A vida sob nossos pés: percepções sobre a fauna do solo


Autores:

Rafaela Dudas, Amarildo Pasini, George Brown, Marie Bartz

Publicado em: 31/08/2020

A vida no solo representa um quarto da biodiversidade total do planeta. Em uma colher de sopa, com rico solo, existem mais organismos vivos do que seres humanos na crosta terrestre.

As formigas, cupins, piolhos-de- cobra, lacraias, aranhas, minhocas e outros macro-organismos, considerados a macrofauna invertebrada do solo, desempenham papeis fundamentais para o bom funcionamento edáfico. No entanto, as funções e os benefícios advindos da atividade dos mesmos, muitas vezes são desconhecidos, podendo até serem considerados prejudiciais à produtividade e, consequentemente tratados como pragas, que precisam ser eliminadas.

Mas a realidade é mais complexa e benéfica; sabe-se que apenas uma parte desses organismos são pragas, e os demais se enquadram em três outros grupos funcionais e benéficos: 1) predadores; 2) engenheiros do ecossistema; 3) decompositores. Os predadores se alimentam de outros organismos e são importantes para o controle biológico.

Já os engenheiros do ecossistema afetam a estrutura do solo, com a produção de bolas fecais (coprólitos) e de túneis que permitem uma maior aeração, infiltração de água e crescimento das raízes, fatores diretamente ligados com a produtividade da lavoura. Os decompositores vivem comumente nos espaços entre o solo e a liteira, participando na ciclagem de nutrientes e a decomposição da liteira e matéria orgânica do solo.

As práticas de manejos alternativos do solo buscam minimizar os impactos causados ao solo, sem o aumento de custos e insumos. Um exemplo de sucesso é o Plantio Direto (PD), adotado no Brasil desde a década de 1970 e que hoje chega a 33 milhões de hectares nas culturas anuais.

Ao longo desses quase 50 anos o PD evoluiu para o Sistema Plantio Direto (SPD), que obrigatoriamente é regido por três princípios: o mínimo revolvimento do solo, a permanência da cobertura vegetal e a rotação de culturas, com uso de plantas de cobertura, resultando em benefícios ambientais (qualidade do ar, água e solo), sociais (melhoria da qualidade de vida, especialmente na agricultura familiar) e econômico (uso reduzido de combustíveis fósseis, maquinário e insumos, melhoria da fertilidade do solo, etc.).

A Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação (FEBRAPDP), além de contribuir para pesquisas que suportem os benefícios do SPD, também promove os Encontros Nacionais de Plantio Direto na Palha.

No 11º Encontro (600 participantes), em Londrina/ PR (2008), e no 16º Encontro (570 participantes), em Sorriso/MT (2018), disponibilizou-se um questionário aos participantes, relativo aos organismos do solo, seu manejo, sua biodiversidade e a saúde do solo. Essas perguntas visavam diagnosticar a percepção de produtores, pesquisadores, técnicos e estudantes, quanto aos organismos do solo e elencar lacunas que

necessitem ser melhor exploradas em estudos futuros. Em torno de 20% dos participantes dos eventos responderam o questionário em ambos os anos. Em 2008 havia também participantes do Paraguai (3%), sendo que dos participantes brasileiros, houve predominância de residentes na região Sul (60%). Em 2018 predominaram participantes da região Centro-Oeste (77%) (Figura 1).

Nos dois eventos, houve a predominância de produtores rurais, seguido por profissionais de assistência técnica e pesquisadores, que se manifestaram respondendo o referido questionário (Tabela 1).

Quando perguntados sobre quais organismos do solo eram considerados pragas (Figura 2), de uma lista com nove opções (minhocas, percevejos, formigas, lacraias, aranhas, cupins, besouros, piolhos de cobra e lesmas), apenas minhocas, lacraias e aranhas tiveram respostas com porcentagens baixas (menos que 8%).

Outros organismos citados como pragas foram: nematoides, larvas alfinete e lagartas elasmo, sendo que estes dois últimos correspondem a estágios larvais de besouros (Coleoptera) e mariposas (Lepidoptera) pragas, respectivamente. Ressalta-se que preliminarmente não foram disponibilizadas informações so-

bre os organismos listados nos questionários; o objetivo era elencar os principais grupos da macrofauna do solo, visíveis a olho nu, ou seja, um diagnóstico de cunho prático.

No período de 10 anos entre os dois eventos, houve aumento no relato da incidência de pragas, sendo tal fato relacionado ao uso excessivo de agrotóxicos e monoculturas (Figura 3). Outras causas apontadas foram o manejo inadequado, a perturbação ambiental e o desequilíbrio ecológico. Porém, quando questionados sobre quais manejos eram utilizados para o

controle de pragas, as práticas químicas e mecânicas foram as mais citadas, havendo aumento das mesmas no decênio. No entanto, práticas menos agressivas, como o Manejo Integrado de Pragas (MIP) tiveram aumentos expressivos, alcançando 32% das propriedades com MIP em 2018 (Figura 3). Houve ainda uma redução em 47% na manutenção de áreas em pousio.

Ao responder sobre organismos benéficos, usando a mesma lista de nove animais, apenas minhocas e aranhas tiveram porcentagens superiores a 50% em 2008, e em 2018 apenas as minhocas

atingiram 100% das respostas (Figura 4). Entre 2008 e 2018 as aranhas, as lacraias, os besouros, os cupins e o grupo outros, tiveram redução no número de respostas positivas (consideradas benéficas), enquanto para as formigas, lesmas e piolhos de cobra, houve aumento nas respostas benéficas. Contudo, é importante lembrar que além do aspecto temporal, houve diferença regional nos eventos (sul do país versus Cerrado/ Amazônia), fatores que possivelmente influenciaram as respostas dos participantes.

Em geral, houve um reconhecimento de que os organismos são capazes de modificar a estrutura do solo; no entanto, apenas alguns engenheiros do ecossistema (minhocas) foram considerados benéficos. Contudo, sabe-se que outros organismos também apresentam benefícios para o solo, sendo que apenas algumas espécies podem ser consideradas pragas (Tabela 2).

Em relação aos manejos benéficos ao aumento da biodiversidade do solo, foram citados, principalmente (>65% dos respondentes em 2008), adubação verde, rotação de culturas e Plantio Direto (Tabela 3). Houve um aumento importante, em 2018, daqueles que consideraram o manejo integrado de pragas, mas, em ambas avaliações, menos de 40% dos entrevis-

tados consideraram a manutenção de fragmentos de vegetação nativa como importante para melhorar a biodiversidade do solo.

Quando perguntados sobre os indicadores de saúde do solo, mais de 80% mencionaram a presença de muitos organismos (embora muitos tenham considerado a maioria dos organismos como praga nas respostas anteriores), enquanto cerca da metade mencionou a presença de mais minhocas e a agregação do solo (Tabela 4).

Porém, ao longo dos últimos 10 anos, em diversas conversas dos autores dessa avaliação com agricultores, sobre seus comportamentos em função de um aumento repentino de organismos em suas áreas, muitos responderam espontaneamente: “Aplico agrotóxicos!”. Portanto, muitos profissionais do setor agrícola parecem ainda desconhecer as funções, a importância e os benefícios da macrofauna ao solo.

Infelizmente, esse desconhecimento pode levar ao uso desnecessário de agrotóxicos, ao desequilíbrio ecológico e maiores custos ao agricultor. Pela análise das respostas, observase que a maioria da fauna do solo ainda não é considerada benéfica, e que houve um aumento na incidência de pragas e uma redução no uso de boas práticas agrícolas entre 2008 e 2018.

Isso é preocupante e potencializa a importância e a necessidade de divulgar amplamente a informação sobre o papel da fauna edáfica nos diversos setores da cadeia produtiva: seja aos agricultores, aos profissionais da assistência técnica e aos profissionais revendedores de insumos, visando melhorar a saúde do solo, a conservação da biodiversidade e a produtividade agrícola nos solos brasileiros, em prol das gerações futuras e consequentemente da sustentabilidade da agricultura.

Para tanto, uma atenção especial deve ser dada já no ensino básico e fundamental, introduzindo o assunto à nossa geração em processo de aprendizado. Também deve-se melhorar a formação dos profissionais nas escolas agrícolas e universidades, com adequações das ementas dos cursos em agronomia, para que as disciplinas contenham elementos da macrofauna invertebrada do solo, de uma forma prática.

E, ainda, ações devem ser estimuladas na extensão rural, e os espaços em grandes feiras agropecuárias deveriam incluir exposições dos principais organismos da fauna do solo, assim como já tem sido feito com peixes, abelhas, e formigas cortadeiras, entre outros.