Introdução
O sistema de produção soja safra - milho safrinha é sem dúvida um caso de sucesso no Brasil, uma vez que teve sua área aumentada de 2.426,40 hectares nos anos 2000 para 13.387,329 hectares em 2020. De forma mais específica, no sudoeste do Paraná, o cultivo de milho safrinha saiu de algo irrisório, ou menos de 5 mil hectares para mais de 200 mil hectares nesse período.
O lançamento de cultivares superprecoce de soja e milho com alto potencial produtivo associado a maior pressão de pragas e doenças nos meses de fevereiro e março, em especial, a ferrugem asiática da soja, estão entre os fatores que estimularam a adoção da sucessão soja - milho safrinha.
Ainda, além dos ganhos agronômicos como produção de palha e melhoria do solo, a diluição de custos fixos na propriedade e a rentabilidade do sistema estão entre os fatores que justificam sua adoção e aumento de área.
Entre os aspectos que definem o sucesso e lucratividade deste sistema, destaca-se a escolha da cultivar (grupo de maturação) e a época de semeadura, fatores esses que são passíveis de serem manejados e definidos pelo produtor. A escolha da combinação correta safra - safrinha é muito importante porque afeta não só o potencial produtivo da soja, mas também do milho safrinha.
Logo, adiantar a semeadura de materiais superprecoce de soja, naturalmente beneficia a cultura do milho, que quando semeado em janeiro, encontra melhores condições de desenvolvimento. No entanto, isso acontece muitas vezes às custas de submeter a soja a condições não tão propícias de desenvolvimento (dias curtos e temperaturas mais amenas do mês de setembro), o que pode comprometer seu potencial produtivo.
Considerando que, no final, o mais importante é a lucratividade do sistema (soja safra - milho safrinha) e não de uma cultura de forma isolada, é fundamental entender que a soja não pode ser penalizada em detrimento da busca da maior produtividade do milho ou vice-versa.
Imbuídos em entender melhor este arranjo soja safra - milho safrinha, foi conduzido um experimento ao longo das safras 2016/17, 2017/18 e 2018/19 onde foram avaliadas épocas de semeadura de soja de diferentes grupos de maturação e este efeito sobre a produtividade do milho safrinha, analisando ao final, o melhor arranjo a ser adotado para obter sucesso nesta sucessão.
Época de semeadura e grupo de maturação da soja
O comportamento dos distintos genótipos disponíveis no mercado é basicamente governado pela interação genótipo x ambiente, pois a mesma define a exposição das plantas às oscilações climáticas de cada região, sendo determinante na produtividade. Esta interação é passível de manejo, uma vez que quem define a cultivar e a época de semeadura (exceto quando ocorre déficit hídrico) é o produtor.
Desta forma, a semeadura precoce ou tardia em relação à época indicada, favorece a ocorrência de alterações fenotípicas nas plantas, que além de afetar diretamente na produtividade, determina quando o milho safrinha será semeado e colhido, afetando diretamente o potencial produtivo.
Neste contexto, foi conduzido um experimento na UTFPR campus Dois Vizinhos-PR, em delineamento de blocos ao acaso, em esquema fatorial 3 x 3, com três repetições; em que o fator A foi composto por três cultivares de soja (P95R51 RR®, P95Y52 RR® e P96Y90) e o fator B por três épocas de semeadura (10/09; 01/10 e 15/10 ±3 dias variação entre os anos), sendo a semeadura do milho safrinha (P3431VYH na 1a safra e P3380 HR nas safras seguintes) realizada no mesmo dia da colheita das cultivares de soja de ciclos distintos, totalizando 9 épocas de semeadura do milho safrinha (metade de janeiro a final de fevereiro).
É possível observar que na média das três safras, a P95R51, quando semeada em 01 de outubro, produziu 20 sacas de soja a mais por hectare em comparação a semeadura realizada no dia 10 de setembro. Isso representa uma perda de potencial produtivo de 1 saca por hectare para cada dia de antecipação de semeadura.
Já analisando a semeadura entre 01 de outubro e 15 de outubro, a diferença entre o potencial produtivo é menor, porém, continua superior para a semeadura realizada em início de outubro, possivelmente explicada também pela menor pressão de pragas (percevejo) e doenças (ferrugem) no final de ciclo. O que é positivo, uma vez que possibilita também a antecipação da semeadura do milho na safrinha. Semeadura das cultivares de soja em 15/10 inviabiliza o cultivo de milho safrinha.
O uso da cultivar P96Y90 se destaca como uma opção estratégica para abertura de janela de semeadura (10/09) uma vez que apresentou produtividade muito similar a P95R51 semeada em 01 de outubro, sendo ambas colhidas em datas muito próximas, representando a terceira e quarta época de semeadura do milho safrinha, respectivamente.
Condições climáticas
É importante considerarmos que a temperatura média e o fotoperíodo aumentam de setembro para dezembro, o que possibilita um melhor desenvolvimento da soja quando semeada no início de outubro.
Por outro lado, de dezembro para junho, os dias encurtam e a radiação e a temperatura diminuem, conforme observado na figura 2. Esses fatores afetam o desenvolvimento e potencial produtivo do milho. Conforme observado na tabela 2, o atraso da semeadura, resulta em maior período de tempo necessário para atingir a maturação fisiológica, ficando mais tempo exposto ao risco de perdas de geada.
Época de semeadura do milho safrinha e potencial produtivo
No mesmo dia de colheita da soja, fez-se a semeadura das parcelas de milho, resultando em 9 épocas de semeadura, conforme figura. 3.
Em relação ao efeito da época de semeadura sobre a produtividade do milho, se observa que para cada dia de atraso na semeadura, entre metade de janeiro e metade de fevereiro, na média dos três anos de avaliação, há uma perda de potencial produtivo de 2 sacas por ha dia. A produtividade média de milho dos três anos de avaliação variou de 8.621 para 4.113 kg/ha quando cultivado após a colheita da cultivar de soja P95R51 semeada em 10/09 e a P96Y90 semeada dia 15/10, respectivamente.
Risco de geada
Além do menor potencial produtivo, semeadura tardias podem resultar em grandes perdas por danos de geada. A figura 4 apresenta as espigas nos diferentes estádios fenológicos das diferentes épocas de semeadura em 15/05/2018. A época de semeadura 1 (ES1) ocorreu no dia 21/01 e a ES9 no dia 25/02. Isso nos mostra que além da produtividade, o risco produtivo deve ser considerado, uma vez que a formação de geadas nos estádios fenológicos R2-R3 pode representar perdas de 60-50% do potencial produtivo do milho.
Melhor arranjo soja-milho safrinha
Olhando de forma conjunta os dados de produtividade da soja e do milho (Tabela 3), é possível observar que o melhor arranjo foi a soja P95R51 semeada dia 01/10, que produziu na média dos três anos, 4885 kg/ha (81,5 sacas/ha), possibilitando a semeadura do milho safrinha no início do mês de fevereiro (3a época de semeadura), que apresentou produtividades média de 7.857 kg/ha (131 sacas/ha).
Importante destacar que no arranjo onde a soja P95R51 foi semeada em 10/09, o milho produziu 13 sacas a mais por hectare, mas a soja produziu 20 sacas a menos, em comparação à semeadura de 01/10. Ou seja, os ganhos produtivos do milho não pagam a conta da perda de produtividade da soja.
Essa relação, considerando as diferenças entre custos de produção e valor de mercado, geralmente gira em torno de 3:1, ou seja, para cada saca de soja que eu deixo de produzir na safra, faz-se necessário produzir 3 sacas de milho na safrinha somente para compensar a perda de produtividade da soja. Logo, considerando estes resultados, enfatiza-se que a segunda safra somente vai ser uma opção viável ao produtor, se ele garantir uma safra de soja de sucesso.
Viabilidade econômica da sucessão soja- milho safrinha
É importante que se entenda que a sucessão soja-milho safrinha faz parte do sistema de combinação de épocas de semeadura, espécies, arranjos que devem fazer parte de um planejamento de cultivo e uso das áreas, que representa o sistema de manejo da propriedade.
Quando o planejamento caminha no sentido de se fazer 100% da área com soja-milho safrinha, os riscos aumentam, as janelas de cultivo se tornam mais restritivas e o resultado pode expor a propriedade a altos riscos produtivos e trazer frustrações econômicas. Ou seja, este sistema deve ser adotado em parte da área, que pode variar, conforme o ano, para mais ou para menos, conforme os preços das commodities e o planejamento de médio e longo prazo da propriedade.
Nesse sentido, apresentamos abaixo (Tabela 4) uma comparação entre diferentes arranjos produtivos realizados também na UTFPR-DV na safra 2019-2020. De posse dos resultados de produtividade, custo de produção e valor de mercado das commodities, foi calculado uma série de indicadores econômicos onde é possível observar que o sistema 3 (Soja safra - milho safrinha) apresentou os piores indicadores econômicos, com lucro operacional de R$ 3.811,00/ha ao passo que o sistema mais rentável (Feijão safra - soja safrinha) apresentou lucro operacional de R$ 9.087,00/ha.
Esses resultados, variam entre os anos, em função do valor de venda das commodities, e logicamente foram superiores para o sistema feijão- soja em função do elevado preço de venda do feijão. No entanto, os demais sistemas (milho safra - soja safrinha, feijão milho safrinha, etc) também apresentaram maior lucratividade. Isso nos mostra que a diversificação é importante para diluir riscos e pode representar, ao final da safra, melhores indicadores econômicos.
Considerações finais
O trabalho nos mostrou a importância do ajuste fino entre épocas de semeadura e grupos de maturação da soja e o seu impacto na viabilidade da sucessão soja-milho safrinha. Logicamente que as condições climáticas variam de ano para ano, mas é possível afirmar que quanto maior o grupo de maturação, menor o efeito da semeadura antecipada sobre o potencial produtivo.
Também, a semeadura de cultivares de soja com grupo de maturação 5,1 a 5,4 no final de setembro, início de outubro, permite a colheita na primeira quinzena de fevereiro, abrindo uma janela de cultivo boa para o milho safrinha, representando o melhor equilíbrio entre potencial produtivo da soja e do milho segunda safra.
Além disso, a recomendação é que o produtor trabalhe com um sistema de combinação de espécies (soja, milho, feijão, trigo), ciclos e arranjos a fim de diversificar renda, otimizar capacidade operacional e reduzir riscos produtivos, que somados, no médio prazo, representará mais estabilidade produtiva e lucratividade por área.