Geomar M. Corassa, Rai A. Schwalbert, Tiago A. N. Hörbe; Ignacio A. Ciampitti, Telmo Jorge C. Amado
O ajuste das técnicas de manejo associado a assertividade na prescrição, a exemplo da densidade de sementes ou da população de plantas (número de plantas por unidade de área) é um dos pressupostos básicos para a obtenção de altas produtividades.
A assertividade requer conhecimento da cultura, da cultivar/híbrido, e não obstante, do ambiente no qual a mesma será cultivada. Por este motivo, tais fatores são continuamente estudados globalmente e de forma paralela refinados a nível on-farm por técnicos e produtores.
A correta prescrição da densidade de sementes garante a maximização do uso dos recursos ambientais, proporciona o melhor desempenho do genótipo e, consequentemente, maximiza a produtividade (Egli, 1988; Board, 2000; Cox e Cherney, 2011).
A lógica da tecnologia
Com o advento da computação e dos sistemas de posicionamento global por satélite, associados à percepção dos pesquisadores e agricultores da necessidade de manejar a variabilidade espacial e temporal dentro das áreas de produção surgiu a agricultura de precisão (AP). Dentro das várias áreas de atuação da AP, uma delas visa elucidar melhor o desempenho da população de plantas para as culturas agrícolas.
Contudo, mais do que entender o desempenho que cada espécie (soja, milho, canola, trigo, dentre outras) e de suas cultivares a diferentes populações de plantas, era preciso entender como se comportava esse desempenho dentro de um mesmo talhão agrícola, dotado de variabilidade espacial quanto ao seu desemprenho produtivo (Figura 1). Cabe salientar que dois fatores foram importantes para o despertar deste entendimento.
O primeiro deles foi a experiência do produtor, que durante a colheita visualizava locais com diferentes potenciais produtivos e se perguntava se devido a isso, a população de plantas deveria ser de fato a mesma; o segundo fator, foi a confirmação deste feeling do produtor, agora traduzido em números (quantificado) por meio dos mapas de colheita embarcado nas colhedoras com sistema de AP.
Os contrastes produtivos dentro de um mesmo talhão estavam agora explícitos (Molin, 2002; Santi, 2007). De forma natural, os primeiros esforços da AP foram então direcionados em entender o motivo da variabilidade espacial da produtividade, como foco na correção de atributos químicos e físicos do solo.
Os resultados foram excelentes e contribuíram de forma significativa para o aumento da produtividade. Contudo, seguiram sendo evidenciadas situações em que o baixo potencial produtivo estava atrelado a fatores de difícil controle ou intervenção, e que, portanto, a menor oferta ambiental nestes locais deveria perdurar ou, em outras palavras, ser consistente ao longo das safras. Esse fato reforçava para a necessidade de manejo diferenciado para estes locais.
A partir disso, e fugindo do entendimento tradicional onde a taxa ótima (de sementes ou plantas finais) era prescrita de forma uniforme dentro dos talhões, entendeu-se que “variar” a população de plantas poderia ser uma oportunidade para contornar a variabilidade imposta pelo ambiente.
Além disso, a otimização do uso das sementes – mesmo montante -, porém distribuído de forma não homogênea no talhão poderia elevar os ganhos de rentabilidade pelo aumento da produtividade ou pela redução das perdas pelo excesso de plantas.
Aplicabilidade
Conceitualmente, a taxa variada de sementes (TVS) consiste na prescrição diferenciada da densidade de sementes, e por consequente da população de plantas em um mesmo talhão agrícola. Uma vez que a taxa não é mais prescrita de forma homogênea ao longo do talhão, o termo “variada” passa a ser utilizado.
A definição é condicionada em virtude do ambiente de produtividade/zona de manejo, sendo que para tal definição são utilizados, mapas de colheita, atributos de solo, atributos topográficos, sensoriamento remoto, experiência do produtor, diagnósticos prévios ou da própria combinação destes e de outros fatores. Neste artigo, ambientes de produtividade, ambiente potencial e zonas de manejo serão tratados como sinônimos.
Importante ponderar que a TVS foi facilitada pelo aporte tecnológico empregado nas semeadoras, dotadas de sistemas capazes de alterar a densidade de sementes em função de uma recomendação pré-definida (Mc-Bratney et al., 2005; Corassa et al., 2018). Atualmente, tal tecnologia já é considerada item de série em grande parte das semeadoras adubadoras comercializadas no Brasil. Contudo, é importante mencionar que uma vez que o produtor esteja disposto a praticar a TVS, a ausência da tecnologia embarcada nas semeadoras não impede sua adoção.
Diferentes regulagens podem ser utilizadas em diferentes ambientes. Uma vez que na prática a aplicabilidade da tecnologia está intimamente ligada a cultura em questão, o tema será agora abordado de forma distinta, considerando a dinâmica de prescrição para cada cultura a partir de resultados atualmente disponíveis na literatura.
Milho
Os primeiros estudos que fizeram menção à TVS e que despertaram para a sua necessidade foram conduzidos com a cultura do milho. Estes foram inicialmente reportados para condições americanas (Bullock et al., 1998; Shanahan et al., 2004) e mais recentemente para o Brasil (Hörbe et al., 2013; Schwalbert et al., 2018). A ordem entre os dois países foi certamente definida pelo nível e pela velocidade de adoção da AP, bem como, pela maior expressividade da cultura junto a agricultura americana. Avaliando o desempenho de híbridos de milho × população de plantas no meio oeste americano entre 1987 e 1996, Bullock et al. (1998) observaram diferenças quanto a população ótima de plantas em função do potencial produtivo dos ambientes.
De modo similar, em estudos no estado do Colorado, Shanahan et al. (2004), concluíram que em função da variabilidade dos talhões, a população de plantas era capaz de conduzir a respostas produtivas distintas, sendo o uso de população menores, mais eficiente para ambientes de baixo potencial em comparação a ambientes de alto potencial. Em estudos conduzidos por Hörbe et al. (2013) em dois talhões agrícolas no RS, os autores concluíram que o uso da TVS foi eficiente em aumentar a produtividade e a lucratividade na cultura do milho.
No estudo, a população referência e que seria utilizada nos talhões era de 70 mil plantas/ha. Contudo, o estudo demonstrou que para os ambientes de baixa produtividade, as maiores produtividades foram obtidas com o uso de 46 e 50 mil plantas/ha, com decréscimos de produtividade com a aumento da população.
Para os ambientes de média produtividade a população ótima obtida foi de 65 e 74 mil plantas/ha, enquanto que, para ambientes de alta produtividade, os melhores ganhos foram observados com populações de 77 e 82 mil plantas/ha (Hörbe et al., 2013).
Ao avaliar um banco de dados de híbridos de milho x população de plantas com 124.374 observações em 22 estados americanos e 2 províncias no Canada, Assefa et al (2016) observaram respostas quanto a densidade ótima em função do ambiente de produtividade, sendo: ambiente de alta > ambiente de média > ambiente de baixa.
Da mesma forma, estudando modelos de resposta a população de plantas na cultura do milho a partir de uma série de experimentos conduzidos no Brasil e nos Estados Unidos, Schwalbert et al. (2018) também evidenciaram que a população ótima era distinta em função do ambiente de produtividade, com resultados similares aos observado por Hörbe et al. (2013) e Assefa et al (2016) (Figura 2).
Uma vez que os autores trabalharam com experimentos conduzidos em diferentes países, o estudo foi capaz de identificar que a resposta foi independente de local, ano e híbrido, confirmando a aplicabilidade do modelo de resposta para diferentes condições (Schwalbert et al., 2018).
É importante ressaltar que as populações que maximizaram a produtividade dos estudos sumarizados nesse artigo podem sofrer variações entre diferentes anos agrícolas, mesmo dentro dos ambientes de produtividade, em decorrência das diferentes condições climáticas, e as complexas interações entre ambiente, genética e manejo como evidenciado na figura 3. Entretanto de maneira geral espera-se uma correlação positiva entre o aumento do potencial produtivo e a população ótima de plantas de milho.
Os resultados mencionados acima são explicados pela dinâmica dos componentes de rendimento na cultura, os quais são alterados em virtude do ajuste da população de plantas por ambiente. Na figura 4, são evidenciadas espigas de milho coletadas em diferentes ambientes de produtividade em um mesmo talhão. O que se evidencia em ambientes com alta produtividade, é que o aumento da população até certo limite, resulta em baixa influência sobre o número de grãos por espiga e sobre o peso das sementes.
Em suma, mesmo que uma pequena penalização ocorra (no número de grãos por espiga e no peso das sementes), a mesma se dá em magnitude menor comparada a magnitude de aumento da população (Figura 4).
Isso explica o incremento de produtividade obtido a partir do aumento da população em ambientes de alta produtividade. Por outro lado, no estudo (dados não publicados), em ambientes com baixa produtividade a penalização no peso de mil sementes a partir da população de 46.000 plantas/ha foi de aproximadamente 15 g para cada 10 mil plantas adicionais.
Adicionalmente, o número de grãos por espiga também foi reduzido com o aumento da população, ao ponto que o incremento da população de plantas para estes ambientes não resultou em aumento no número de grãos por m², justificando o melhor desempenho com menores populações em ambientes de baixa produtividade (Figura 4).
De modo geral, os resultados disponíveis na literatura evidenciam ganhos em produtividade obtidos a partir do aumento da população de plantas em ambientes de alta produtividade, bem como, maior rentabilidade em ambientes de baixa produtividade associados ao uso de menores populações (Hörbe et al., 2013; Assefa et al., 2016; Schwalbert et al., 2018).
Soja
Para a soja, estudos recentes evidenciaram que a tendência de prescrição para TVS segue uma lógica diferente em relação a cultura
do milho. Avaliando o desempenho de cultivares de soja em resposta à densidade de semeadura a partir de um banco de dados com 109 experimentos, Corassa et al. (2018) concluíram que a taxa ótima de sementes foi 18% menor em ambientes de alta produtividade (>5 Mg/ha) quando comparados a ambientes de baixa produtividade (<4 Mg/ha) (Figura 5).
Os autores observaram que ambientes de baixa produtividade atingiram o platô com 290.000 sementes/ ha (ficando entre 274 e 303.000), enquanto que, para ambientes de alta produtividade, o mesmo foi atingido com 245.000 sementes/ ha (ficando entre 232 e 262.000) (Figura 5).
Diferente da cultura do milho, a tendência para a cultura da soja em relação a prescrição foi: ambiente de baixa > ambiente de média > ambiente de alta produtividade. Os autores também constataram uma baixa probabilidade de resposta em produtividade com densidades superiores a 330.000 sementes/ha, independente do ambiente (Figura 5).
A partir do estudo de Carciochi et al. (2019) para diferentes regiões dos Estados Unidos e Canadá (Figura 6), o modelo de prescrição pode ser confirmado de forma ro
busta. Os autores foram capazes de concluir que a população final de plantas também deveria ser superior em ambientes de baixa produtividade. Para o estudo, a população de plantas ótima foi 24% superior em ambientes de baixa produtividade em comparação aos de alta.
Os autores evidenciaram que o peso de mil sementes foi menor nos ambientes de baixa produtividade, porém pouco sensível ao aumento da população de plantas nestas condições. Adicionalmente, nos ambientes de baixa produtividade o aumento de população resultou em um aumento no número de grãos produzidos por unidade de área, e consequentemente em aumento da produtividade.
Assim, os autores concluíram que em ambientes de baixa produtividade, os ganhos em produtividade pelo aumento da população ocorreram devido ao aumento do número de grãos produzidos por unidade de área (Carciochi et al., 2019).
Uma vez que os estudos acima mencionados foram conduzidos em diferentes regiões do globo produtoras de soja incluindo o sul do Brasil (Corassa et al., 2018), Estados Unidos e Canada (Carciochi et al., 2019), é possível concluir que o modelo possui robustez e ampla
aplicabilidade. Interações entre a prescrição de sementes e a data de semeadura também foram observadas por Corassa et al. (2018).
Neste estudo foram considerados dados oriundos em sua maioria do norte do RS, e decréscimos na produtividade foram observados para semeaduras após 18 de novembro. Nestes casos, para semeadura após esta data, o aumento da densidade de sementes seria uma alternativa para minimizar as penalizações.
Canola e trigo
Apesar dos avanços em modelos de prescrição da TVS para milho e soja, poucos estudos estão disponíveis para outras culturas. Para a cultura da canola, os dados disponíveis indicam uma dinâmica de resposta similar a cultura da soja (Assefa et al., 2018).
Dados extraídos e analisados a partir de uma revisão de literatura sugerem que a densidade de plantas de canola também poder ser influenciada pelo ambiente de produtividade. Os autores não observaram resposta à densidade de semeadura em ambientes de média (1.5 – 2.5 Mg/ha) e alta produtividade (>2.5 Mg/ha). Por outro lado, em ambientes de baixa produtividade (< 1.5 Mg/ha) os autores observaram resposta quadrática. A cultura da canola possui capacidade de compensar baixas populações em ambientes de alta produtividade.
Esta maior plasticidade está geralmente atrelada ao aumento do número de vagens (tipo síliqua) nos ramos produtivos (racemos). Entretanto, é possível que em ambientes de baixa produtividade, especialmente com limitação de água e nutrientes, as plantas não sejam capazes de efetuar a compensação.
A exemplo do que ocorre com a cultura da soja, o aumento da população de plantas nestes ambientes é uma alternativa para o aumento da produtividade da cultura (Assefa et al., 2018). Para a cultura do trigo, a TVS ainda foi pouco explorada, porém estudos recentemente publicados (Bastos et al., 2020), mostraram um tendência de comportamento similar à soja e a canola (Figura 8).
No caso do trigo, o potencial de afilhamento do material genético também mostrou uma importante interação com a população de plantas e o ambiente de produtividade. Considerando ambientes de alta produtividade, com elevados teores de matéria orgânica, e no quais sejam realizadas adubações
equilibradas, favorecendo o afilhamento, existe uma clara oportunidade para a redução na densidade de sementes sem qualquer penalização sobre a produtividade, favorecendo a rentabilidade da cultura. Por outro lado, também é esperado que cultivares com alto potencial de produção de afilhos apresentem uma menor população ótima de plantas tanto em ambientes de alta como de baixa produtividade.
Neste artigo, foram elucidadas guidelines para a aplicação da TVS em milho, soja, canola e trigo, considerando o ambiente de produtividade (Figura 9). É importante
considerar que ajustes podem ser necessário em função das condições climáticas e das interações complexas que ocorrem entre ambiente, genética e práticas de manejo.
Considerações finais
as grandes contribuições da agricultura de precisão, uma delas, por mais simples que seja nos levou a refletir sobre uma série de desafios e ao mesmo tempo, de oportunidades: Nossos talhões agrícolas não são homogêneos.
E por isso, foi natural o entendimento de que não faria sentido aplicar o mesmo manejo ou mesmo nível de investimento em toda a área, afinal, o nível de retorno seria diferente. Por essa razão, diferentes ambientes de produtividade devem receber populações de plantas diferentes. A TVS é uma interessante ferramenta capaz de auxiliar os produtores a contornar os desafios impostos pelo ambiente e mais do que isso, de usá-lo a seu favor.
O custo da tecnologia embarcada e as dificuldades quanto ao entendimento da dinâmica de resposta das culturas atuavam como entraves para sua adoção em larga escala. Contudo, essas barreiras estão sendo superadas.
Considerando benefícios econômicos proporcionados pela tecnologia, a TVS deverá se consolidar como prática de manejo dentro de um curto espaço de tempo.