Dificuldades e soluções para o cultivo de soja nas terras baixas da Metade Sul do Rio Grande do Sul


Autores: Felipe de Campos Carmona
Publicado em: 31/12/2020
Introdução

A principal região de cultivo de soja no Rio Grande do Sul é o Planalto, que apresenta solos profundos e bem drenados, o que favorece o desenvolvimento da cultura. Nos últimos anos, entretanto, vem aumentando o interesse pelo cultivo de soja em regiões de menor tradição, como a metade Sul do Estado, em parte, impulsionado pela necessidade da orizicultura gaúcha em ter uma alternativa eficiente para reduzir o banco de sementes de plantas daninhas da cultura, especialmente o arroz vermelho, e que, ao mesmo tempo, contribua para a sustentabilidade econômica da propriedade. Ilustram este fato os números crescentes de área cultivada em solos arrozeiros, sendo que na safra 2009/10 a área cultivada foi de apenas 11.150 ha, passando a 341.
565 ha na safra 2019/20 (IRGA, 2020). Além disso, nos últimos anos tem havido uma expressiva conversão de campos nativos da metade sul do Estado em lavouras de soja, o que torna esta região uma das principais fronteiras agrícolas para a expansão desta cultura no Brasil atualmente.

Caracterização dos solos de várzea e dificuldades impostas ao cultivo da soja

Os solos de várzea representam cerca de 20% da área total do Estado e são encontrados em grandes extensões na região das planícies costeiras do RS, principalmente junto às lagoas. São também muito comuns nas planícies de rios na Depressão Central (Sinos, Taquari, Caí e Jacuí) e Campanha (Ibicuí, Santa Maria, Quaraí) (KLAMT et al., 1985).
A classe dos Planossolos (incluindo Gleissolos associados) é a mais representativa (56% do total de áreas de várzea), seguindo-se, em ordem decrescente, dos Chernossolos (16,1%), Neossolos (11,6%), Plintossolos (8,3%), Gleissolos (7,1%) e Vertissolos (0,9%) (PINTO et al., 2004). A principal característica desses solos é a má drenagem ou o hidromorfismo. Já os solos de várzea localizados em cotas mais altas e em desnível, em geral, têm melhores condições de drenagem. As características inerentes a esses solos e sua grande extensão na ocupação territorial do Estado, consolidaram o RS como o maior produtor de arroz irrigado do Brasil.

Apesar da tradição arrozeira, muitos são os exemplos de que a soja pode ser cultivada com sucesso nas terras baixas do RS.
Entretanto, esses solos representam ambientes bastante diversos da região tradicional de cultivo no Estado. O principal desafio que o ambiente de várzea impõe ao cultivo de soja é relacionado a dois estresses diametralmente opostos: o excesso hídrico (Figura 1a), já que a granulometria, especialmente dos planossolos, desfavorece a infiltração de água, causando excesso hídrico e prejuízos à nodulação da soja; e o déficit hídrico (Figura 1b), visto que parte dos solos arrozeiros oferecem pouca profundidade para o desenvolvimento radicular, reduzindo o acesso aos estoques de água em profundidade em períodos de estiagem, que são mais frequentes na metade sul do Estado (Figura 2).
Some-se a isso, o alto conteúdo de silte em grande parte dos solos de várzea, o que confere uma condição de plantabilidade particularmente dificultada neste ambiente (Figura 3).

Além dos aspectos climáticos e os relacionados à física do solo, outros dois fatores têm efeito importante influência sobre o desempenho do cultivo da soja nas terras baixas do RS: a acidez do solo e a disponibilidade de nutrientes. Naturalmente, a maior parte dos solos de várzea, que compõe as seis regiões orizícolas do Estado apresenta limitações relacionadas a estes atributos.
Em estudo realizado pelo Instituto Rio-Grandense do Arroz, com cerca de 20 mil amostras de solo enviadas ao seu laboratório entre os anos de 2009 e 2011, observou-se que apenas 6,0% do total de amostras analisadas estavam com pH do solo acima de 6,0 sendo que os restantes 94% necessitariam de aplicação de corretivos de acidez para proporcionar as melhores condições ao cultivo (Tabela 1).

Já com relação aos níveis de fósforo no solo, a situação não é tão distinta, já que neste universo de amostras, 87% do total apresentou teores de fósforo entre muito baixo e médio (Tabela 2). A Fronteira Oeste é região com menor disponibilidade de P no solo, onde a grande maioria deles (71%) se encontra na classe Muito baixo e outros 20% se encontram na classe Baixo.

Superando as dificuldades impostas ao cultivo da soja nas terras baixas do RS

Dentre as dificuldades impostas, a de solução mais simples (embora frequentemente a mais dispendiosa) está relacionada à correção dos níveis de acidez do solo, assim como ao correto aporte de nutrientes para a cultura.
As recomendações de adubação e calagem no RS de modo geral já estão consolidadas (CQFS, 2016), e sua aplicação depende do correto diagnóstico do status do solo, assim como das possibilidades de investimento do produtor.

Já com relação ao excesso hídrico, são necessários ajustes para promover o escoamento superficial e completa eliminação do armazenamento superficial de água em zonas do terreno. Para isso, é necessária uma avaliação das linhas de fluxo de água no sentido de identificar a densidade adequada dos drenos a serem construídos. Este sistema de drenagem é constituído de drenos superficiais, executado normalmente com valetadeira rotativa (Figura 4a), sulcador tipo “pé de pato”, ou até mesmo com rodas de ferro (Figura 4b).
São drenos executados antes da semeadura dos cultivos de forma a garanti-lhe boas condições de drenagem na época da semeadura. A função desses drenos é facilitar o escoamento superficial durante chuvas intensas e eliminar os armazenamentos de água na superfície do solo que se formam nas depressões do terreno. Mas não apenas isto. É preciso ter atenção também ao sistema de macrodrenagem, que deve ser concebido de acordo com as condições topográficas, tipo de solo e ao regime pluviométrico do local, para escoamento dos maiores volumes de água das chuvas (Figura 4c).

Já o déficit hídrico pode ser mitigado através do aproveitamento da estrutura de irrigação já presente na área, caso o cultivo da soja se dê em rotação com o arroz irrigado (Figura 5).


Há várias experiências bem sucedidas nesse sentido, tanto em lavouras sistematizadas em cota zero, quanto em áreas com leve declividade. No município de Camaquã, por exemplo, trabalho conduzido em uma propriedade local por extensionistas do IRGA, demonstrou ser possível obter bons resultados inclusive em áreas com declive de até 5% com taipas, alocadas para favorecer a condução uniforme de água na lavoura (Figura 5). Em uma safra marcada por uma estiagem histórica, o rendimento na área irrigada foi de 54 sacos/ha, enquanto na não irrigada, de apenas 14 sacos/ha.

Este manejo, também chamado de irrigação “por banhos”, é mais frequentemente utilizado em áreas niveladas em cota zero, ou em relevo suavizado.
Na safra 2019/20, foi implantado um estudo com mais de 30 variedades de soja no Centro Tecnológico Integrar/Agrinova, em Capivari do Sul. A forte estiagem que se abateu sobre a região demandou dois “banhos” estratégicos, equivalentes a precipitações de cerca de 100 mm cada (Figura 6). Os resultados em produtividade de grãos variaram de 80 a 127 sacos/ha.

Considerações Finais

A expansão do cultivo de soja, não apenas em solos de várzea, como na Metade Sul do RS em geral, vem se intensificando nos últimos anos e tem grande potencial de crescimento. Entretanto, o conhecimento das características e propriedades dos solos de várzea é essencial para a adoção de práticas de irrigação, de drenagem, de correção da acidez, de fertilização e de manejo para obter alta produtividade da soja, com menor custo e menores probabilidades de insucesso no seu cultivo.

Referências
Instituto Rio-Grandense do Arroz (IRGA). Safras. Disponível em https://irga-admin.rs.gov.br/upload/arquivos/202009/16175542-soja-produtividades-municipais-safra-2019-20.pdf Acesso em 23 de setembro de 2020.

KLAMT, E.; KÄMPF, N.; SCHNEIDER, P. Solos de várzea do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Departamento de Solos, UFRGS, 1985. 43p. (Boletim Técnico de Solos, 4).

PINTO, L.F.S.; LAUS NETO, J.A.; PAULETTO, E.A. Solos de várzea do Sul do Brasil cultivados com arroz irrigado. In: GOMES, A.S.; MAGALHÃES, A.M. Arroz Irrigado no Sul do Brasil. Brasília: Embrapa, 2004. cap.3, p.75-96.

STRECK, E.D.; KAMPF, N.; DALMOLIN, R.S.D.; KLAMT, E.; NASCIMENTO, P.C.; SCHNEIDER, P.; GIASSON, E. & PINTO, L.F.S. Solos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, EMATER/RS-ASCAR, 2008. 222 p.