Água no calcário: um problema que afeta a eficiência da calagem e gera perdas econômicas ao produtor rural


Autores: Vilson Antonio Klein; André Guilherme Daubermann dos Reis; Delcio Rudinei Bortolanza
Publicado em: 31/12/2014

Introdução

Um dos insumos mais utilizados na agricultura, em função do caráter ácido dos solos brasileiros, é o calcário, sendo a calagem uma prática consagrada e com ótimo retorno econômico (Van Raij, 2011).

Para a sua máxima eficiência o calcário deve apresentar propriedades físicas e químicas adequadas, a dose ser definida com base em análise do solo e a distribuição ser uniforme (Alcarde, 2005).

Uma das propriedades mais importantes do calcário é o PRNT(poder relativo de neutralização total) que é composto pelo poder de neutralização (PN) que indica o teor de neutralizantes e poder de reatividade (PR) que indica a granulometria do mesmo, os dois juntos determinam de forma direta a qualidade dos calcários (Bellingieri et al. 1988).

O PRNT é obtido pela equação: PRNT = PN * PR / 100 (Brasil, 2004). Uma característica do calcário que não tem sido abordada é a capacidade de retenção de água e o incremento na sua massa em função disso. É comum a comercialização de calcário úmido, muitas vezes sob pretexto de que a utilização de calcário seco é de difícil aplicação, em função de perdas por arraste das partículas finas pelos ventos.

Embora a legislação Brasileira (Brasil, 2004) admita teor máximo de água no calcário de 10% com base em massa seca, esta água no calcário pode estar acarretando em aplicação de subdoses, gerando perdas econômicas e decréscimos na produção.

Além do fato de que o produtor estará comprando água e não calcário, por outro lado,quando vende os grãos que resultaram da sua produção, a massa de água além dos 13% é descontada.

Segundo informação da indústria, de maneira geral, a umidade em que os calcários saem da indústria é de 3%, enquanto a dos calcários extrafinos é de 1%. Novas tecnologias, como distribuição de calcário a taxa variável têm sido incorporadas visando tornar mais eficiente a aplicação de insumos para maximizar a eficiência destes, com o objetivo de atingir o ápice produtivo das culturas, mas para que tais tecnologias tenham sucesso é imperativo que a qualidade do produto e a sua capacidade de reagir no solo sejam boas (Robert, 2002).

Realizou-se o presente trabalho com o objetivo de caracterizar 10 amostras de calcário, determinando o PN e o PR e a capacidade de retenção de água em distintas tensões.

Material e métodos

Dez amostras de calcários foram coletadas de forma aleatória na região de Passo Fundo - RS. Determinou-se o PR, PN, PRNT e a retenção de água. O PN expresso em equivalente de Carbonato de Cálcio puro (CaCO3), foi determinado por meio da metodologia oficial Brasileira (Brasil, 1986).

O PR foi determinado por peneiramento, onde cada fração retida em determinada malha da peneira, possui um percentual de reatividade seguindo a metodologia oficial Brasileira (Brasil, 2004).

Com base nos resultados analisados de PR e PN, calculou-se o PRNT. Para a determinação da retenção de água no calcário, amostras foram acomodadas em cilindros volumétricos de aproximadamente 100 cm3, conforme metodologia descrita por Klein et al.(2000) e após saturadas, submetidas as tensões 2 kPa, 6 kPa, 10 kPa e 15 kPa, utilizando funis de placa porosa.

Depois de atingido o equilíbrio, as amostras foram pesadas e submetidas à tensão seguinte e por último secas em estufa a 105oC até massa constante.

Determinou-se a densidade dos sólidos do calcário, pelo método do balão volumétrico (Klein, 2014), e calculou-se a densidade do calcário, a porosidade total e a retenção de água com base em massa de calcário seco para todas as tensões aplicadas que simulam distintas alturas de montes de calcário de 0,2; 0,6; 1,0 e 1,5 m.

Resultados e discussão

Entre os calcários analisados (Tabela 1), constata-se que três apresentaram PRNT superior a 100% (C1, C2 e C4) caracterizando um calcário finamente moído e com alto poder de neutralização.

Este tipo de calcário é conhecido também como filler, por ser constituído de granulometria mais fina que 0,30 mm.Nesse sentido, quando o PR, pela moagem do calcário, atingir valores próximos de 100%, o PRNT é semelhante ao PN, dependendo então da natureza química do material (Alcarde, 2005).

Três calcários amostrados que apresentaram PRNT inferior a 70% tiveram PR abaixo de 70% (C7, C9 e C10), indicando uma granulometria grosseira, portanto de lenta reação no solo, uma vez que este é o valor percentual de corretivo que reage no solo em três meses (Brasil, 2004) e é obtido por meio da análise granulométrica.

Quanto menores forem as partículas, maior será o valor atribuído. Calcários com granulometria grosseira apresentam baixa reatividade, sendo que pela legislação 50% do calcário deve passar pela peneira de 0,3 mm, 70% deve passar pela peneira de 0,84 mm e 100% deve passar pela peneira de 2 mm (Brasil, 2004). Assim, o PR mínimo admitido para a comercialização de calcário é 68 %.

Levando isso em conta, constata-se que a amostra 9 e 10 não poderiam estar sendo comercializadas, e as amostras 7 e 8 estariam muito próximas deste limiar (Tabela 1).

A constatação de que calcários com PRNT inferior a 60% são comercializados (Tabela 1) é no mínimo preocupante, visto que, geralmente o agricultor não se preocupa em aferir tais indicadores da qualidade do insumo que está sendo aplicado. Efetivamente, um calcário com PRNT 60%, por exemplo, indica que uma tonelada deste calcário tem o equivalente a 600 kg de carbonato de cálcio puro.

As doses recomendadas são baseadas em PRNT 100%, dessa forma, quando não se leva em consideração este fator, subdoses serão aplicadas quando PRNT for menor que 100%. Nesse sentido, calcários com qualidade inferior além de não cumprirem com o objetivo de neutralizar a acidez, elevam o custo por unidade, o que aumenta o custo com a correção do solo para o produtor.

Da caracterização física dos calcários observa-se uma variação na densidade de sólidos de 2,75 a 3,06 Mg m-3 indicando a diferença do material de origem, rochas com distintas densidades. Já a densidade do calcário seco, depois de sofrer processo de acomodação dentro dos cilindros, variou de 1,52 a 1,89 Mg m-3 o que origina um volume de vazios de 0,301 a 0,473 m3 m-3.

Partículas com diâmetro superior a 2 mm não reagem no solo, as < de 2 mm e > 0,84 mm tem reatividade de 20%, as < 0,84 e > 0,30 mm tem reatividade de 60%, enquanto as < de 0,30 mm reagem totalmente no solo, no decorrer de um período de três meses. A distribuição granulométrica das amostras está apresentada na Figura 1.

A determinação da capacidade de retenção de água pelo calcário é de grande importância e ocorre em função do fenômeno da capilaridade. A capilaridade é o efeito da interação entre sólido e líquido, pois através da afinidade entre ambos (Klein, 2014) ocorre a formação de poros nos sólidos do calcário que atuam na retenção da água, além da adsorção pelas partículas.

Com o aumento das tensões houve uma diminuição do teor de água em função da ação do potencial gravitacional que promove a drenagem da água retida (Tabela 2). Então quanto mais alto for o monte de calcário, menor será a retenção na parte superior.

A máxima retenção da tensão de 15 kPa (1,5) foi de 17,8% para o calcário 1, aquele mais finamente moído (PR=99,5), enquanto que a menor retenção ocorreu pelo calcário 10 (8%) calcário com PR de 67,7%.

Estes resultados evidenciam a necessidade de se conhecer a umidade do calcário no momento da aquisição. A fase sólida tem fundamental importância na absorção e retenção hídrica, uma vez que o tamanho das partículas tem influência direta neste processo. Nesse sentido, quanto menores forem às partículas, menores serão os poros formados entre os sólidos e, como consequência, maior será a retenção.

Esta associação pode ser constatada na Figura 2, onde está apresentada a retenção de água na tensão de 15 kPa (1,5 m) em função da granulometria do calcário (PR). Destaca-se que o coeficiente de determinação é 0,7592, ou seja, o PR determina 75% da variação UG, considerando uma altura simulada de 1,5 m.

Esta, é uma relação de associação que pode ser explorada, possibilitando a utilização do PR como indicador da possível umidade de ser encontrada em calcários.

Conclusões

• A retenção de água pelo calcário é significativa

• Calcário de baixa qualidade e com PR inferior ao exigido pela legislação é comercializado na região de Passo Fundo

• Quanto mais finas as partículas do calcário maior a retenção de água.

Agradecimentos

Ao CNPq pela bolsa produtividade em pesquisa, e a FUPF pela bolsa de iniciação científica

Referências

ALCARDE, J.C. Corretivos da acidez dos solos: características e interpretações técnicas. São Paulo, Associação Nacional para Difusão de Adubos e Corretivos, 2005. 20p.(Boletim Técnico, 6).

BELLINGIERI, P. A.; ALCARDE, J. C.;SOUZA, E. Avaliação da qualidade de calcários agrícolas através do PRNT. Na. ESALQ, v. 45, p. 579-588, 1988.

BRASIL. Instrução Normativa no 4, de 02/08/2004. Secretaria de Apoio Rural e Cooperativismo (SARC). Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), 2004.

BRASIL. Ministério da agricultura. Portaria no 353 de 13 de setembro de 1986. Brasília, Secretaria da Fiscalização Agropecuária, 1986.

KLEIN, V. A. Física do Solo. 3a Ed. EDIUPF. Passo Fundo, 263pp. 2014.

KLEIN, V.A.; SIOTA, T.A.; ANESI, A.L.; BARBOZA, R. Propriedades físico-hídricas de substratos hortícolas comerciais. Revista Brasileira de Agrociência. v.6, n.3. 2000. p.218-221. RAIJ, B. van. Fertilidade do solo e manejo de nutrientes. Piracicaba: International Plant Nutrition Institute, 2011. 420p.

ROBERT, P. C. Precision agriculture: a challenge for crop nutrition management. Plant and Soil, v. 247, n. 1, p. 143-149, 2002.