Quanta soja deixamos de produzir por falta de água?


Autores: Eduardo Lago Tagliapietra; Nereu Augusto Streck; Thiago Schmitz Marques da Rocha; Darlan Scapini Balest; José Eduardo Minussi Winck; Gean Leonardo Richter; Solon Lemos da Rosa; Cristian Savegnago; Kaleb Emanoel Ferreira do Amaral; Leonardo Silva Paula; Simone Puntel; Luiz Felipe Vieira Sarmento; Felipe de Andrade Tardetti; Guilherme Guerin Munareto; Luís Fernando Rodrigues de Oliveira; Alencar Junior Zanon
Publicado em: 30/06/2020

Introdução

A cada 30 grãos de soja produzidos no mundo, pelo menos um é produzido no Rio Grande do Sul. Nesta safra histórica o Brasil tornou-se o maior produtor mundial de soja, responsável por mais de 1/3 da produção global (USDA, 2020). Cerca de 10-15% da soja brasileira é produzida no Rio Grande do Sul (RS) (CONAB,2020). O cenário nacional é de comemoração, porém o estado do Rio Grande do Sul sofreu novamente com uma seca que derrubou as produtividades como poucas vezes na história.

O melhoramento genético e o aperfeiçoamento de práticas de manejos utilizadas pelos produtores aumentaram a produtividade média do estado em 20% durante os últimos. Mesmo assim, a produtividade média se encontra próxima a 3 ton/ha, valor bastante inferior a produtividades obtidas em experimentos. Então, quanto realmente poderíamos produzir em condições ideais? 

Para buscar essa resposta precisamos entender alguns conceitos de Produtividade: Potencial de produtividade (PP) é a produtividade de uma cultivar que cresce sem limitações de água e nutrientes, livre de estresses bióticos (doenças, pragas e plantas daninha), ou seja, a taxa de crescimento da planta ou da cultura é determinada pela radiação solar interceptada pelo dossel, temperatura, CO2 atmosférico e características genéticas (EVANS, 1993; VAN ITTERSUM; RABBINGE, 1997). Essa condição dificilmente é conseguida a campo. Alguns exemplos são aquelas áreas campeãs em desafios de produtividade, onde o clima, irrigação e manejo permitem que esse potencial todo seja expressado.

Potencial de produtividade limitado por água (PPA) é semelhante ao PP, com a diferença que, além dos fatores que determinam o PP, o PPA é influenciado pela quantidade e distribuição de água e pelas características do solo e do terreno que impactam na capacidade de armazenamento de água no solo para a cultura (VAN ITTERSUM et al., 2013; FAO; DWFI, 2015).

Conhecer o PP e o PPA para as diferentes regiões climáticas e características de solos possibilitem aos produtores o planejamento mais eficiente de suas lavouras, em que o investimento de recursos pode ser ajustado para atingir produtividades próximas de 80% sobre o PP (para áreas irrigadas) ou sobre o PPA (para áreas de sequeiro), maximizando a eficiência do uso de recursos e o lucro do produtor, aumentando a sustentabilidade do sistema produtivo (VAN ITTERSUM; RABBINGE, 1997). Nosso objetivo neste trabalho foi estimar o potencial de produtividade e as lacunas de produtividade de água e manejo da cultura da soja para o Rio Grande do Sul e seus ambientes de manejo.

Material e Métodos

Primeiramente dividimos o estado do Rio Grande do Sul (RS) com base no clima, para melhor representar a variabilidade existente, seguindo a metodologia proposta por Van Wart et al. (2013) e utilizada pelo Global Yield Gap 

Atlas (http://www.yieldgap.org). Essa classificação leva em consideração três variáveis agroclimáticas que governam a produção da cultura da soja, sendo elas: (i) total anual de acúmulo de graus dias, (ii) índice de aridez anual e (iii) sazonalidade de temperatura. Um mapa de colheita foi elaborado com base nos dados de área colhida do IBGE média de 5 anos (2014- 2019) e sobreposto as zonas climáticas, para a identificação das ZC que apresentam participação na produção de soja do estado.

Segundo Grassini et al. (2015a), para uma estimativa robusta e confiável são necessários estimar o PPA para no mínimo 15 anos, para atender esse critério foram utilizadas estações meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) com dados disponíveis para esse período e utilizadas para criar as buffers zones (Regiões de abrangência da estação - BZs) numa área de 100 km de diâmetro, sendo elas delimitados pelos limites das ZC (Figura 1).

Foram selecionadas as buffers zones (BZs) com mais de 5% da área de colheita, evitando mais de 20% de sobreposição entre elas. Dessa forma, 12 BZs (I a XII) foram selecionas, totalizando 67% da área produtora de soja. As BZs foram divididas em 2 ambientes de produção predominantes no estado do RS, o ambiente da metade norte, composto pelas BZs 1 a 4 e o ambiente da metade sul, composto pelas BZs 5 a 12.

Para a estimativa do PP e o PPA por modelos, foi utilizado o CSM-CROPGRO-Soybean e realizado simulações utilizando os grupos de maturidade relativa (GMR) mais utilizados pelos produtores para cada BZs e a data de semeadura a qual melhor representa cada região. As simulações foram realizadas para 15 anos (2004 – 2019), segundo Grassini et al. (2015a) valores para uma estimativa precisa e segura.

Resultados e Discussão

O potencial de produtividade (PP) do Rio Grande do Sul que foi estimado pelo modelo CSM-CROPGRO- Soybean, resultante da média ponderada da área de colheita das BZs, atingindo o valor de 6,6 ton/ ha. Essa estimativa do PP por modelos é a mais precisa, pois simula sem nenhum tipo de limitação biótica, somente com as condições climáticas, desde que o modelo esteja bem calibrado para a região e possua os dados meteorológicos necessários para rodar o modelo (LOBELL et al., 2009). Já o potencial de produtividade limitado por água (PPA) do RS (2004 – 2019) foi de 3,9 ton/ha, com um desvio padrão de 2,0 ton/ha, demonstrando a grande variabilidade interanual presente no RS, resultante principalmente da quantidade de precipitação e sua distribuição durante a estação de cultivo. A produtividade média do RS durante os últimos 15 anos (2004 – 2015) foi de 2,5 ton/ha (CONAB, 2019), com um desvio padrão de +- 0,7 ton/ha, valores de PM são baixos mostrando que tem uma grande lacuna para ser explorada.

Neste estudo, três lacunas de produtividade foram geradas a partir dos diferentes potenciais de produtividades, a primeira foi a maior lacuna (4,1 ton/ha ou 62%) que comparou a PP em relação a PM (lacuna potencial = PP-PM). A segunda lacuna de produtividade foi a lacuna causada pelo déficit hídrico, resultante do PP em relação ao PPA (lacuna água = PP – PPA) o qual é responsável por uma lacuna de 2,7 ton/ha, ou seja 41% do PP. A terceira lacuna de produtividade foi a lacuna de manejo, criada a partir da comparação entre PPA e a PM (lacuna = PPA-PM) alcançou valor de 1,4 ton/ ha ou 21% do PP (Figura 2), tal lacuna foi decorrente de fatores principais como: época de semeadura e GMR (ZANON et al., 2016; ZANON et al., 2018), densidade de plantas (CORASSA et al., 2018) e características físicoquímicas do solo. Na Argentina, Merlos et al. (2015) estimaram uma PPA de 3.9 ton/ha e uma lacuna de manejo de 32% (1,2 ton/ha), já nos Estados Unidos, Edreira et al. (2017) reportaram uma PPA superior (4,8 ton/ha) em relação a encontrada na Argentina, e uma lacuna de manejo de 13% (0,6 ton/ha).

O RS possui dois ambientes de produção bastante distintos, o ambiente da metade norte do estado (figura 3A), região predominante de terras altas, com solos mais profundos e maior capacidade de armazenamento de água, quando comparado com o ambiente de produção da metade sul (figura 3B). A metade norte do estado apresenta um PP mais elevado, 7,0 ton/ha, resultante da interação da radiação com a temperatura (coeficiente fototérmico) e também maior PPA (4,6 ton/ha) devido maior acumulo histórico de precipitação, melhor distribuição ao longo do ciclo de desenvolvimento e principalmente solos com maior capacidade de armazenamento de água. Na metade norte possuímos uma lacuna de produtividade causada pelo déficit hídrico (PP – PPA) de 2.3 ton/ha ou 33.5% do PP e uma lacuna de manejo (PPA – PM) de 2.2 ton/ha ou 32 % do PP.

Quando abordamos os ambientes da metade sul o PP diminui um pouco, sendo de 6,6 ton/ ha, já o PPA diminui consideravelmente (3,4 ton/ha), resultado da realidade das características dos solos da região (solos rasos, com baixa capacidade de armazenamento de água) e menor acumulo de precipitação. Nesse ambiente a lacuna causada pelo déficit hídrico ganha ainda mais importância, chegando a representar 47% do PP (3,0 ton/ha), e a lacuna de manejo apresenta contribuição de 21% do PP (1,3 ton/ ha). Os valores reportados na literatura se aproximam com os encontrados neste estudo mostrando que o principal limitante na produtividade do RS é o déficit hídrico (SENTELHAS et al., 2015).

Nos Estados Unidos, Lobell et al. (2009) identificaram lacunas de produtividade que variaram de 20 a 80%, o que confirma que os valores encontrados neste trabalho estão dentro da faixa reportada na literatura para diferentes culturas. Além disso, é possível inferir que o RS encontra-se com uma grande lacuna a ser explorada até atingir os valores de 80% do PP, valor citado por Van Ittersum e Rabbinge (1997) como sendo o ponto de máxima eficiência econômica, as quais são realidade em países desenvolvidos com alta tecnificação e intensificação dos sistemas produtivos (CASSMAN, 1999; CASSMAN et al., 2003; VAN ITTERSUM; RABBINGE, 1997).

Estudos que levam em consideração os ambientes de manejos para tomadas de decisões são o futuro da agricultura no mundo, uma vez que, conhecendo o real potencial de produtividade de uma lavoura, a lacuna causada pelo déficit hídrico e a lacuna de manejo, auxilia o produtor na tomada de decisões desde ao investimento da lavoura até as práticas de manejo para maximizar a eficiência no uso dos recursos.

Conclusão

As principais informações deste estudo com foco no potencial e lacunas de produtividade de soja foram:

1. o potencial de produtividade do RS foi 6,6 ton/ha e o PPA 3,9 ton/ha;

2. a lacuna causada pelo déficit hídrico variou de 33.5% a 47% do PP na metade norte e na metade sul, respectivamente (2,3 a 3,0 ton/ha).

3. a lacuna causada pelo manejo variou de 32 a 21% do PP na metade norte e na metade sul, respectivamente (2,2 a 1,3 ton/ha).