A adubação verde e o plantio direto


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Publicado em: 30/04/2010

A prática do plantio direto evoluiu com a necessidade de reduzir a erosão do solo, de melhorar a eficiência na produção, de baixar custos e de recuperar a qualidade de água e de outros recursos naturais. Tornou-se uma prática generalizada pelos benefícios e vantagens. Alguns autores consideram o plantio direto como sistema, quando na realidade é uma prática de semeadura, imprescindível para a sustentabilidade da produção agrícola.

O gestor de conservação de solos e recursos naturais da FAO, Theodor Friedrich, critica o plantio direto como sistema e defende a prática do plantio direto somada com a rotação de cultura e a produção de palha. As três práticas combinados e inter-dependentes formam o conceito de agricultura conservacionista ou agricultura durável (Revista Plantio Direto n° 109).

Destaca que qualquer uma das práticas isoladas deixará de chegar aos resultados desejados e necessários, para a sustentabilidade dos sistemas de produção de grãos. A importância da palha e da cobertura permanente do solo pode ser comparada com a da pele na proteção do corpo de animais. A palha protege contra a radiação solar, a desidratação e o impacto das gotas de chuva, e favorece a atividade biológica.

Talvez um dos pontos mais críticos da adoção do plantio direto esteja na simplificação do processo em semear sem lavrar. Falta, na maioria das lavouras, o planejamento de sistemas de rotação de culturas, com foco na produção de palha e no manejo eficiente dos processos químicos, físicos e biológicos da fertilidade de solos. Nesse artigo serão desenvolvidos aspectos relacionados com a importância da produção de palha e a necessidade de inserir a adubação verde nos sistemas de produção de grãos ou da integração lavoura-pecuária.

Composição da matéria orgânica

As plantas necessitam de 16 elementos considerados essenciais para o crescimento vegetativo e para a produção de grãos. Os três elementos de maior volume formam os carboidratos. O carbono, o hidrogênio e o oxigênio, somados, atingem aproximadamente 90% da composição da matéria vegetal seca. Esses três elementos podem ser quantificados em toneladas por hectare e ser considerados os meganutrientes.

Eles fazem partes dos elementos agrupados em ciclos gasosos, sendo extraídos do ar e da água e incorporados na biomassa vegetal, no processo de fotossíntese. Na decomposição da matéria orgânica, esses três elementos voltam à atmosfera na forma de gás. Dos outros 13 elementos essenciais, seis são considerados micronutrientes e o consumo nas plantas é medido em kg por hectare.

São eles: nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre. Os demais elementos são considerados micronutrientes e o conteúdo nas plantas é medido em grama ou miligrama por hectare. São eles: boro, cloro, cobre, ferro, manganês, molibdênio e zinco. Além desses 16 elementos essenciais, resultados de pesquisas recentes sugerem a inclusão do silício, do cobalto, do selênio e do níquel, como elementos complementares para o desenvolvimento normal de algumas plantas.

O carbono e a matéria orgânica

O carbono faz parte de todas as cadeias de elementos nas plantas e ocupa entre 35% e 57% na composição da matéria seca. É o elemento com maior participação na composição vegetal, seguido do oxigênio e hidrogênio. Os três elementos juntos compõem aproximadamente 90% da matéria vegetal seca. O carbono é o elemento de maior volume e imprescindível em todos os processos físicos, químicos e biológicos da fertilidade do solo.

Portanto, manejar solos para lavouras de alta produção significa manejar carbono. O agricultor, verdadeiramente, é um manejador de carbono que produz alimentos para a humanidade. Para a produção de biomassa vegetal o carbono é extraído do ar. São necessários 3,66 kg de CO2, no processo da fotossíntese, para produzir 1 kg de carbono na composição vegetal.

No processo inverso, da fragmentação, decomposição e mineralização da matéria orgânica o carbono volta para a atmosfera na forma de CO2. O solo necessita de carbono, continuamente, para a máxima produção de biomassa e rentabilidade de grãos. O teor de 1 % de material orgânico na camada de 10 cm no perfil do solo é equivalente a 10 t/ha.

Dados de pesquisa sugerem a necessidade de adicionar em torno de 6 t/ha/ano de palha para manter as demandas das atividades biológicas, físicas e químicas do solo, em ambientes de clima tropical e subtropical. O agricultor necessita compreender a importância estratégica do carbono (matéria orgânica) para aumentar os teores de nitrogênio e absorver maior quantidade de água no solo.

Os 13 macro e micronutrientes, depois do C, H e O, são os sais e metais que restam da queima de material orgânico ou da mineralização, na cadeia trófica de decomposição vegetal. De forma geral, são as cinzas. Os teores desses elementos variam com o estádio de crescimento das plantas e com a espécie vegetal, entre 6% e 12% da composição da matéria seca.

A ciclagem de nutrientes

Os ciclos da água, do carbono e do nitrogênio iniciam no estado de gás e terminam, outra vez, no estado gasoso. Eles são interdependentes e nenhum deles aumenta os teores no solo de forma isolada e estável. Por isso, a insistência no aumento de teores de matéria orgânica (carbono) no solo, pois, com ele, aumentam também os teores de nutrientes e a capacidade de absorção e de armazenagem de água.

Na biomassa vegetal seca, em torno de 9% do conteúdo é de sais e metais essenciais para as plantas. O maior volume dos 13 elementos é de N, P e K, e são aqueles aplicados como fertilizantes nas lavouras. Na colheita de três toneladas de grãos de soja são extraídos do solo e exportados da lavoura o equivalente a 500 kg de uma fórmula de fertilizantes NPK 36 9 12, além dos outros elementos essenciais na composição dos grãos.

Portanto no balanço de nutrientes e no planejamento de produção da lavoura a médio e longo prazos é necessário incluir a adubação verde e a rotação de culturas, objetivando a ciclagem de nutrientes no solo e aumentar os teores de matéria orgânica, com base em carbono, que traz todos os demais elementos essenciais associados com ele.

A produção de 5 kg/m2 de biomassa na adubação verde equivale a 50 t/ha. Considerando 20% de matéria seca, resulta na produção de 10 t/ha. Com base no conteúdo de 9% de sais e metais chega-se à ciclagem de 900 kg de nutrientes (N, P, K, Ca, Mg, S...). Considerando que as formulações de fertilizantes comerciais têm menos de 50% do conteúdo em elementos disponíveis, pode se estimar a ciclagem equivalente a 2 t/ha de fertilizantes comerciais, adicionados ao sistema de produção, de forma equilibrada e disponível, depois da mineralização, para as culturas seguintes.

Além de adotar a prática de cultivo de plantas para a adubação verde é necessário entender e adotar a prática de fertilização dos solos e a nutrição das plantas em cada sistema de produção da lavoura.

A metade ou parte do fertilizante destinado à cultura principal deveria ser aplicado nas plantas cultivadas para adubação verde. Assim, aumentará a quantidade de biomassa e disponibilizará maior quantidade de elementos ciciados na matéria seca. A adubação verde é necessária e essencial para a estabilidade química, física e biológica do solo e essencial para alcançar metas crescentes de produção.

Glomalina e exsudatos de raízes

As plantas produzem exsudatos no processo de crescimento das raízes. Esses líquidos exsudados pelas plantas criam ambiente externo para o crescimento das células da ponta de raizes (coifa) no solo, formam massas gelatinosas ao redor das raízes. A glomalina agrega a argila, matéria orgânica e é habitada por microrganismos, principalmente micorrizos, formando ambiente complexo de agregados, necessários para pleno desenvolvimento das raízes.

A glomalina foi descoberta em 1996, pela pesquisadora Sara F. Wright, nos Estados Unidos. Ela considera que entre 30% e 40% da composição da glomalina é de carbono, armazenado nas unidades de proteínas e de açúcares. A glomalina faz a ligação da matéria orgânica com as partículas de silte, de areia e de argila, formando aglomerados e estruturas estáveis do solo.

A glomalina é responsável pela retenção de 27 % do carbono existente no solo e o principal componente da matéria orgânica estável. A importância da glomalina na relação entre os exsudatos de raízes, os micro-organismos e os elementos químicos e físicos no solo, ainda é pouco conhecida.

Mas, de forma geral, pode se afirmar que o aumento da produção de material orgânico (carbono estável) no solo é o fator de equilíbrio e de eficiência na atividade biológica, na estrutura física e nas interações químicas do solo. Outra vez se destaca a necessidade de adubação verde e cobertura permanente com plantas e raízes para melhorar todos os processos da fertilidade do solo.

A rotação de culturas e a adubação verde

A lógica da rotação de culturas foi desenvolvida, inicialmente, no Hemisfério Norte, como prática necessária para reduzir as populações de pragas, doenças, nematoides e para a ciclagem de nutrientes. O inverno frio, com temperaturas médias negativas paralisa o crescimento de plantas e mantém pragas e doenças em dormência no solo, por vários meses. Nesse ambiente, o padrão de manejo de lavouras é de uma cultura por ano e as rotações de culturas são anuais.

No Brasil, sob condições de clima tropical ou subtropical e abundância de chuvas, a atividade biológica é muito mais intensa, diversificada e ativa durante o ano todo. Compreender essa diferença de clima e de atividade biológica é necessário para entender o vigor da adubação verde como prática essencial na agricultura em climas tropicais e subtropicais, com intensas chuvas.

A produção de matéria orgânica é imprescindível para ciciar nutrientes e para manejo de pragas, doenças e plantas daninhas, no sistema de produção de grãos. Nesses ambientes podem ser cultivadas três culturas no mesmo ano, formando sistemas diversificados e com intensa atividade biológica, que acelera os processos de decomposição de material orgânico, necessário para a supressão de populações de patógenos causadores de doenças, pragas e nematoides.

Espécies cultivadas

Existe grande quantidade de espécies de plantas que podem ser usadas para adubação verde nos sistemas de produção que envolvem soja, trigo, milho e pastagens. Porém, sobram poucas espécies possíveis de serem cultivadas, pela disponibilidade de sementes, adaptação à época de semeadura e compatibilidade com outras práticas culturais.

No passado recomendava-se a alternância de espécies ou de grupos de plantas (gramíneas, leguminosas, crucíferas) no inverno e no verão. Mais recentemente, a adubação verde está sendo preconizada com a mistura de diferentes espécies de plantas, objetivando maior produção de biomassa vegetal e diversidade de fauna. Com isso, estimulando o controle biológico natural de pragas e doenças. No Sul do Brasil as culturas de aveia, azevém e nabo-forrageiro são as mais utilizadas para adubação verde no outono e no inverno.

Nos cerrados predominam o milheto, a braquiária o sorgo e pastagens. Nos meses de verão são cultivadas as plantas geradoras de renda e na safrinha esporádica a produção de palha e cobertura de solo. As pastagens são importantes alternativas viáveis para utilizar como adubação verde em lavouras destinadas a produção de grãos. A integração entre lavoura e pecuária é um sistema que resulta em estabilidade de renda e atende as demandas dos processos químicos, físicos e biológicos da fertilidade de solos.

A distribuição e o manejo de palha

 A importância da palha na cobertura do solo é indiscutível. Entretanto, o manejo dessa palha nas lavouras ainda é primitivo, em relação à evolução do conhecimento e as necessidades da planta. O aspecto que necessita ser melhorado é a uniformidade de distribuição da palha nas colhedoras. São raras as lavouras de soja e de milho, colhidas, que tem a palha distribuída satisfatoriamente.

A grande maioria das lavouras de soja e de milho apresenta a distribuição da palha em faixas delimitadas e percebidas à longa distância. O índice de colheita é a relação entre a produção de grãos e de palha. Em soja essa relação é de aproximadamente 60% de palha em relação ao peso total de grãos e palha na parte aérea. Em milho o índice de colheita é de aproximadamente 90% de palha.

Em soja, a baixa produção de palha, evidencia a importância da rotação com milho e a necessidade de adubação verde no sistema de produção. Numa lavoura de soja com a produção de 3.000 kg de grãos, haverá aproximadamente 2.000 kg de palha. O conteúdo dessa palha é de aproximadamente 90% de carbono, hidrogênio e oxigênio, que fazem parte de ciclos gasosos. Esses elementos são extraídos do ar e voltam para a atmosfera, quando queimados ou degradados por microrganismos nas cadeias tróficas de decomposição da matéria orgânica.

A temperatura da superfície

A radiação solar direta na superfície da solo causa aquecimento em níveis letais para raízes, microrganismos e atividade biológica. É relativamente fácil medir e entender a importância da temperatura da superfície do solo sobre a atividade biológica, o crescimento de raízes e sobre a perda de água. Solos desnudos expostos à radiação solar, com déficit hídrico, atingem temperaturas superiores à 60 graus Celsius.

Enquanto, na superfície coberta com palha as temperaturas são pouco acima de 30 graus. Considerando que temperaturas acima de 40 graus são letais para raízes e para microrganismos, é compreensível entender a importância da cobertura permanente do solo.

Semeadura para adubação verde

Nos processos de adubação verde e de rotação de culturas é importante ganhar tempo para maior produção possível de biomassa vegetal. Entre as estratégias utilizadas se destacam a semeadura mesclada de culturas para a geração de renda e para a adubação verde, ou cobertura de solo. Essa prática está sendo usada nos cerrados brasileiros.

A braquiária é semeada entre as fileiras de milho safrinha, plantado depois da colheita de soja, em fevereiro. Na colheita do milho, a braquiária se encontra dominada, mas no início da fase de maior crescimento vegetativo, aproveitando a umidade restante do solo. Com isso, produz pastagem, palha e raízes. É um sistema de pleno êxito e viável na integração entre lavoura e pecuária, com benefício mútuo.

A combinação de milho, girassol e sorgo safrinha com pastagens, crotalária e outras espécies é viável e necessária nos cerrados. Outra prática utilizada é a sobressemeada. Na fase de maturação fisiológica da cultura principal (soja, algodão) pode-se fazer a semeadura de gramíneas, crucíferas ou leguminosas para adubação verde ou para pastagem, com avião ou com distribuidor de fertilizantes tratorizado.

A semeadura com avião é utilizada para algumas culturas e, principalmente, para pastagens em áreas de difícil acesso com máquinas convencionais. A semeadura a lanço com equipamentos tratorizados pode ser feita nos caminhos de pulverizadores ou planejados para tráfego controlado, na fase de maturação fisiológica da soja.

Um mês depois, na colheita da soja, a cultura para adubação verde já se encontra estabelecida e no início da fase de maior crescimento vegetativo, e cobrindo a lavoura de adubação verde. Em alguns casos, agricultores fazem a distribuição de sementes de azevém, aveia, nabo, ervilhaca ou pastagem, logo depois da colheita, na primavera. As sementes permanecem na lavoura e nascem no outono seguinte, depois da colheita de verão, quando as condições de ambiente são favoráveis. Essa forma de semeadura exige maior quantidade de sementes, mesmo assim, resulta em germinação desuniforme.

A sobressemeadura permite ganhar até um mês no ciclo das culturas destinadas à adubação verde. No Sul do Brasil, permite a produção de biomassa vegetal no outono, entre as culturas de verão e a de inverno. Nos cerrados, a sobressemeadura é importante para aproveitar a água restante das últimas chuvas de verão, garantindo o estabelecimento das plantas para cobertura de solo e adubação verde.

Pragas e doenças

Talvez um dos pontos mais críticos da adoção do plantio direto está na simplificação do processo em: semear sem lavrar. Falta, na grande maioria das lavouras o planejamento de sistemas eficientes de manejo de solos, nutrição equilibrada, supressão de doenças e pragas. A adubação verde desempenha função importante na produção de biomassa diferente das culturas principais.

É a rotação de culturas num período curto, com alternância de atividade biológica, ciclagem diferente de nutrientes e produção de exsudatos e fenóis que agem na atividade biológico de fungos patogênicos, nematoides e pragas. Em geral, as plantas para cobertura de solo e adubação verde devem ser semeadas com maior população, para aumento rápido de biomassa, seguido da dessecação e decomposição acelerada.

Em resumo, grande quantidade de biomassa, com intensa atividade biológica, num curto período de tempo. A fauna associada ao plantio direto se assemelha à de pastagens e de campos nativos. É diferente da fauna encontrada em florestas e matas ciliares. Portanto, a adubação verde com espécies que criam ambiente de vegetação fechada, diferente de campos nativos, dificulta a sobrevivência de pragas e patógenos.

O ambiente de sombra e de maior umidade na superfície do solo, com vegetação fechada, favorece entomopatógenos e outros fatores de supressão, estimulando o controle biológico natural.

Benefícios da adubação verde

A adoção do plantio direto foi importante passo para a sustentabilidade da produção de grãos. Junto, evoluíram a genética e as práticas de manejo cultural, novas doenças e pragas, e alguns fatores limitantes. O preço crescente de fertilizantes e de petróleo, e a necessidade de proteger os recursos naturais exigem novas estratégias de manejo de lavouras.

Além da necessidade de maior eficiência na produção obrigam o agricultor a estabelecer metas de aumento no rendimento de grãos. A cobertura permanente do solo e adubação verde são práticas essenciais para a estabilidade da produção.

Protege o solo do impacto direto das gotas de chuva, reduz e impede a erosão, é o fator que determina a formação de agregados no solo, aumenta os teores de carbono (matéria orgânica) e cicia todo o complexo de nutrientes necessários para a produção de grãos.

Além disso, mantém a umidade e a temperatura de solos em condições para o crescimento de raízes na superfície. Influencia, diretamente, na redução do impacto. A diversificação de plantas resulta na produção de exsudatos das raízes e estimula a diversidade da fauna, resultando na forma viável de controle de nematoides e patógenos de plantas, habitantes do solo.

Portanto, o manejo de solos para metas crescentes de produção, atendendo as demandas de conservação de recursos naturais, exige a prática de rotação de culturas, de adubação verde e de cobertura permanente, combinado com a prática do plantio direto.