar a ser manejada da forma tradicional.
Na média de 6 propriedades com o manejo de AP houve um incremento médio de 9 % na produtividade das culturas da soja e milho. Este valor foi semelhante ao obtido nas áreas pioneiras do Projeto Aquarius.
Muitas das propriedades que passaram a integrar o Projeto Aquarius em pouco tempo expandiram a AP para toda a área. A expansão do projeto comprovou que a AP era viável para diferentes tamanhos de propriedades, tipos de manejo, solo, clima e nível gerencial.
Em 2007, através de reamostragens de solo, realizada a cada dois anos, e do mapa de produtividade, feito anualmente, nas áreas pioneiras foi comprovado que as intervenções a taxa variável de fertilizantes foram eficientes em reduzir a variabilidade espacial dos principais atributos químicos e, que isto, resultou no incremento da produtividade e da rentabilidade econômica.
A racionalização do uso dos fertilizantes propiciou a redução da quantidade de insumos em áreas que já apresentavam teores acima do crítico. Assim, a área da Lagoa, umas das pioneiras em AP, foi totalmente corrigida quanto aos teores de fósforo (não haviam mais pontos amostrais com teores abaixo do crítico) após 4 aplicações a taxa variada (Figura 3).
A utilização da taxa variável no manejo avançado da fertilidade do solo possibilitou trazer todos os pontos amostrais da área para uma faixa considerada como ideal.
No caso do Projeto Aquarius foi estabelecido que a faixa de teores ideal na camada de 0-0,15 m para o fósforo seria entre 15 a 30 ppm. Já a de potássio seria de 150 a 300 ppm e o pH de 5,5 a 6,5. A saturação de bases deveria estar entre 70 a 80 %, com participação de 45 a 65 % de Ca e de 12 a 15 % Mg, 3 a 5 % de K. O teor de matéria orgânica deveria estar entre 3 a 5 %.
Em 2007 as recomendações de fertilizantes à taxa variável plena foram baseadas na sobreposição de mapas temáticos. Neste caso foram sobrepostos mapas de produtividade, mapas de atributos químicos e mapas de textura do solo. Um dos objetivos deste manejo avançado foi proporcionar uma fertilização equilibrada, ou seja, a quantidade de nutrientes que é exportada deveria ser compensada pelo aporte via fertilizantes.
Na Figura 4 a linha azul representa a fertilização aportada em cada ha, gerada a partir do mapa de rastreabilidade da operação de fertilização, e a linha verde a quantidade exportada via colheita, obtida com o mapa de produtividade. Este exemplo ilustra como as ferramentas da AP permitem o acompanhamento detalhado da evolução da fertilidade do solo e o ajuste fino da fertilização.
Além da reposição dos nutrientes exportados via colheita esta estratégia de fertilização sítioespecífico baseada na sobreposição de mapas multi-temáticos possibilita priveligiar as áreas mais produtivas, através do mapa de colheita, e corrigir áreas deficientes, através do mapa de atributos químicos do solo, inclusive com ajustes da dose em função da textura.
Em 2007, a Stara lançou o monitor Topper 4500 controlador com tecnologia nacional capaz de gerenciar 15 diferentes máquinas. Com isto, praticamente todas as intervenções nas áreas manejadas pelo Projeto Aquarius passaram a ser com base no manejo sítio-específico.
Como os atributos químicos já haviam sido corrigidos e estavam sendo monitorados quanto a sua evolução temporal, a atenção da equipe do Projeto Aquarius recaiu sobre os atributos físicos do solo buscando estabelecer relações de causa-efeito entre os atributos físicos e a produtividade. Em 2008 o implemento Fox passou a fazer escarificação sítio-específico a profundidade variável.
Este implemento representa uma das raras possibilidades de fazer intervenções visando a melhoria dos atributos físicos do solo seguindo os princípios do manejo sítio-específico.
Como a ocorrência da compactação do solo em lavouras de grãos raramente é generalizada, e sim concentrada em zonas específicas existe um grande potencial de utilização do escarificador sítio-específica (GIRARDELLO et al., 2011; GIRARDELLO et al., 2014). A descompactação do solo pode favorecer o aprofundamento do sistema radicular (Figura 5), o controle da enxurrada e o incremento da eficiência do uso da água.
No caso do Projeto Aquarius, através do mapa de colheita foi possível identificar zonas de baixa produtividade e nestas prospectar se existia compactação e em caso positivo determinar a profundidade da sua ocorrência visando a intervenção com o escarificador sítio-específico. Na Tese de doutorado do Prof. Antônio L. Santi foi relacionado a qualidade de atributos físicos do solo com o mapa de produtividade.
Neste estudo foi encontrado que a baixa produtividade de grãos estava associada a baixa taxa de infiltração e, consequentemente, da armazenagem de água no solo. A estratégia utilizada foi acumular mapas de produtividade afim de contemplar a variabilidade temporal e identificar um padrão de comportamento temporal das culturas na área.
A partir de então procurou-se caracterizar a qualidade física do solo em zonas que apresentavam o mesmo comportamento ao longo do tempo. Em 2008 a melhoria da qualidade biológica, que juntamente com os atributos químicos e físicos constituem um triplé de qualidade do solo, também foi contemplada na área da Lagoa.
Para tanto, através de um mapa temático de produtividade de várias safras identificou-se uma zona que seria prioritária para a intervenção sítio-específica com a adubação orgânica (cama de aviário) como alternativa de estímulo a atividade biológica.
Nestas áreas, havia histórico de erosões pretéritas que ocasionaram a redução da espessura do horizonte superficial do solo e de mobilização do solo visando eliminar impedimentos a mecanização tais como sulcos, buracos, tocas e formigueiros, além de serem áreas de intenso trânsito de máquinas agrícolas. Em 2009 foi sancionada a Lei Federal que denominou Não-Me-Toque, sede do Projeto Aquarius, como a capital nacional da AP.
A escolha foi justificada por ser o município um local aonde existe: indústrias de máquinas agrícolas voltadas a agricultura de precisão, pesquisa e desenvolvimento através do Projeto Aquarius, ensino através do curso técnico em AP do Instituto Federal Farroupilha, difusão das novas tecnologias de AP junto aos produtores através do projeto Ciclus da Cotrijal e do centro de treinamento da Stara, sede bienal do APSUL América e apoio irrestrito do poder legislativo e da comunidade nãometoquense.
No mesmo período o ensino de pós-graduação em AP foi contemplado com a criação do mestrado profissional na UFSM com conceito 4 da CAPES. O curso objetiva qualificar profissionais que já se encontram no mercado de trabalho e que buscam na Universidade uma oportunidade de aprimoramento e atualização. O curso já possui mais de 75 profissionais beneficiados, contribuindo para a implantação da AP no Estado e em outras regiões.
Em 2009 a empresa Yara Fertilizantes ingressou no Projeto Aquarius proporcionando avanços na nutrição nitrogenada de plantas através da linha YaraBela e do sensor de cultura N-Sensor ALS (Figura 6).
Este sensor é utilizado na Europa (Alemanha e Inglaterra) nas culturas do trigo, cevada, centeio, azevém, aveia, trigo, batata e milho nas quais em média proporcionou incremento da produtividade de 6% e decréscimo na dose de N de 14% (BRAGAGNOLLO et al., 2013a, b).
O sensor estima o vigor das plantas com base na reflectância de ondas espectrais de comprimentos de 730 nm e 760 nm, que é altamente correlacionado com a quantidade de N absorvido pelas plantas. A partir disto, com base em um algoritmo a dose de N a ser é prescrita considerando o estado nutricional da cultura em diferentes estádios fenológicos.
Com isto, a aplicação das doses acima da demanda das plantas são evitadas, resultando em maior eficiência no uso do nitrogênio e menor impacto ambiental. Além disto, por ajustar a dose de fertilizante ao estado nutricional das plantas durante a estação de crescimento, integra os efeitos de fatores abióticos no programa de fertilização.
Em 2010 passou-se a utilizar no projeto Aquarius as tecnologias do piloto automático com sistema DGPS possibilitando diminuir o erro de posicionamento das máquinas para valores inferiores a 5,0 cm. Impulsionados por esta tecnologia houve avanço na aplicação de defensivos sendo iniciados os trabalhos com a pulverização precisa através do desligamento de seções (Figura 7).
Neste caso, com o pulverizado Imperador 3100 foi possível economizar entre 6,3 % a 13,3 % na quantidade de calda aplicada por aplicação, dependendo do tamanho e formato das áreas.
As áreas mais recortadas, menos uniformes e com presença de obstáculos são as que apresentam maior retorno da pulverização precisa. Os valores são semelhantes aos reportados internacionalmente entre 2 a 12 %. Ainda na safra 2009/2010 o Projeto Aquarius começou uma importante linha de pesquisa sobre o ajuste da população de plantas de milho às zonas de manejo, determinadas com base em mapas de colheita de várias safras.
Para tanto, utilizou-se a Vitória Control, semeadora que possibilita a taxa variável de fertilizantes e de sementes na linha. A possibilidade de realizar a taxa variável de fertilizantes na linha de semeadura, especialmente de nutrientes pouco móveis, como o fósforo era uma demanda de muitos pesquisadores e agricultores.
Com isto, novas estratégias de fertilização puderam ser adotadas como a aplicação de fósforo a taxa variável na linha e a fertilização potássica, também a taxa variável, porém aplicada a lanço e em présemeadura.
Além disto, o ajuste da população de milho à zonas de manejo, que ao longo do tempo apresentaram estabilidade quanto ao potencial produtivo, tornou-se possível. Assim, por exemplo em áreas com horizonte A de maior profundidade, com maior teor de matéria orgânica e com maior capacidade de armazenagem de água no solo a população de plantas pode ser aumentada, enquanto em áreas com solo mais raso, com maior declividade e menor disponibilidade de água às plantas fazse necessário a redução na população de plantas.
O ano de 2011 marcou a entrada da Pioneer no projeto e, consequentemente, houve o incremento dos trabalhos com a cultura do milho. Com isto, no âmbito do Projeto Aquarius a relação entre solo, planta e máquinas foi reforçada.
Os experimentos conduzidos em NãoMe-Toque, nas propriedades dos Sr. Marcos Van Riel e do Sr. Roberto Stapelbroeck, validando o ajuste de população de plantas de milho à zonas de manejo na AP. O estudo foi conduzido durante as safras 2009/10 e 2010/11, onde foi avaliado cinco populações de plantas, dispostas nas zonas de manejo definidas, conforme ilustração da Figura 8.
Os anos de estudo foram favoráveis a produção de milho e a média geral foi de 11.550 kg ha-1 (212 sacos ha-1), nestas condições observou-se que o ajuste de população de milho teria um potencial de incremento de produtividade de até 10 %.
Com base nos resultados obtidos com o híbrido Pioneer 30F53YH concluiu-se que na zona de baixo potencial produtivo (ZB) a população alvo de milho deveria ser em torno de 50.000 plantas, na zona de médio potencial produtivo deveria ser de 70.000 plantas e na zona de alto potencial (ZA) maior de que 80.000 plantas.
Esse ajuste permitiria um incremento no retorno econômico na ZB de 24 % e na ZA de 6 %. O maior retorno econômico na ZB deve-se a economia na quantidade de semente e na redução da competição intraespecífica. Por outro lado, o incremento na ZA deve-se ao maior aproveitamento deste ambiente de produção (Hörbe et al., 2013).
Novas abordagens para delimitação de zonas de manejo usando além dos tradicionais mapas de produtividade, tais como: mapas de condutividade elétrica (CE), mapas de índices de vegetação e de declividade foram investigados.
Os mapas de condutividade elétrica aparente utilizados se mostraram uma eficiente ferramenta na delimitação de zonas de manejo, pois apresentaram correlação com o mapa de índice de vegetação gerado pelo N-Sensor e com os mapas de produtividade, antecipando uma importante variabilidade existente na área, com uma alta resolução espacial, antes mesmo da implantação das culturas (Figura 9). Em 2013 foram intensificados os estudos de recomendações de fertilização com base nas zonas de manejo.
Assim, iniciaram-se os estudos de ajuste de fertilização nitrogenada para cada zona de manejo consistindo em três experimentos na cultura do trigo (dois na propriedade do Sr. Rogério Pacheco e um na propriedade de Marcos Van Riel) e dois na cultura do milho (um na propriedade de Fernando Stapelbroek Trennepohl, e outro na propriedade de Rogério Pacheco).
Nestes experimentos foi possível constatar que a resposta de cada zona de manejo à fertilização nitrogenada foi diferenciada (Figura 10). Verificou-se que as zonas de baixa produtividade apresentaram os menores índices de eficiência no uso do nitrogênio, ainda diferenciaram-se das demais zonas de manejo, por apresentar limitada resposta a fertilização.
Assim, concluiu-se que a dose que maximizou a produtividade nessa zona foi inferior a zona de média, e esta por sua vez menor que a de alta. Como o nitrogênio é um nutriente com baixo efeito residual, muito móvel no solo e com forte impacto ambiental, o ajuste fino de sua dose é uma estratégia importante da AP.
Neste mesmo ano, nas avaliações comparando dois tipos de semeadora, pode-se constatar a melhor plantabilidade da semeadora pneumática equipada com sistema DPS e piloto automático, quando comparado a semeadora mecânica.
O coeficiente de variação (CV) da distribuição de plantas no sistema DPS foi de 25%, valor este 16 pontos percentuais inferior ao obtido com a semeadora mecânica. Na figura 11 é possível observar a distribuição de plantas a esquerda com a semeadora pneumática DPS e a direita com a semeadora mecânica e o comportamento no padrão de produção das espigas na lavoura.
A melhor distribuição de plantas de milho na semeadura com o sistema DPS proporcionou um incremento na produtividade de 12,5% em relação ao sistema mecânico que proporcionou uma produtividade média de 9.954 kg ha-1. Ainda, a utilização do piloto automático associado ao sistema DPS incrementou em 7% a produtividade em relação ao tratamento somente com sistema DPS, sendo a produtividade de 12.205 kg ha-1.
Em um estudo de caso, avaliando a produtividade de milho com o estudo planta a planta observou-se para o sistema pneumático com DPS que apenas 2% das plantas apresentavam produtividade inferior a 8.500 kg ha-1, sendo que no sistema mecânico, que apresentava o maior erro na distribuição de plantas, reportou-se que 18% das plantas apresentavam produtividades abaixo deste valor.
Na figura 12 é possível obervar a diferença entre os tratamentos, sendo que no sistema pneumático com DPS as plantas apresentaram uma maior homogeneidade das espigas, resultado da menor competição intra-específica, neste sistema.
No ano de 2014 o projeto Aquarius fez pela primeira vez o ajuste de população de plantas baseado em zonas de manejo em um talhão inteiro (Figura 13).
A área escolhida foi o talhão lagoa, com 135 ha, de propriedade do Sr. Fernando Stapelbroek Trennepohl, onde obteve-se um incremento econômico de R$ 222,00/ha em relação ao uso da taxa fixa de sementes e uma redução de mais de 50 % da área caracterizada como zona de baixa produtividade com base no histórico de mapas de produtividade acumulados (Figura 14).
Considerações Finais
O incremento da eficiência do uso de insumos pela utilização de novas tecnologias e princípios da AP foi um dos principais objetivos do Projeto Aquarius. Para tanto, uma importante aliança de empresas do setor privado, universidade, cooperativa agrícola e agricultores foi estabelecida. As pesquisas e intervenções foram conduzidas nas propriedades agricolas com acompanhamento técnico pela equipe do projeto.
O projeto necessitava ser conduzido por longo prazo, para que possibilitasse que as intervenções surtissem efeito e pudesse ser um referencial para interessados na adoção da AP.
A medida que novas ferramentas tecnológicas foram disponibilizadas, elas foram incorporadas ao processo produtivo. Inicialmente, utilizou-se a taxa variável simplificada de fertilização e utilização de corretivos como estratégia de redução da variabilidade espacial de atributos químicos do solo. Com o tempo e a disponibilização de novos distribuidores, evoluiu-se para a taxa variável plena com base em mapas multitemáticos.
Para o nitrogênio passouse a utilizar o sensor de cultura (NSensor) e trabalhar com uma fonte de reduzida perda por volatilização e elevada eficiência. A escarificação em áreas críticas e a profundidade variável foi utilizada visando a descompactação do solo, aumentar a infiltração e armazenagem de água no solo.
Como a ocorrência da compactação, geralmente, é regionalizada a utilização em áreas críticas é uma eficiente opção de manejo. A sobreposição de mapas de colheita possibilitou identificar zonas com muito baixa produtividade, as quais receberam adubação orgânica como estratégia de restaurar a atividade biológica do solo.
A utilização de consórcio de culturas de cobertura e a rotação soja/milho foram estratégias importantes para a ciclagem de nutrientes. A pulverização precisa possibilitou redução no uso de agroquímicos, pela diminuição do erro de sobreaplicação. O ajuste de população de plantas à zonas de manejo se mostrou uma estratégia de elevado retorno econômico.
A semeadura precisa com diminuição no erro de espaçamento de plantas na linha de semeadura proporcionada pela semeadora pneumática com sistema DPS também se mostrou uma prática importante para alcançar elevadas produtividades.
As zonas de manejo apresentaram diferentes curvas de resposta a fertilização nitrogenada nas culturas do milho e do trigo, demandando ajustes nas recomendações.
As tecnologias de agricultura de precisão quando combinadas tiveram um efeito positivo sobre a produtividade, superior ao seu uso isolado. A Figura 15 evidencia que a AP foi importante estratégia de incremento e estabilização das culturas de grãos.
Ainda, existe muito espaço para aumentar a eficiência do uso de insumos e de galgar novos patamares de produtividade com o uso das ferramentas da AP. Porém, a telemetria, logística e a gestão avançada parecem ser os próximos avanços disponibilizados aos agricultores.
Agradecimentos
Os autores agradecem a todas as pessoas que fizeram parte do projeto ao longo desta trajetória de 15 anos.
Também agradecem aos agricultores que disponibilizaram suas áreas para que os experimentos fossem conduzidos.
Referências
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