Milho: opção para rotação de culturas e geração de renda


Autores: Fernando Mendes Lamas , Alceu Richetti
Publicado em: 31/12/2020

1 Introdução

A cultura do milho está inserida na estrutura de uma cadeia produtiva que se alonga e se integra horizontalmente. É básica para o agronegócio dinâmico moderno e estratégica para o avanço quantitativo e qualitativo do consumo de alimentos no Brasil e no mundo (Barros; Alves, 2015).

De acordo com Brasil (2019), nos últimos 10 anos houve uma mudança significativa em relação à área cultivada com milho no País. A área total cresceu 33,2%, mas esse aumento pode ser decomposto em redução de 35,5% da área do milho primavera/verão e aumento de 134,0% na área do milho outono/inverno. Este passou a ser claramente o mais importante. O consumo interno de milho, que em 2018/19 representou 65,6% da produção, deve permanecer num percentual próximo no decêndio 2021 a 2030. Isso deve exigir maior proporção de outros produtos na composição de rações para animais, como a soja. As exportações devem passar de 31,0 milhões de toneladas, em 2019, para 41,4 milhões de toneladas, em 2028/29, podendo chegar a 60,7 milhões de toneladas. Para manter o consumo interno projetado de 74,8 milhões de toneladas e garantir um volume razoável de estoques finais e o nível de exportações previsto, a produção deverá situar-se entre 114,5 e 140,0 milhões de toneladas, em 2028/29. Segundo técnicos que trabalham com essa cultura, a área deve aumentar mais do que está sendo projetado e talvez se aproximar mais do seu limite superior que é de 24,1 milhões de hectares. Há que considerar que as projeções indicam produtividade crescente nos próximos anos, especialmente do milho de segunda safra (Brasil, 2019).



2 O cultivo de milho no Brasil Central

Na Figura 1 está representada de forma gráfica, a evolução da área cultivada com milho safra e segunda safra no Brasil, no período de 2009/2010 a 2019/2020, onde verifica-se aumento da área cultivada com milho segunda safra e redução da área cultivada com milho safra. Comportamento semelhante verifica-se em Mato Grosso do Sul e em toda região Centro Oeste (Conab, 2020). Do ponto de vista de abastecimento, o desequilíbrio entre as áreas de safra e segunda safra, exige uma atenção constante pois, especialmente no Paraná e Mato Grosso do Sul, onde são cultivados mais de 4 milhões de hectares com milho segunda safra, não muito raramente ocorrem temperaturas que limitam a produtividade. Daí a importância de se observar com critério o que é estabelecido no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) em relação à época de semeadura.

O milho segunda safra, popularmente denominado milho safrinha, é cultivado em áreas anteriormente cultivadas com soja. A semeadura do milho é realizada imediatamente após a colheita da soja, em plantio direto. A viabilidade da sucessão soja-milho safrinha em plantio direto, no cerrado, depende de adequada produção de resíduos na superfície do solo, o que pode ser obtido através do cultivo consorciado de milho com forrageira perene (Ceccon; Concenço, 2014)

Através das Figuras 2 e 3 é possível visualizar a evolução da área cultivada com milho primeira e segunda safra, no Brasil, durante o período compreendido entre os anos de 2003 a 2016. Nos estados da região centro-sul do Brasil, verifica-se significativa redução da área com milho de primeira safra e aumento do de segunda safra.


Assim como aumentou a área cultivada com milho, as exportações do grão também aumentaram ao longo do período analisado. No período de 2010 a 2019, dos Estados da região Centro-Oeste, Mato Grosso é o maior exportador de milho. Em 2010, Mato Grosso exportou pouco mais de 6,77 milhões de toneladas, enquanto Goiás e Mato Grosso do Sul pouco exportaram, sendo 546,89 mil e 654,78 mil toneladas, respectivamente. Em 2019, esses Estados exportaram 32,57 milhões de toneladas. Desse total, 76,39% correspondem a Mato Grosso, 15,46% a Goiás e 8,15% ao Mato Grosso do Sul (Figura 4).

Durante o período de 2010 a 2015, os preços do milho permaneceram estáveis. Em 2016 tiveram forte aumento devido à queda na produtividade, em consequência da instabilidade do clima no outono/inverno, principalmente em Mato Grosso do Sul. Em 2017, o preço voltou aos patamares anteriores, mas, a partir desse ano, os preços se acentuaram novamente, em consequência do aumento da demanda. Comparando-se os preços de 2019 com os de 2010, em Goiás o aumento foi de 89,85%; em Mato Grosso, de 141,44%; e em Mato Grosso do Sul 94,75% (Figura 5).

Durante o ano de 2019, os preços oscilaram entre R$ 28,17 e R$ 38,83, em Goiás, aumento de 37,84%; em Mato Grosso do Sul, entre R$ 28,34 e R$ 35,96, com aumento de 26,89%; e em Mato Grosso, entre R$ 21,44 e R$ 30,76, um incremento de 43,47%. Nos últimos três meses do ano os preços estiveram acima dos R$ 30,00/sc.

Em 2020, os preços iniciaram o ano em alta e elevaram-se até o mês de março e, a partir desse mês foram sendo reduzidos até junho. Em julho de 2020, iniciaram uma elevação gradativa. No período de janeiro a agosto, os preços em Goiás tiveram redução de 2,95%, enquanto em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso houve aumento de 7,42% e 7,20%, respectivamente (Figura 6).
Salienta-se que os preços do mês de agosto de 2020 são parciais e referem-se às duas primeiras semanas.

Quando se analisa a produtividade de grãos do milho segunda safra, em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e do Brasil, verifica-se no período de 2009/2010 a 2019/2020 variações da produtividade entre os anos, com tendência de aumento (Figura 7). No último ano analisado, a produtividade em Mato Grosso, se distanciou da dos demais estados avaliados para maior. A oscilação da produtividade ao longo do tempo, pode ser atribuída principalmente a estresse de natureza abiótica, especialmente deficiência hídrica, as vezes associada a ocorrência de temperaturas infra ótimas e até ocorrência de geadas. Isso mostra o grau de risco do cultivo de milho segunda safra.

No modelo de produção predominante na região Centro-Oeste do Brasil, há o predomínio do cultivo da soja no período de primavera verão. Foram 16.640.100 ha de soja na safra 2019/2020 e 8.888.100 ha de milho no outono-inverno na safra 2020 (Conab, 2020). Além do milho cultivado no período de outono-inverno, no estado de Mato Grosso foram cultivados 990.356 ha com algodão segundo o Instituto... (2020). Outras espécies como sorgo, aveia, trigo, girassol, feijão, gergelim e plantas de cobertura, também são cultivadas no período de outono inverno. A área total cultivada com milho na região Centro-Oeste, na safra 2019/2020, foi de 9.245.400 ha, ou seja, 96,13% do milho na região é cultivado no período de outono inverno. A produção de milho na região é altamente concentrada no período de outono inverno.
Considerando o crescimento da produção de aves, suínos e de bovinos em confinamento, que tem como base de sua alimentação o milho e a crescente utilização milho como matéria prima para a produção de etanol, o modelo de produção atualmente predominante deixa esses setores com altamente vulneráveis. Em Mato Grosso e Goiás já existem várias usinas de produção de etanol a partir do milho. No munícipio de Chapadão do Céu, GO, a CerradinhoBio deverá produzir 230 milhões de litros de etanol e 150 mil toneladas de DDG (subproduto utilizado como componente de ração animal), a partir de 550 mil toneladas de milho. Com o tempo, o contínuo cultivo de soja/milho pode deixar de ser competitivo por questões agronômicas. Fazendo um recorte da região e trazendo para análise a realidade de Mato Grosso do Sul, onde foram cultivados 3.016.400 ha com soja e 1.840.000 ha com milho de outono inverno, do total de 1.885.000 ha, ou seja, 97,61% do milho produzido no Estado é de segunda safra, o que deixa o sistema de criação de aves, suínos e de confinamento de bovinos com elevado grau de vulnerabilidade, em virtude da dependência do milho produzido no período de outono-inverno, dadas as incertezas climáticas e consequente variabilidade da produtividade (Figura 7). Além da monocultura soja /milho que sob o ponto de vista agronômico é desaconselhável, devido aos impactos negativos sobre o solo, reduzindo o seu potencial produtivo, o sistema de produção torna-se muito sensível aos efeitos negativos de fatores bióticos e abióticos. De acordo com o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), para redução do risco, o milho deve ser semeado no primeiro decêndio do mês de março. O risco de redução da produtividade aumenta significativamente em semeaduras realizadas após este período, em função da ocorrência de geadas, especialmente na região mais ao Sul e deficiência hídrica.
Diante deste quadro, o que pode ou deve ser feito para reduzir os riscos advindos do modelo de produção atualmente em uso?

Trabalhos experimentais conduzidos em Dourados, MS, mostraram que, dependendo do sistema de produção utilizado, a produtividade de grãos do milho de primavera/verão atinge 10.000 kg/ha (Gonzáles, 2019), o que pode ser considerado uma excelente produtividade. Resultados desta natureza, não deixam dúvidas sobre o potencial produtivo do milho em Dourados, MS, quando semeado no período de primavera/verão, o que é altamente recomendável sob o ponto de vista de rotação de culturas. Trabalhos conduzidos no início da década de 1990 por Mascarenhas et al. (1993) indicam que o milho se beneficia significativamente, em termos de produtividade de grãos, quando cultivado em rotação com a soja. A inclusão do milho semeado na primavera/verão contribui sobremaneira para viabilizar o sistema plantio direto. Se cultivado em consórcio com plantas de cobertura como as braquiárias, crotalárias, dentre outras, propicia adequado aporte de palha ao sistema, indispensável para a sustentabilidade do sistema plantio direto e para mitigação de gases de efeito estufa. A rotação de cultura beneficia a qualidade do solo, interfere na dinâmica de pragas, doenças e plantas daninhas, o que resulta em aumentos na produtividade de todas as culturas econômicas envolvidas no sistema de produção, podendo ainda reduzir os custos de produção pela racionalização do uso de insumos. Do mesmo modo, a rotação de culturas tem se revelado uma prática essencial para aumentar a estabilidade da produção das culturas face às variações climáticas comumente observadas, não só pela melhoria na qualidade do solo e pela produção de cobertura (Franchin; Costa, 2011).
O conjunto desses problemas pode trazer também o aumento dos custos de produção face à concorrência de estresses bióticos e abióticos Em trabalhos desenvolvidos pela Embrapa, em Goiás, a produção de milho + espécie do gênero braquiária, semeado no período primavera/verão, é superior a 8 T/ha (dados não publicados). Utilização de diferentes espécies vegetais para produção de grãos e/ou forragem permite a diversificação da renda da propriedade, reduzindo os riscos de mercado e de clima inerente à atividade agrícola. Portanto, é possível afirmar com segurança que a rotação de culturas é um investimento de médio-longo prazo com retorno garantido (Franchin; Costa, 2011). Sob o ponto de vista técnico não nos restam dúvidas da viabilidade do cultivo do milho no período de primavera/verão, especialmente quando consorciado com uma espécie de planta para cobertura ou planta de serviço, tanto na região Sul como no Norte e Nordeste de Mato Grosso do Sul.

3 Considerações finais

Com a expectativa de aumento de consumo interno tanto para alimentação humana, alimentação animal, produção de etanol e das exportações, sob o ponto de vista econômico, o milho é excelente alternativa de geração de renda, além de melhorar o sistema de produção de soja e de algodão, principalmente, proporcionando maior estabilidade na produção das espécies componentes dos sistemas de produção. Considerando a importância estratégica do milho para a economia brasileira e para a sustentabilidade dos sistemas de produção, seria recomendado a formulação de uma política pública que tivesse como objetivo fundamental, incentivar o cultivo do milho na primavera-verão.

Referências

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