Rendimentos elevados em trigo


Autores: João Leonardo Fernandes Pires, Eduardo Caierão, Jorge Chagas e José Salvador Foloni
Publicado em: 30/06/2020

O recorde mundial de rendimento de grãos de trigo, registrado no Guinness Book, surpreende pela magnitude do número. Foram produzidas 16,8 t de grãos/ha em uma área de 11,89 ha na propriedade de Eric Watson e Maxine Watson em Ashburton na Nova Zelândia. Foi utilizada uma cultivar de trigo de inverno semeada em 9 de abril de 2016 e colhida em 17 de fevereiro de 2017.

O rendimento de grãos obtido, em pouco mais de 10 meses de ciclo, demonstra o potencial genético que a cultura possui e que se expressa com a interação de condições específicas relacionadas com ambiente, solo e manejo. A pergunta que inquieta, entretanto, é quanto estamos longe desse recorde e se seria possível obter esse rendimento de grãos nas condições brasileiras de produção?

A resposta para essa pergunta necessita da análise de alguns dados disponíveis sobre os rendimentos de grãos que tem sido obtidos no Brasil, do entendimento das diferentes realidades de produção e dos componentes genéticos, de ambiente e de manejo (e suas interações) que definem o potencial de rendimento de grãos de trigo.

Do Sul ao Centro do Brasil (com potencial para expansão rumo ao MATOPIBA) são encontrados sistemas de produção de trigo de sequeiro e irrigado em áreas pequenas ou grandes, em diferentes altitudes, em solos com características mais ou menos propícias ao cultivo de trigo, com condições climáticas que impõem maior risco ou melhores padrões de previsibilidade. Esses fatores podem se constituir em oportunidades para obtenção de rendimentos de grãos elevados.

Quais são os dados brasileiros? Os dados oficiais da safra 2019, disponibilizados pela Conab, mostram uma média nacional de rendimento de grãos de 2.526 kg/ ha, variando de 1.600 kg/ha no Estado do Mato Grosso do Sul a 4.900 kg/ha no Estado de Goiás.

Na falta de um Concurso Nacional de Rendimento de grãos de Trigo, aos moldes do realizado pelo CESB para a soja, buscou-se algumas referências em ensaios e situações de lavoura para demonstrar os níveis de rendimento já alcançados em áreas de pesquisa e em campos de produtores no Brasil. Na região Sul (maior região produtora do País), os dados são bastante variáveis.

Em ensaios de pesquisa, geralmente de competição de cultivares, os rendimentos podem atingir mais de 8.000 kg/ha nas regiões de melhores condições edafoclimáticas e não são raros rendimentos de grãos superiores a 6.000 kg/ha nas regiões de menor potencial. Isso indica o quanto ainda é possível alcançar nas condições de lavoura e quão distantes estamos em termos de médias estaduais (3.000 kg/ha no RS, 3.015 kg/ha em SC e 2.080 kg/ha no PR, na safra 2019).

Em algumas lavouras são observados rendimentos de grãos superiores a 7.000 kg/ha, a exemplo dos 7.028 kg/ha (117,1 sacas/ha) observados nos monitores de colheita na Agropecuária Estrela em Guarapuava, PR, na safra 2013 (Figura 1). Além das condições ambientais favoráveis, geralmente os elevados rendimentos de grãos estão associados a práticas agronômicas realizadas com precisão, utilizando cultivares de alto potencial de produção, solo corrigido e adubação compatível com rendimentos elevados, rotação de culturas, com estabelecimento adequado da lavoura e proteção de plantas para minimizar a interferência de plantas daninhas, pragas e doenças.

Apesar da menor área de produção, o trigo na região tropical destaca-se pelo elevado rendimento de grãos obtido em condições experimentais e de lavoura (Figura 2). Trigos produzidos sob irrigação por pivôs no Cerrado já chegaram a 8.388 kg/ha (139,8 sacas/ ha). Esse resultado foi alcançado pelo produtor Paulo Bonato, na fazenda Santa Fé, em Cristalina (GO), em 2017.

O agricultor atingiu esse recorde em 101 ha.

Em algumas lavouras, monitores de colheita indicam rendimentos superiores a 150 sacas/ha em determinadas partes da área. Resgatando a citação do recordista mundial de trigo, esses números parecem modestos, mas deve-se analisar que essa quantidade foi produzida em apenas quatro meses de cultivo (semeadura em 8 de maio e colheita em 21 de setembro), liberando a área para a produção de verão (geralmente soja) ou para uso como pastagem.

Se aplicássemos esses valores para o período de ocupação da área pelo recordista mundial (cerca de 10 meses), apesar da imprecisão desse cálculo matemático, chegaríamos a 19,4 t/ha (comparativamente aos 16,8 t/ ha do recordista mundial). Portanto, não há dúvida quanto são elevados os rendimentos que colhemos em curto espaço de tempo nas lavouras de trigo tropical.

Em ensaios de pesquisa, geralmente, são alcançados rendimentos de grãos acima de 10.000 kg/ha. A explicação para esses níveis de rendimento de grãos pode ser atribuída ao clima da região (temperaturas amenas e baixa precipitação pluvial em períodos críticos que favorecem o trigo irrigado semeado geralmente em maio); pela adoção de cultivares selecionadas para a região e para o sistema irrigado de alto potencial produtivo; pelo uso de pivôs novos com maior capacidade e uniformidade de irrigação; e pelo manejo específico que envolve desde a fertilidade do solo, manejo da irrigação, rotação de culturas, época adequada, densidade de semeadura, nitrogênio e uso do regulador de crescimento, entre outros.

Contribuições das condições edafoclimáticas

O ambiente de produção (incluindo clima e solo) respondem por parte considerável do potencial de rendimento do trigo e, também, no caso do clima, dos riscos representados por eventos extremos como geada, granizo e chuva excessiva em estádios críticos.

É possível identificar, com base em dados de clima, que existem grandes regiões com maior ou menor potencial de rendimento e/ou para determinados perfis de qualidade tecnológica. Por exemplo, as regiões de maior altitude que se estendem do Nordeste do Rio Grande do Sul até o Nordeste do Paraná, regiões do Sul de Minas Gerais, áreas do Planalto Central, apresentam maior probabilidade natural, pelo regime térmico, principalmente, para a obtenção de rendimentos elevados. Já regiões mais baixas e quentes do Oeste do RS, SC, parte do PR e do Brasil-Central, tem potenciais inferiores. Não significa, entretanto, que essas regiões estejam fadadas a obtenção de rendimentos não economicamente viáveis.

Olhando-se de outra forma, o perfil de qualidade tecnológica mais demandado no País (Trigo Pão) parece ser mais facilmente produzido em regiões mais secas como o eixo Oeste do RS e SC e Norte do Paraná.

Nesse aspecto, uma região privilegiada, quando a necessidade de água da cultura é atendida, é a região Tropical do Brasil que, como já foi citado, caracteriza-se pelo elevado potencial de rendimento e padrão de qualidade tecnológica Trigo Pão ou Melhorador. Existe muita variabilidade de solos nessa região. Entretanto, com a correção química e cuidados com a estrutura e conservação de solos, cria-se condição para a obtenção de elevados rendimentos de grãos.

Regiões de maior altitude merecem destaque, pois, geralmente apresentam solos com maior teor de matéria orgânica e com isso são mais propícios à obtenção de rendimentos elevados de grãos. Atualmente, parte dessa caracterização está registrada nos mapas que definem as Regiões Homogêneas de Adaptação de Cultivares de Trigo (RHACT).

Contribuições da genética

Desde que o acompanhamento histórico da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) é feito, ou seja, a partir de 1977, o desempenho do trigo nas lavouras do Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, passou de uma média de 700 kg/ha para médias superiores a 2.500 kg/ha nos últimos cinco anos (CONAB, 2020). Esse avanço é decorrente ao avanço da genética e de práticas culturais.

Do ponto de vista da genética disponibilizada aos produtores, as cultivares foram drasticamente modificadas para refletir nos rendimentos médios obtidos atualmente, mas, principalmente, no potencial de rendimento de grãos que possuem, mas que nem sempre é expresso nas lavouras. Várias características agronômicas foram sendo alteradas em cerca de um século de melhoramento de trigo no RS.

A primeira grande alteração genética que permitiu o avanço no rendimento de grãos das cultivares foi a resistência/ tolerância à acidez do solo. Na sequência, avanços significativos foram feitos para todos os estresses bióticos, com ênfase em maior resistência à ferrugem da folha, manchas foliares, oídio e giberela, principais doenças que acometem o trigo no sul do Brasil.

Destaque também deve ser dado à modificação no tipo de planta das cultivares lançadas ao longo do tempo, apresentando menor estatura (Figura 3), colmo mais resistente ao acamamento, maior capacidade de perfilhamento, folhas mais curtas e eretas que permitem melhor absorção da luz solar e aeração do dossel. A partir da agregação desses avanços no tipo de planta das novas cultivares e a adoção de práticas de manejo específicas mais eficazes foi possível a obtenção de melhores respostas no rendimento de grãos nas lavouras.

Obviamente, o avanço no rendimento de grãos de trigo, ao longo desses 40 anos de estatísticas oficiais, tem o viés ambiental. Para segmentar esse efeito, a Embrapa realizou a avaliação do ganho genético dos programas de melhoramento de trigo durante 12 anos, de 2002 a 2014, a partir do Ensaio Estadual de Cultivares de Trigo, que compreende genótipos de todos os obtentores no Rio Grande do Sul.

Foram considerados 184 ensaios nesse período, conduzidos em diferentes regiões, sendo considerados, desses, válidos 160 ensaios. O ganho genético médio encontrado foi de 27,85 kg/ha/ano, ou seja, há um avanço genético no rendimento de grãos de 27,85 kg/ha a cada ano, que é compatível com os que tem sido obtidos ao redor do mundo, para trigos de primavera.

Uma questão importante a ser discutida é por que o potencial genético de rendimento de grãos das cultivares de trigo modernas não está sendo expresso nas lavouras do Rio Grande do Sul.

Como forma de quantificar esse “gap” na produtividade, realizou-se levantamentos no período de 2010 a 2019, considerando a) rendimento de grãos médio obtido nas lavouras do Rio Grande do Sul (Conab); b) rendimento de grãos médio obtido dos ensaios de Valor de Cultivo e Uso (VCU) da Embrapa Trigo, conduzido em diferentes regiões e c) rendimento de grãos máximo obtido na mesma rede experimental de VCU da Embrapa Trigo (Figura 4).

Apesar de os genótipos que fazem parte dos ensaios VCU não serem os mesmos das cultivares presentes na lavoura, fica evidente, na Figura 4, o potencial genético existente no germoplasma desse cereal e que não está sendo alcançado nas lavouras. As médias de rendimento de grãos nas lavouras do RS não têm passado de 3.000 kg/ha, com oscilações conforme a safra agrícola, enquanto a média dos ensaios tem sido, em média, 2 toneladas superior.

Quando se compara com o máximo rendimento de grãos obtido, a diferença é ainda mais significativa.

Em 2010 e 2016, por exemplo, o rendimento máximo de determinado genótipo foi superior a 8 toneladas por ha.

É fundamental tentar compreender as razões de não estarmos atingindo o real potencial de rendimento de grãos das cultivares nas lavouras. A justificativa mais evidente é que estamos comparando grandezas distintas. Apesar de a unidade de medida de parcelas experimentais também ser kg/ha, o valor é obtido via ajuste do peso das parcelas em função da área que ocupam, fazendo a correspondência para ha. Usualmente, a área de parcelas experimentais dos ensaios VCU não é superior a 6 metros quadrados.

Sendo assim, de maneira simplista, o rendimento de grãos de um hectare de lavoura estaria sendo comparado com uma parcela mais de mil vezes menor. Contudo, será que esse fator por si só explicaria uma diferença de tão grande entre o que é observado nas lavouras e nas parcelas experimentais? Provavelmente não. Devem existir outros fatores associados a essa perda de eficiência agronômica entre o potencial genético teórico e a “vida real” nas lavouras.

Portanto, algumas hipóteses podem ser levantadas: a) a variabilidade nas diferentes características que definem a qualidade do solo é tão grande nas lavouras que grande parte do potencial de rendimento de grãos é reduzida; b) a precisão no manejo, possível em unidades experimentais, é reduzida na maior parte das lavouras; c) a tecnologia de aplicação de agroquímicos, principalmente fungicidas, está sendo eficiente em parcelas experimentais pela área pequena e não é uniforme em lavoura, gerando ilhas com controle menos eficiente; d) a adubação nitrogenada de cobertura feita em lavoura está sujeita a efeitos não significativos em escala experimental; e) efeitos de rastro de máquinas em lavouras comerciais tem contribuído para perda de rendimento ao passo que em parcelas experimentais não há esse problema; e f) há, de alguma forma, alguma tecnologia da pesquisa que não está chegando até a ponta da cadeia produtiva, ou seja, os produtores? São várias as hipóteses.

O fato é que há, ainda, muito potencial genético para ser explorado na cultura do trigo. Prova disso são os rendimentos máximo obtidos nos mesmos experimentos (Figura 4), representando, não raramente, uma diferença de 200% em relação ao que se observa atualmente em lavouras. Importante ressaltar, no entanto, que essa situação não é exclusividade do Brasil e também pode ser percebida em outras regiões do mundo. Além disso, o fato de não se obter o potencial genético disponível não significa parar a busca por novos platôs de produtividade. Cultivares de trigo híbridas, por exemplo, já são realidade e tem apresentado incremento de 10 a 15% no potencial de rendimento de grãos.

Mas, nesse caso há a questão do custo de produção das sementes. Quando se trata de potencial de rendimento de grãos de trigo no Brasil não se pode deixar de mencionar, também, o trigo na região do Cerrado do Brasil, em regime irrigado. Nessas condições, com cultivares diferenciadas, apropriadas para o sistema, há luminosidade muito superior a encontrada no sul do País, além do fato de haver água nos momentos que definem os componentes do rendimento, controlada por lâminas de irrigação extensivamente estudadas.

Desconsiderando possíveis agentes biológicos limitantes ao desempenho máximo da cultura, principalmente Brusone, e uma vez realizados os tratos culturais recomendados em termos de adubação, a expressão do potencial genético das cultivares é muito mais próximo da teoria.

Contribuições do manejo

O manejo é parte importante da obtenção de rendimentos elevados.

Conhecer a cultura (preferencialmente as cultivares) e suas exigências, realizar intervenções no momento correto e de forma precisa, adotar uma filosofia de manejo pensando não somente produtos, mas em processos, e fazer o básico bem feito são algumas sugestões na busca por incremento de rendimento de grãos com sustentabilidade.

Nos últimos anos, uma série de tecnologias/ estratégias para manejo foram colocadas à disposição do produtor (Figura 5) por empresas públicas e privadas, com vários propósitos.

Algumas realmente contribuíram para tornar a triticultura mais competitiva, outras tiveram sua eficiência comprovada em situações específicas e outras se mostraram sem efetividade.

Somente pensando na escolha da cultivar, no Rio Grande do Sul, estão disponíveis para cultivo (Zoneamento Agrícola) 79 e 82 cultivares para as Regiões Homogêneas 1 e 2, respectivamente. Houve avanço significativo no zoneamento agrícola, no controle de plantas daninhas, nas informações sobre o melhor uso de calagem e adubação, na irrigação (regiões específicas), no uso de reguladores de crescimento, no manejo para diversificação do uso do trigo (por exemplo na produção animal), na tecnologia de aplicação e produtos fitossanitários.

Entretanto, entende-se que o uso de produtos biológicos (inoculantes, agentes de controle biológico etc), hormônios, aminoácidos, indutores de resistência, nitrogênio em estádios tardios da cultura, aplicações de N com uso de sensores, pacotes fechados para elevados rendimentos etc., ainda carecem de maior desenvolvimento/validação que indiquem a situação/ sistema de produção que podem ser utilizados com maior chance de sucesso.

Não só rendimentos elevados, mas rentabilidade e sustentabilidade

Não se pode descolar a rentabilidade, a sustentabilidade e o risco da busca por altos rendimentos de grãos. Elevar o rendimento é somente um dos caminhos para maior rentabilidade. O ideal é o produtor ser campeão em rentabilidade e rendimento, mas se for para escolher, o primeiro é mais importante. O equilíbrio entre essas duas metas é muito tênue, principalmente quando se fala em trigo. Cada decisão de investimento e manejo da cultura deve ser baseada em análise de custo/benefício e de efetividade da tecnologia a ser utilizada.

Essa escolha varia de acordo com cada sistema de produção. Não é possível mais a utilização de pacotes fechados de insumos e manejo que não tem flexibilidade em função da realidade de cada produtor e do andamento da safra. É fundamental desenvolver a capacidade para mudar rumos quando as condições mudam durante a safra.

Por exemplo, se o produtor adota uma estratégia de controle fitossanitário calendarizada e durante a safra a pressão de determinada doença ou praga não ocorre, se ele persiste na calendarização está somente aumentando o custo de produção e não protegendo o rendimento de grãos do impacto do fator restritivo.

Adotar uma população de plantas acima de 400 ou 500 plantas/m², quando trabalhos indicam mesmo rendimento com populações inferiores a 300 plantas/m², somente aumenta o custo de produção e o risco do investimento.

Aplicação de fungicida para combater uma doença em cultivar que já apresenta resistência genética para essa doença é mais uma situação que não traz benefício para a competitividade da cultura. Esses são apenas alguns exemplos de ajustes possíveis para que se possa viabilizar a cultura. Informações técnicas não faltam para adoção de uma abordagem racional e que busque aliar elevado rendimento e rentabilidade, com consciência ambiental.