Ensilagem de cereais de inverno


Autores: Renato Serena Fontaneli; Roberto Serena Fontaneli, Arthur Pegoraro Klein, Emanuel Dall Agnol; Francine Talia Panisson; Marcelo André Klein, Henrique Pereira dos Santos; Ricardo Lima de Castro; Maria Eduarda Tramontini Ceolin; Felipe Martinazzo Escobar
Publicado em: 31/08/2020

1 Introdução

A produção animal para ser racionalmente conduzida, depende fundamentalmente de um adequado planejamento forrageiro que garante a estabilidade produtiva e permite projetar as despesas e receitas. A sazonalidade produtiva das pastagens é marcada pelos efeitos das intempéries climáticas que estão mais frequentes e intensas. Na região Sul do Brasil, baixas temperaturas, geadas e estiagens, na região Norte e Centro-Oeste estações secas e chuvosas levam à alternância na produção das pastagens, ou seja, excesso de forragem em condições favoráveis (regime hídrico e temperatura) e escassez (secas e temperaturas baixas). A base da alimentação de herbívoros, na região sul-brasileira são as pastagens naturais, compostas basicamente por espécies de verão ou gramíneas tropicais cultivadas, havendo períodos de abundância e de escassez, o que aumenta a vulnerabilidade do empreendimento a resultados insatisfatórios. Sistemas integrados de produção agropecuária (SIPA) ou popularmente conhecidos como de integração lavoura-pecuária (ILP) permitem minimizar essa distribuição de forragem pelo cultivo, principalmente de aveia-preta e azevém anual, cereais forrageiros e duplopropósito (trigo, aveia-branca, cevada, centeio e triticale). Entretanto, para  contornar tais efeitos sobre a produção animal a racionalidade humana desenvolveu formas de conservar a forragem do período de abundância para ser utilizado no período de escassez.

A sazonalidade produtiva das pastagens e a oscilação do preço pago pela indústria limita a sustentabilidade econômica da pecuária leiteira no sul do Brasil. Quanto ao preço pago pela indústria pouco pode ser feito, pois os parâmetros macroeconômicos fogem ao alcance da atividade do produtor rural. Já, quando tratamos da alimentação do rebanho, um adequado planejamento forrageiro aliado a técnicas de armazenamento de forragem são suficientes para garantir a nutrição dos animais com baixo custo, mesmo sob condições climáticas adversas.

A silagem de cereais de inverno é uma ferramenta fundamental para a sustentabilidade da atividade pecuária na região sul do Brasil. Esse alimento apresenta valor nutritivo adequado para compor toda ou parte da alimentação do rebanho, inclusive com valores de proteína superiores à silagem de milho. A produção de silagem no inverno possibilita reduzir a área destinada à produção de silagem de milho durante o verão, assim o produtor pode optar por cultivar outras culturas com maior valor agregado. Assim, o objetivo do presente artigo é apresentar e discutir informações e conhecimentos visando subsidiar decisões de incremento à conservação de forragens na estação fria, visando reduzir a oscilação de oferta de forragens de bom valor nutritivo e melhorar a alimentação e desempenho de ruminantes na região sul-brasileira.

2 Diferentes tipos de forragens conservadas

O processo de conservação de forragens úmidas por meio da fermentação em condições anaeróbias em silo é denominado de ensilagem e, seu produto, de silagem, enquanto o processo da fenação resulta numa forragem seca, denominada de feno. Além destes, tem se tornado popular um tipo de forragem com teor de umidade intermediário, denominado présecado (Figura 1), referido erroneamente como ‘bolas de feno’, mas é um tipo de silagem, já que necessita de fermentação,daí a razão do revestimento com filmes plásticos para impedir a entrada de umidade e minimizar as trocas gasosas. Pré-secamento ou emurchecimento é uma necessidade para silagens com teores de matéria seca inferior a 28 %. Quanto maior o teor de umidade ao corte, maior o período de secagem, pois para ser armazenada como pré-secado deve estar na faixa de 45 a 60 % de umidade ou 40 a 55 % de MS.

A fermentação promove diversas reações químicas que têm como resultado o desaparecimento parcial dos substratos fermentáveis e aparecimento de novos produtos (ácidos orgânicos, aminas, amônia). Neste processo parte da biomassa é perdida em forma de calor e seus substratos são degradados a compostos mais simples, ou são metabolizados por microrganismo e transformados em novos produtos (ácidos: lático, acético e butírico). Tais perdas são parcialmente compensadas, pois a silagem resultante pode possuir uma maior concentração energética que a forragem original (PICHARD; RYBERTT, 1993).
 

3 Processo de ensilagem

Vários fatores interferem na qualidade da obtenção de uma boa silagem. Por ser um processo fermentativo onde nem todas as variáveis são controladas obtêm-se um produto de qualidade variável.

Uma das tecnologias utilizadas para melhor controlar o processo fermentativo e garantir uma adequada fermentação é a utilização de inoculantes com microrganismos homofermentativos, os quais permitem a obtenção de ácido lático e com isso rápida estabilização da silagem com menor degradação dos nutrientes.

Segundo Guim et al. (2002), o uso de aditivos na ensilagem tem por premissa a redução nas perdas de MS, elevação no valor nutritivo ou melhora na estabilidade aeróbica do produto final. Nesse sentido, vários fatores podem interferir na eficiência do uso de aditivos, como características da espécie utilizada, temperatura e pH da massa, teor de carboidratos solúveis e população de microrganismos epifíticos.

Níveis elevados do teor de umidade facilitam a compactação, embora seja indesejável do ponto de vista fermentativo, pois excesso de umidade pode resultar em alta produção de calor, desinteressante pela ocorrência de fermentações indesejáveis e redução da digestibilidade dos nutrientes (ÍTAVO; ÍTAVO, 2008). As perdas por efluentes estão relacionadas à atividade de água, associada ao teor de matéria seca (MS) da forragem a ser ensilada e também ao tratamento físico aplicado ao material no momento do corte ou uso de aditivos.

4 Utilização de volumosos

Há uma ampla variedade de volumosos que podem ser utilizados na formulação de rações para o gado leiteiro. Muitas destas forragens podem substituir parcial ou totalmente outras nas rações sem prejuízo no desempenho dos animais e com menor custo.

Em muitos países a utilização das silagens de cereais de inverno como fonte de volumosos de qualidade é prática comum (JOBIM et al., 1996; ROYO; ARAGAY,1998; McLEOD et al., 1998; ZOBELL et al., 1992). Os animais que recebem silagem de cereais de inverno elaborada com planta inteira como volumoso apresentam níveis adequados de desempenho. Na região sul-brasileira os cereais de inverno são cultivados com os propósitos de produção de grãos, cobertura de solo para o sistema plantio direto e para o forrageamento animal, diretamente como pastagens ou conservadas como feno ou silagens. As pastagens de cereais de inverno são excelentes plantas forrageiras durante o estádio vegetativo porque apresentam elevados níveis de digestibilidade e proteína, e baixos teores de fibra. Essas características permitem aos animais atingirem bons níveis de ingestão de matéria seca (MS), boas taxas de ganho em peso (maior que 1,0 kg dia-1) e produções diárias de leite por vaca elevada (mais 18 kg). Porém, com a maturação há uma intensa modificação com aumento do teor de fibras, diminuição da fração folhas e aumento de colmos, reduzindo a digestibilidade e concentração de proteína, e com isso reduzindo o consumo e, consequentemente, o desempenho dos animais. Comparativamente os cereais de inverno produzem silagens de plantas inteiras inferiores energeticamente à silagem de planta inteira de milho devido a diversos fatores, como: constituição anatômica, morfológica e físico-química.

Apesar disso, a prática de elaboração de silagem de cereais de inverno deve ser incentivada, principalmente, por utilização da terra no período do inverno para produção de volumosos de qualidade desejável; redução dos riscos de falta de volumoso por intempéries ambientais; redução da competição das áreas de verão pelo plantio de milho para silagem, o que permite que o milho seja utilizado para produção de grãos destinados à comercialização; e geração de renda com a venda de silagem excedente.

5 Valor nutritivo de silagens de cereais de inverno

As Tabelas 1 a 5 contêm a composição nutricional típica das espécies mais utilizadas para ensilagem. Os valores médios de análises obtidas no Laboratório de Nutrição Animal do Centro de Pesquisa em Alimentação da Universidade de Passo Fundo (CEPA - UPF) estão sujeitos a alterações a medida que são incorporadas novas amostras a população original para cada tipo de forrageira (tabela 1). Há grande variação nos nutrientes devido aos diferentes tipos de solos, disponibilidade de água, estação de crescimento, programa de fertilização e principalmente ao grau de maturidade das forrageiras no momento da colheita.

Exemplos de variação no valor nutritivo e rendimento de silagens de cereais de inverno constam nas Tabelas 3, 4 e 5. Existem vários trabalhos demonstrando a variabilidade da composição nutricional em função do estádio vegetativo das espécies (Rotz e Muck, 1994; Fontaneli et al., 2009b; 2012a).

 

6 Partição da massa seca da parte aérea de aveia branca (Avena sativa L.) e sua relação com valor nutritivo⠀⠀⠀⠀⠀⠀

A variação da altura da plataforma de corte para colheita altera o rendimento total de silagem de planta inteira, em média, uma tonelada de matéria seca por hectare (t MS/ha) a cada 10 cm de elevação, variando conforme as diferentes cultivares de aveia branca. Ou seja, se com corte a 10 cm o rendimento de silagem foi 10,0 t MS/ha, com corte a 20 cm o rendimento será de 9,0 t MS/ha. Apesar da redução da massa total colhida, a elevação da altura de corte de 10 para 20 cm aumentou a digestibilidade da silagem em três pontos percentuais (61% para 64%). O teor de proteína bruta variou em algumas cultivares, mas na média foram observados valores de 10% para as duas alturas de corte (KLEIN, 2020).

Com a elevação da altura de corte para silagem de planta inteira a porção da planta mais próxima ao solo é desprezada, com intenção de melhorar os parâmetros bromatológicos em detrimento do rendimento, que diminui a taxa de cerca de 100,0 kg MS/ha a cada centímetro de elevação na altura de corte, entre 0,1 e 0,2 m acima da superfície do solo. A porção não colhida permanece na lavoura, contribuindo com a manutenção de palha no solo por bastante tempo, por apresentar alta relação C/N, assim beneficiando a cultura subsequente pela supressão de plantas daninhas, proteção do solo contra chuva e radiação solar e contribuindo para o aumento da atividade microbiana no solo.

A planta de aveia-branca, se dividida em três partes (superior, médio e inferior), nos permite analisar separadamente qual é a contribuição de cada terço da planta em termos de rendimento e valor nutritivo. Na figura 2 podemos observar a proporção de massa seca, o teor de proteína bruta (PB) e a digestibilidade estimada da massa seca (DMS) referente a cada um dos terços da planta.
 

7 Efeito da qualidade de silagens na produção de leite

Nos Estados Unidos, USA, Mertens (1996) conduziu ensaio para avaliar a qualidade de algumas forragens. As rações foram formuladas com um nível constante de fibra em detergente neutro (FDN) na ração total. Os resultados do ensaio estão descritos na Tabela 6. Como pode ser observado a percentagem de concentrado e volumoso variou em função das respectivas concentrações de FDN nas forrageiras. O leite produzido foi similar para as cinco espécies estudadas. Contudo, o nível de concentrado diário por vaca variou de 8 a 13 kg.

Portanto, o valor nutritivo da forragem é a chave para o sucesso na formulação de rações para o gado leiteiro e obtenção de melhores resultados econômicos. Silagens de cereais de inverno são geralmente colhidas a partir do estádio de grão leitoso até grão em massa mole, o que propicia maximizar a produção de energia líquida de lactação (ELl) por unidade de área (Tabela 6). Concentrações de proteína bruta elevadas são encontradas em plantas forrageiras no estádio vegetativo ou no emborrachamento, mas com menores rendimento de MS.

8 Comparação com silagem de milho

O milho é o cereal de referência para silagem em virtude da produtividade e valor nutritivo da forragem produzida, resultando em ótima concentração de nutrientes digestíveis. Os inúmeros híbridos no mercado devem possuir características especiais como elevada digestibilidade da fração FDN associada a maior produção de grãos. Esses componentes são responsáveis pela energia da silagem.

As boas práticas agronômicas de manejo preconizam correta adubação, densidade de semea- Figura 2. Proporção da massa seca total (MS total), teor de proteína bruta (PB) e digestibilidade estimada de massa seca (DMS) dos terços superior, médio e inferior de cultivares indicadas de aveia-branca para silagem de planta inteira. dura, manejo integrado de pragas e plantas daninhas. Além das observações relevantes quanto ao processo de ensilagem, observando o período ideal de corte, tamanho das partículas, compactação, tempo de vedação, para obtenção de silagens de alta qualidade. A escolha dos híbridos torna-se ferramenta chave no planejamento para produção de silagem de alta qualidade, com maior acúmulo de matéria seca com elevado valor nutritivo (alto teor NDT).

O planejamento do cultivo do híbrido com conhecimento do número de graus-dia permite programar um ambiente favorável para que a lavoura de milho seja cortada dentro da faixa ideal, otimizando a força de trabalho da propriedade.

No estádio de farináceo- duro, os grãos de milho atingem maior rendimento de matéria seca (MS) e melhor valor nutricional, podendo variar seu teor de MS entre 32% e 38%, coincidindo, na espiga, com grãos com metade da linha do leite. Momento em que 95% dos grãos e 100% da forragem que o milho pode produzir são colhidos. Em condições normais, sem efeito de estiagem ou geada iminente, quanto mais cedo o milho é colhido para silagem, menor é a participação de espigas e, por consequência menos grãos, o que resultará numa silagem com teor de energia e qualidade abaixo da capacidade real da lavoura. No caso de estiagem, a antecipação do corte é indicada, pois a lignificação é mais intensa e perde-se na produção de grãos e na digestibilidade da fibra em até 1% ao dia.

9 Aspectos da alimentação

Para o uso de forrageiras alternativas na ração de vacas leiteiras devem ser observados os seguintes aspectos:

1. Trabalhe sob orientação técnica ao selecionar a forrageira mais indicada para as condições edafoclimáticas de sua propriedade. Esse procedimento permite ter um suporte sobre o manejo a ser empregado (fertilizações, controle de pragas e momento para colheita).

2. Testes da composição nutricional devem ser utilizados devido à grande variação existente entre e dentro do mesmo tipo deforrageira.

A tecnologia da espectroscopia do infravermelho próximo (NIRS) é precisa, rápida e de menor custo em relação às análises químicas convencionais, além de não destruir a amostra e não gerar resíduos químicos. O Centro de Pesquisa em Alimentação da UPF possui laboratório que realizada essas análises como prestação de serviços à comunidade.

3. Se as plantas forem ensiladas com teor de umidade entre 65 e 70%, adequadamente picadas (1,0 a 3,0cm), bem compactadas e vedadas, o processo resultará em uma silagem bem fermentada de boa qualidade.

4. Em rações balanceadas com base no FDN, de 0,75% a 0,85% de FDN do volumoso em relação ao peso corporal é um bom referencial para a formulação.

5. A colheita no momento apropriado é crítica para obtenção de forragem com valor nutritivo desejável. A digestibilidade de muitas dessas espécies reduz rapidamente com o avanço da maturidade. Caso a colheita seja atrasada, o consumo, a digestibilidade e a produção animal serão reduzidos.

6. Ajustes e regulagens antes das operações de corte, processamento, recolhimento, transporte e armazenamento são indispensáveis para obtenção de forragens com o valor nutritivo adequado a cada espécie e classe animal (Boller, 2012).

7. O período de adaptação para o novo alimento (silagem) deve ser gradual e deve ser no mínimo de 15 dias.