Clerison R. Perini, Silvana Abbate, Verónica Sosa, Andrés A. Risso, Ricardo Froehlich, Verlaine S. Selli, Matheus Ceolin, Letícia Puntel, William B. Daltrozo, Jerson C. Guedes
Introdução
A agricultura caminha para o uso intensivo da tecnologia Bt (plantas geneticamente modificadas que expressam toxinas Cry ou Vip de Bacillus thuringiensis) para o controle de lepidópteros-praga nas grandes culturas como a soja, o milho e o algodão. As plantas Bt, devido à expressão contínua da toxina nos tecidos vegetais, conferem mortalidade de muitas lagartas quando há a ingestão do tecido com a toxina Cry ou Vip, devido à afinidade de ligação com receptores do aparelho digestivo. As toxinas Bt se ligam nesses receptores e perfuram a parede do aparelho digestivo (mesêntero) ocasionando a morte das lagartas por septicemia. Insetos que não tem afinidade dos receptores com a toxina não morrem, como por exemplo, os percevejos e os besouros. As alterações na ocorrência e na importância de espécies-praga é um fenômeno atribuído a qualquer alteração nos regimes de manejo de pragas, doenças, plantas daninhas e solos, nos quais, os recursos de um determinado habitat estão disponíveis para serem explorados por outra espécie. Dessa forma, algumas pragas que antes eram consideradas secundárias estão ganhando importância pela ocorrência frequente e pelos danos que ocasionam, como é o caso das lagartas do gênero Spodoptera, dos besouros desfolhadores e de outros insetos sugadores e raspadores. Ou seja, são pragas que não são controladas ou pouco controladas pela tecnologia Bt e que podem se tornar importantes redutores de produtividade da soja.
Pragas da soja Bt e não Bt nos países do sul da América do Sul
Com o objetivo de conhecer e compreender sobre o cultivo de soja Bt, a ocorrência de lagartas e de outras espécies-praga e o manejo adotado em soja Bt e não Bt em alguns países da América do Sul, foi realizada uma entrevista dirigida a pesquisadores, consultores e agrônomos do Uruguai, do Paraguai da Argentina e do Brasil. Para isso foram feitas as seguintes perguntas:
1) Qual o percentual de cultivo de soja Bt na região ou Estado/ Província?
2) Quais as principais espécies-praga em soja não Bt considerando lagartas e outras pragas?
3) Quais as principais espécies-praga em soja Bt considerando lagartas e outras pragas?
4) Qual o número médio de aplicações de inseticidas em soja não Bt?
5) Qual o número médio de aplicações de inseticidas em soja Bt?
Ao todo, foram entrevistadas e consultadas mais de 15 pessoas relacionadas ao campo e a resposta às perguntas e um relato a cerca da ocorrência de pragas e do manejo adotado nos cultivos de soja Bt e não Bt nesses países, seguem abaixo.
Pragas das sojas Bt e não Bt no Uruguai
Eng. Agra. Msc. Silvana Abbate - UDELAR
No Uruguai o cultivo de soja Bt teve início em 2012 com o evento MON87701 e com gradativo aumento a cada safra. Na safra 2013/14 o cultivo com soja Bt representou 4,4% e na safra seguinte em 2014/2015 ocupou 17,2% do total da área de soja que foi de 1,3 milhões de hectares. Entretanto, a adoção pela tecnologia Bt não progrediu em escala exponencial e nas últimas safras (2017/2018 e 2018/2019) foram cultivados em torno de 235 mil hectares com soja Bt, ou seja, cerca de 22% da área (Comunicado de URUPOV).
Como cerca de 78% da soja no Uruguai ainda é não Bt, as pragas principais são diversas, dentre elas, a lagarta-da-soja (A. gemmatalis), as lagartas falsa-medideira (R. nu e C. includens) e a broca-dosponteiros (Crocidosema aporema); espécies de tripes (Caliothrips phaseoli e Frankliniella occidentalis); de ácaros (principalmente Tetranychus urticae) (Bentancourt e Scatoni, 2010) e os percevejos, como o percevejo-verde-pequeno (Piezodorus guilidnii), o percevejoverde-grande (Nezara viridula), o percevejo-barriga-verde (Dichelops furcatus) e o percevejo-asa-preta (Edessa meditabunda) (Zerbino et al., 2016; Ribeiro e Castiglioni, 2009).
Os percevejos são um dos maiores problemas fitossanitários da soja no Uruguai e requerem uma ou mais aplicações de inseticidas, tanto em soja Bt quanto em soja não Bt. Dentre as espécies de percevejos, o P. guildinii é a mais importante pela abundância e pelos danos que ocasiona, além disso, tem-se verificado um incremento na ocorrência do percevejo-verde-grande na safra 2019/2020. Também, as helicoverpas são ocorrentes em soja desde a detecção no país (Helicoverpa gelotopoeon - Álvarez e Abbate, 2013 e H. armigera - Castiglioni et al., 2016) e necessitam de pulverizações, em alguns casos no estágio vegetativo, mas principalmente, no período reprodutivo que é o de maior dano dessas lagartas.
O complexo de lagartas-pretas, Spodoptera cosmioides e S. eridania (Bentancourt e Scatoni, 2010) e mais recentemente S. exigua e S. frugiperda (Blanco et al., 2016), também são reportadas como pragas da soja. Entretanto, nas últimas safras, a ocorrência de S. cosmioides e S. frugiperda aumentou e exigiu pulverizações de inseticidas em alguns casos pontuais, tanto em soja não Bt, quanto em soja Bt. A ocorrência de S. frugiperda tem sido relatada em lavouras de soja com plantas daninhas, principalmente, as gramíneas, Digitaria sanguinalis e Lolium multiflorum.
Outra praga que tem ocorrido com certa frequência em algumas lavouras de soja com ou sem a tecnologia Bt é o “bicho bolita” (Armadillidium vulgare - ordem Isopoda), que está associado ao sistema plantio direto (Cibils et al., 2017) devido ao grande volume de palha na superfície (Wolters e Ekschmitt, 1997; Faberi et al., 2011). O “bicho bolita” causa dano nas plantas e o controle químico é usado com frequência em lavouras com elevada infestação. Lesmas e caracóis têm sido registrados como pragas emergentes da soja nos últimos anos no Uruguai (Deroceras reticulatum, Deroceras laeve, Milax gagates). Além dessa praga, está se observando com maior frequência e abundância populações de Diabrotica speciosa e os danos nas folhas e, em alguns casos, nos legumes. Entretanto, sem importância econômica até o momento.
O número de aplicações é bastante variável entre os produtores de soja não Bt com uma média em torno de 3-4 pulverizações, em que a primeira é exclusiva para o manejo de lagartas, a segunda, para o controle de lagartas e percevejos e as demais são específicas para o controle de percevejos. Alguns produtores adotam o manejo preventivo sem considerar os níveis de ação e chegam a realizar até cinco aplicações de inseticidas. Em anos de baixa precipitação pluviométrica, é comum que o número de aplicações para lagartas seja reduzido a uma ou nenhuma e essas sejam destinadas ao controle de tripes e ácaros, que pode coincidir com as aplicações para o controle de percevejos. Por outro lado, nas sojas Bts, duas aplicações são destinadas ao controle de percevejos e de outras pragas, como tripes e ácaros. Embora ocorram, são poucos e isolados os casos com aplicações específicas para o controle de S. cosmioides no período vegetativo de soja Bt.
Pragas das sojas Bt e não Bt no Paraguai
Eng. Agra. Verónica Sosa UCA-UCH
O cultivo de soja no Paraguai atingiu 3,5 milhões de hectares na safra 2019/2020 segundo a Cámara Paraguaya de Exportadores y Comercializadores de Cereales y Oleaginosas (CAPECO, 2020). Desde a liberação de cultivo da soja Bt, em 2013 e o início do cultivo comercial, na safra 2013/2014, a adoção foi sendo incrementada a cada ano e hoje essa tecnologia está em 47% da área plantada com soja (DISE, 2020). Dessa forma, o cenário de importância e a ocorrência de algumas pragas são divididos, pois as principais pragas em soja não Bt são as lagartas falsas-medideiras (C. includens e R. nu) e as spodopteras (S. eridania, S. frugiperda e S. cosmioides). Por outro lado, em soja Bt a importância das lagartas muda, citando-se as spodopteras e a lagarta-rosca (Agrotis ipsilon) como lagartas-chaves. As pragas sugadoras e raspadoras, como o percevejo-marrom (Euschistus heros), a mosca-branca (Bemisia tabaci), tripes (Caliothrips sp.) e o ácaro-rajado (T. urticae) são importantes tanto em soja Bt quanto em soja não Bt em 100% da área, dependendo do ano, com maior ou menor infestação.
Além dessas pragas, recentemente ocorreram elevadas infestações de caracóis no início do desenvolvimento da soja, principalmente em áreas com elevada quantidade de cobertura vegetal e umidade. Essas pragas ocasionaram danos severos nas plântulas e plantas, independente de ter ou não a tecnologia Bt, necessitando em alguns casos o replantio da soja. Outra praga que não sofre interferência da soja Bt é a moscada-haste da soja (Melanagromyza sojae), que tem ocorrido em abundância, principalmente na soja safrinha, desde a sua detecção em 2017 (GUEDES et al., 2017). H. armigera também ocorre esporadicamente na soja e a lagarta-enroladeira (Hedylepta indicata) tem aparecido em áreas de soja safrinha (RECKZIEGEL e SOSA, 2019 a,b).
Estima-se que o número médio de aplicações na soja não Bt gira em torno de 5-6 pulverizações de inseticidas, dependendo do nível de infestação dos insetospragas e das condições climáticas. As primeiras duas aplicações na fase vegetativa são exclusivas para o controle de lagartas e eventualmente besouros desfolhadores, a terceira e a quarta aplicação são com inseticidas para controlar lagartas e percevejos e a demais são principalmente para o controle de percevejos em soja não Bt. Já, nos cultivos de soja Bt, o número de aplicações é menor devido a não aplicação para o controle de lagartas, exceto, em alguns casos específicos para o controle da lagarta-rosca no início do desenvolvimento da soja. Assim, o controle de percevejos, tripes, mosca-branca e ácaros é conseguido com 3 a 4 aplicações durante todo o ciclo da soja Bt, dependendo do nível populacional das pragas. Em certas áreas de soja Bt infestadas com lagartas (spodopteras e lagartarosca), são realizadas até 2 pulverizações para o seu controle e as demais, ou até mais quando necessário, são para o controle de percevejos, mosca-branca e ácaros.
Além dessas, certas áreas com infestações elevadas de vaquinha (D. speciosa), que consomem folhas e flores de soja e o tamanduá-da-soja (Sternechus subsignatus) demandam controle específico. Dentre os coleópteros, que atacam a soja, a vaquinha é a espécie mais importante e amplamente distribuída em vários locais do Paraguai (CABRAL et al. 2018). Entretanto, na safra 2019/2020, devido ao baixo nível populacional das pragas em soja Bt semeada no cedo, foram realizadas apenas 2 pulverizações de inseticidas em todo o ciclo. Já, nas sojas semeadas no tarde, foram realizadas, no mínimo, 2 aplicações para o controle de mosca-branca e mesmo assim, apresentou baixa eficácia.
Pragas das sojas Bt e não Bt no sul do Brasil
Dr. Clérison Perini e Prof. Dr. Jerson Guedes UFSM
O cultivo da soja no Sul do Brasil está passando por uma mudança com o uso da tecnologia Bt, aumentando ano após ano o seu cultivo. Desde o lançamento da soja Bt no mercado brasileiro, na safra 2013/2014 até atualmente, o cultivo passou de 4% no primeiro ano, para 48% na safra 2015/2016 (Agroconsult, 2018) e, para em torno de 70%, na safra 2019/2020. Cabe destacar que no estado do Rio Grande do Sul, segundo alguns agrônomos e consultores, o cultivo de soja Bt chega ao redor de 80%. Conforme o sucesso no controle de muitas lagartas, e, principalmente, pela resposta em produtividade, a tecnologia Bt tende a ser adotada em mais de 90% da área de soja nos próximos anos e com toxinas Bt piramidadas/estaqueadas, conforme as aprovações da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) (Tabela 1).
É coerente afirmar que as áreas de soja, que não utilizam a tecnologia Bt (~ 20-30%), além de servir como área de refúgio, certamente estão sofrendo influência de áreas vizinhas que a utilizam, devido à migração populacional desses indivíduos em busca de alimento. Por esse motivo, têmse verificado que algumas pragas que se tornaram mais frequentes e abundantes na soja Bt, como insetos sugadores e besouros desfolhadores, também estão ganhando maior importância nas sojas não Bt.
Nas sojas, sem a tecnologia Bt, podemos citar como principais pragas, as lagartas falsa-medideira (C. includens) e spodopteras (S. eridania, S. cosmioides e S. frugiperda), o percevejo-marrom (E. heros), os ácaros Tetranychidae (como o T. urticae e o Mononychellus planki - Guedes et al., 2007) e o tamanduá-dasoja (S. subsignatus) que ocorrem de maneira frequente e abundante em vários locais do sul do Brasil. Além desses, ocorre com menor frequência, a lagarta helicoverpa que, nos anos anteriores apresentou-se em elevada densidade populacional ocasionando danos na soja (Stacke et al., 2018), mas que atualmente tem baixa ocorrência.
Por outro lado, nas sojas Bts, as principais espécies não diferem muito da soja sem a tecnologia Bt e podem ser citadas em grau de importância os percevejos marrom e barriga-verde, as lagartas spodopteras (S. eridania, S. cosmioides e S. frugiperda), os ácaros e os tripes. De modo geral, as pragas que não são controladas pela tecnologia Bt tendem a se destacar e aumentar em número, assim como está ocorrendo para muitas espéciespraga ocasionais, como os besouros desfolhadores (Megascelis spp., Maecolaspis spp., Diphaulaca sp. e Aracanthus mourei) e, em especial, a D. speciosa.
Outras pragas ocasionais da soja podem ocorrer tanto em soja Bt quanto em áreas sem essa tecnologia, como os moluscos (lesmas e caracóis) que têm ocorrido em algumas áreas isoladas no Rio Grande do Sul e associados a períodos de alta umidade e elevada quantidade de palha na superfície do solo, alguns insetos sugadores como cigarrinhas (Ceresa brunnicornis e C. fasciatithorax) e cochonilha-branca-da-raiz, além de grilos. Nos últimos anos, principalmente na soja safrinha, evidenciaram-se elevadas infestações da moscada-haste da soja, (M. sojae) no Sul (Curioletti et al., 2018) e Centrooeste do Brasil (Czepak et al., 2018), e de mosca-branca (B. tabaci). No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina é comum o cultivo de soja safrinha com semeadura em meados de janeiro/fevereiro, que condiciona o aparecimento dessas pragas, além de hospedar percevejos e outras pragas remanescentes do primeiro cultivo.
O número de aplicações para o controle desses insetos é bastante variável dependendo do nível de infestação, da região e do grau de importância que o produtor de soja atribui aos insetos-pragas. Embora seja notável que o menor número de aplicações de inseticidas na soja Bt, especialmente para o controle de lagartas, condicionou um aumento do número de percevejos nas lavouras (Guedes et al., 2016), houve também um aumento nos casos de aplicações de lagarticidas para o manejo de spodopteras não controladas pela tecnologia Bt, tanto em pré-semeadura, no início do desenvolvimento da cultura ou a partir do fechamento das entrelinhas. Muitas populações de S. frugiperda permanecem em culturas de inverno (aveia, azevém, trigo, nabo, etc.) ocasionando danos e aumentando em número, que resulta em elevadas infestações no início do desenvolvimento das culturas de verão (soja e milho).
Nas sojas não Bt, o número de aplicações gira em torno de 4-5, considerando a primeira exclusiva para o controle de lagartas (C. includens e A. gemmatalis); a segunda para o controle lagartas e percevejos; a terceira para o controle de lagartas (H. armigera, C. includens e spodopteras), percevejos e ácaros; e a quarta e a quinta aplicações, principalmente para o controle de percevejos. Já nas sojas Bts, o controle inicia mais tarde na maioria das lavouras, e completa o ciclo com 3-4 aplicações para o manejo de percevejos principalmente, além de outras pragas que podem ocorrer, como ácaros, moscabranca, besouros desfolhadores e, ocasionalmente, para lagartas do gênero Spodoptera. Cabe destacar que nas sojas tardias ou de cultivo safrinha, as aplicações para o controle de percevejos e mosca-branca intensificaram-se.
Pragas das sojas Bt e não Bt na Argentina
Eng. Agr. Andrés A. Risso
O cultivo de soja Bt na Argentina teve início em 2012/2013 e, nas últimas safras, 2017/2018 e 2018/2019, ainda obteve uma média baixa de adoção dessa tecnologia, com apenas 20% da área de soja. Entretanto, acredita-se que, na safra 2019/2020, a adoção pode ter atingido 40%. A maior adoção da soja Bt é nas regiões noroeste e nordeste Argentina, com aproximadamente 70% da área, devido a maior incidência de pragas, e vai decrescendo do centro ao sul do país, chegando a níveis de adoção inferior a 10% (RETAA, 2019). Portanto, a Argentina apresenta uma clara divisão do cultivo de soja Bt que, com certeza, se reflete na ocorrência de diferentes pragas e na escolha de medidas de manejo nessas regiões.
As principais pragas que ocorrem na soja não Bt são as lagartas (A. gemmatalis, H. gelotopoeon e R. nu), os percevejos (Dichelops sp., P. guildinii e N. viridula) (Igarzábal et al., 2015) e os ácaros (Tetranychus sp.). O manejo dessas espécies ocorre com uma média de 3 aplicações, sendo a primeira para o controle de lagartas desfolhadoras e as demais aplicações direcionadas para percevejo e ácaros, além da H. gelotopoeon. Por outro lado, na soja Bt, destacam-se os percevejos e os ácaros. Ocorrências de spodopteras (S. cosmioides e S. eridania e S. frugiperda), da lagarta-rosca (A. ipsilon) e do bicudo negro da soja (Rhyssomathus subtilis) tende a ganhar importância (Blanco et al., 2016). Na região Pampeana, ao sul da Argentina, o clima mais seco favorece a ocorrência de ácaros e tripes. Entretanto, o clima seco nas últimas 3 safras tem beneficiado a ocorrência dessas pragas de maneira mais generalizada nas regiões produtoras de soja. O manejo dessas pragas na soja Bt apresenta uma média de 2-3 aplicações.
Portanto, verifica-se uma mudança na ocorrência e na importância de algumas espéciespragas da soja, considerando a inserção da tecnologia Bt nesses países e que, certamente, as medidas de controle também serão direcionadas para as espécies predominantes. De forma resumida, os dados encontram-se na Figura 1, com o percentual de cultivo de soja Bt e não Bt em cada local e as “TOP 5” espécies-praga, entretanto, não se restringindo a apenas essas.
Descrição, bioecologia e danos das principais espécies nas sojas não Bt e Bt
A partir do levantamento da ocorrência das principais pragas no sul do Brasil, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina, entendemos que conhecer as características morfológicas, biológicas e os danos, além de compreender a dinâmica populacional das espécies nas novas tecnologias Bt, são os primeiros passos para o produtor conhecer as espécies-praga da soja e o posicionamento de manejo eficaz nas sojas Bt e não Bt, a fim de evitar perdas de produtividade e de qualidade de grãos e de sementes.
Considerando a eficácia de controle da tecnologia Bt, podemos classificar as espécies em dois grupos: 1) citando algumas lagartas ainda efetivamente controladas pela soja Bt e incluir também as spodopteras que serão controladas, com um certo grau de eficácia, por toxinas Bt; e 2) as demais espécies (sugadores, raspadores, desfolhadores e moluscos) que podem ser classificadas como pragas não controladas pela tecnologia Bt e que também são importantes em soja não Bt.
1) Lagartas
Lagarta falsa-medideira, Chrysodeixis includens
As mariposas apresentam coloração marrom escura com reflexos dourados e duas manchas prateadas (manchas reniforme e orbicular) nas asas anteriores. As asas posteriores são de coloração marrom-claro a cinza. As fêmeas ovipositam de forma isolada na parte abaxial das folhas e principalmente nos terços médio e inferior da soja (ovos de cor verde). As lagartas desenvolvidas medem de 30 a 35 mm, apresentam coloração verde com linhas longitudinais de cor branca e dois pares de falsas pernas, além de um par de pernas anal. Quando se locomovem formam um arco com o corpo (medepalmo). A pupa apresenta cor de verde-claro e ocorre na folha e o ciclo de ovo-adulto dura cerca de 25 dias.
Logo que eclodem, as lagartas raspam o tecido da folha na parte abaxial e quando mais desenvolvidas consomem todo o limbo foliar, exceto as nervuras, deixando a folha com aspecto rendilhado. A maior injúria nas folhas de soja ocorre entre o 4º e o 6º instares de C. includens, quando consomem cerca de 97% do total (100 cm2) em aproximadamente 8 dias. É uma espécie de difícil controle com poucos inseticidas eficazes e de custo elevado (Perini et al., 2019).
Lagarta falsa-medideira, Rachiplusia nu
As mariposas são de coloração geral acinzentada e opaca com uma mancha prateada em forma de “Y” nas asas anteriores. A fêmea deposita ovos isolados de cor branco-amarelada nas folhas. As lagartas desenvolvidas medem de 25 a 30 mm e apresentam coloração verde com faixas longitudinais esbranquiçadas. Podem apresentar pontuações pretas e possuem dois pares de falsas pernas, além de um par anal. A fase de pupa ocorre em casulos de seda que as lagartas tecem sob as folhas de soja. Essa espécie de falsa-medideira é mais importante na Argentina e seus danos são semelhantes ao de C. includens, deixando a folha com aspecto rendilhado.
Lagarta-preta, Spodoptera eridania
Os adultos têm coloração cinza-escura com uma mancha preta partindo da região central para o ápice das asas anteriores e as asas posteriores transparentes. A fêmea faz a postura sob a folha em 2 a 3 camadas, sendo a última recoberta por escamas do abdome das mariposas. As massas de ovos são irregulares de coloração verde, tornando-se marrons antes da eclosão. As lagartas pequenas são esverdeadas e possuem quatro pontos escuros sobre o dorso na parte mediana do corpo. Quando desenvolvidas, medem 35 mm a 50 mm e possuem três listras longitudinais alaranjadas e cerca de 20 triângulos pretos na parte dorsal do corpo. A transformação em pupa ocorre no solo e as pupas são de coloração marrom-escura.
Lagarta-preta, Spodoptera cosmioides
As mariposas possuem coloração cinza-clara a marrom com riscos brancos. As asas posteriores são de cor branco-pérola com franja. A fêmea oviposita sobre as folhas em 2 a 3 camadas de ovos recobertos por escamas. As massas de ovos são irregulares de coloração verde, tornando-se marrons antes da eclosão. As lagartas pequenas tendem ao marrom, com uma faixa escura no último segmento do tórax, passando a preta com três listras alaranjadas, uma dorsal e duas laterais, com plantiodireto.com.br - Edição 175 27 Figura 5. Lagarta e adulto de Spodoptera cosmioides. Fotos: Clérison R. Perini (lagarta) e Dirceu Gassen (adulto) Figura 6. Lagarta e adulto de Spodoptera frugiperda. Fotos: Clérison R. Perini pontuações brancas. Quando completamente desenvolvidas medem 35 a 40 mm e são de cor preta brilhante, com 16 pontuações douradas no dorso, sobre duas linhas longitudinais, de cor clara/laranja. Apresentam uma faixa mais escura entre o terceiro par de pernas torácicas e o primeiro par de falsas pernas abdominais. A transformação em pupa ocorre no solo e apresentam de coloração marrom.
Os adultos possuem coloração cinza-escura com as asas anteriores “mosqueadas” e as asas posteriores branco-translúcidas, com borda cinza. A fêmea realiza a postura sob a folha em 2 a 3 camadas, sendo a última recoberta por escamas do abdome das mariposas. As massas de ovos são irregulares de coloração verde, tornando-se marrons antes da eclosão. As lagartas pequenas são verde-claras com pelos pretos e quando desenvolvidas medem 35 mm a 40 mm e apresentam coloração esverdeada a pardo-escura, com uma linha mediana longitudinal de cor marrom-clara entre duas linhas laterais de cor mais clara. A cápsula cefálica tem uma sutura em forma de “Y” invertido. A transformação em pupa ocorre no solo e as pupas são de coloração marrom.
As lagartas do gênero spodoptera causam danos em plantas recém emergidas, cortando-as rente ao solo (especialmente S. frugiperda). Mas também consomem as folhas e as brotações, reduzindo a área foliar, além de atacarem os legumes da soja.
Lagarta-helicoverpa, Helicoverpa armigera
As mariposas possuem coloração amarelo palha com uma mancha escura (orbicular) no centro das asas anteriores e as asas posteriores são esbranquiçadas com uma faixa escura distal. As fêmeas ovipositam cerca de 1.200 ovos de forma isolada nos brotos, flores, legumes e folhas. As lagartas medem entre 30 a 35 mm quando bem desenvolvidas, apresentam aspecto coriáceo e colorações variadas, desde verde-claro, marrom, cinza, preto e até um mesclado de cinza com amarelo ou verde. Apresentam diversas linhas longitudinais esbranquiçadas ao longo do corpo, além de tubérculos (pontuações), dispersos em cada segmento do abdômen, que servem de base para os pelos. A fase de pupa ocorre no solo e o ciclo completo de ovo-adulto dura cerca de 30 dias.
As lagartas de helicoverpa atacam as brotações na fase inicial da soja, mas seu dano principal é no período reprodutivo, consumindo flores, legumes e grãos. A perda de produtividade pode variar de 70 a mais de 120 kg/ha (Stacke et al., 2018).
2) Sugadores e raspadores
Percevejos, Euschistus heros e Dichelops sp.
Os adultos de E. heros têm coloração marrom e uma meia lua branca na parte posterior do escutelo. As fêmeas fazem a postura nos legumes, hastes e folhas e as ninfas logo que eclodem ficam agregadas; quando maiores, se dispersam e apresentam coloração cinza/marrom. O período de ovo a adulto é cerca de 28 dias. Após a colheita da soja os percevejos ficam abrigados sem se alimentar em locais de hibernação durante o inverno. Os percevejos barriga-verde, D. furcatus e D. melacanthus, apresentam o lado ventral (“barriga”) verde e o dorso de coloração castanha-acinzentada. Os ovos são verde-claros depositados sobre as folhas ou colmo. As ninfas passam por cinco instares e têm coloração esverdeada sendo que, nos primeiros estágios, (1º-3º ínstares) são muito parecidas com as de E. heros. O ciclo de ovo-adulto dura cerca de 25 dias.
As ninfas grandes (3º, 4º, e 5º instar) e os adultos sugam os legumes e grãos que ficam chochos e enrugados, reduzindo a produtividade e a qualidade dos grãos e das sementes de soja, além de serem porta de entrada de fungos.
Ácaros
As principais espécies de ácaros fitófagos pertencem a família Tetranychidae, como o ácaro-rajado - Tetranychus urticae, o ácaroverde - Mononychellus planki, além dos ácaros vermelhos - T. ludeni, T. desertorum e T. gigas (Guedes et al., 2007; Roggia et al., 2008). O ácarorajado tem duas manchas escuras, uma em cada lado do dorso. O ácaro-verde tem coloração verde intensa e pernas amareladas em todos os estágios. Os ácaros vermelhos são semelhantes entre si e apresentam cor vermelha em todos os ínstares. Os ovos, de coloração translúcida no início, são depositados na parte abaxial das folhas com teia para fixação dos mesmos, dispersão e proteção dos ácaros. As larvas eclodem e são capazes de se locomover, com 3 pares de pernas, e de se alimentar. A protoninfa emerge e apresenta 4 pares de pernas passando posteriormente para deutoninfa e adulto. O ciclo de ovo-adulto dura cerca de 10 dias.
Os ácaros perfuram as células da epiderme das folhas, se alimentam do conteúdo celular extravasado aumentando a transpiração e reduzindo a eficiência fotossintética da planta. O ataque ocorre inicialmente em reboleiras e ao longo do tempo se dispersam na lavoura e os danos/ocorrência é maior a partir do florescimento da soja (Arnemann et al., 2015).
Mosca-branca, Bemisia tabaci
Os adultos medem cerca de 1,0 mm de comprimento, têm o dorso amarelo pálido e dois pares de asas membranosas de cor branca. As fêmeas depositam os ovos de formato alongado na face inferior das folhas jovens. Após 5-7 dias, as ninfas eclodem e o primeiro instar é móvel até achar um local adequado para se fixar e se alimentar. As ninfas passam por quatro ínstares e são translúcidas, achatadas e ovais. Completam o ciclo de ovo-adulto em cerca de 20 dias.
Os danos são ocasionados principalmente pelas ninfas, podendo ser direto, quando sugam a seiva das folhas e resulta em clorose, ou indireto, com a transmissão do vírus da necrose-da-haste (Cowpea mild mottle vírus - CpMMV) que pode levar a morte da planta, sendo esse o dano principal. Também, ao se alimentarem, excretam “honeydew”, uma substância açucarada que favorece o aparecimento de fumagina na folha e reduz a capacidade fotossintética.
Tamanduá-da-soja, Sternechus subsignatus
Os adultos têm coloração escura/preta com duas faixas longitudinais amarelas no pronoto e duas linhas amarelas oblíquas e uma longitudinal nos élitros. São univoltinos e os adultos ocorrem entre os meses de outubro e janeiro. As larvas são ápodas, curculioniformes e com cabeça de cor castanho escura. As larvas eclodem dos ovos depositados no anelamento feito na haste da soja pelas fêmeas e hibernam no solo a partir de fevereiro. A fase de pupa ocorre até meados de outubro, quando emergem os adultos concomitante com o início do desenvolvimento da soja.
Os danos causados pelos adultos com a raspagem da haste e o desfiamento no local de ataque, podendo matar a planta quando entre os estágios V1 e V3. As fêmeas anelam a haste e ovipositam nesse local, onde se forma uma galha para o abrigo das larvas e a planta pode quebrar com a ação do vento.
3) Besouros desfolhadores
São várias espécies de besouros desfolhadores que atacam a soja, sendo os mais comuns: Diabrotica speciosa, Cerotoma arcuata, Colaspis sp., Diphaulaca sp., Megascelis sp. e Aracanthus mourei. Essas pragas são pequenos crisomelídeos, conhecidos comumente por vaquinhas, cascudinhos, besourinhos, metaleiros ou torrãozinho (no caso de Aracanthus). Os adultos consomem principalmente as folhas, mas também atacam cotilédones, brotações, flores e legumes. As larvas ocorrem no solo e podem causar danos nas raízes. Os danos dessas pragas são expressivos quando estão em elevada densidade populacional, pois individualmente a capacidade de desfolha dos adultos é baixa. Nas lavouras, verifica-se maior percentual de desfolhamento nas bordas de mato e de capoeiras.
4) Moluscos (lesmas e caracóis)
As lemas, de corpo nu, apresentam de 3-8 cm de comprimento e os caracóis, com uma capa de carbonato de cálcio, são pequenas conchas de aproximadamente 1,5 cm. Ambos são pragas do grupo dos moluscos com biologia e comportamento semelhantes e ocorrem em locais com temperatura amena, com elevado teor de humidade e com abundância de palha. As fêmeas ovipositam entre 300 a 1.000 ovos de cor branco-leitosa no solo em locais que garantem humidade, embaixo da palhada, sendo que as posturas das lemas e dos caracóis têm em média 30-80 e 50 ovos, respectivamente (SosaGómez et al., 2010 e Gassen, 2002). Esses moluscos têm hábito noturno com maior atividade logo após o entardecer.
Os caracóis e as lesmas raspam os tecidos da planta e se alimentam do caule, dos cotilédones, das folhas e dos legumes, podendo ocasionar o definhamento e a morte de plântulas recém emergidas e a redução da área foliar nas plantas maiores.
O futuro da ocorrência e do manejo das sojas Bt e não Bt
Com a expectativa de adoção da soja Bt em grande proporção, incluindo o sul do Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Argentina, que somam 30 milhões de hectares de soja, o manejo e a importância de algumas pragas serão alterados, devido ao aumento do uso de plantas Bt, além de diminuir entre 1-3 pulverizações de inseticidas. Outras Pragas não controladas pela soja Bt, como os insetos sugadores, os raspadores, os besouros desfolhadores e os moluscos, além das spodopteras que são pouco controladas pela soja Bt, tendem a ganhar importância com o aumento da ocorrência e dos danos. Já, nas sojas não Bt, a ocorrência de pragas ainda continua sendo principalmente com algumas lagartas desfolhadoras e insetos sugadores, onde são realizadas entre 4-7 pulverizações de inseticidas. Ainda, independente da soja ter ou não a tecnologia Bt, podem surgir novas pragas, como as invasivas, as que aumentam de importância devido ao manejo adotado ou as que são favorecidas regionalmente como o tamanduá-da-soja, os tripes e os ácaros, entre outras.
Por hora, estima-se que uso de inseticidas químicos, devido a sua maior disponibilidade, custo e controle, será o método mais utilizado nos escapes da tecnologia Bt (pragas resistentes) e, principalmente, para o controle de pragas fora do espectro de controle da soja Bt, como insetos sugadores, raspadores e desfolhadores. Espera-se o aumento do uso de novas formulações com as moléculas existentes atualmente, desenvolvimento de misturas de moléculas e de novas formas de aplicação dos tratamentos, usando inteligência e precisão. Entretanto, a maior expectativa ocorre no desenvolvimento de soluções biológicas para o controle de pragas.
Embora o cenário atual e o futuro possam ser considerados de tranquilidade quanto à ocorrência de lagartas nas sojas Bt no Brasil, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina, o monitoramento frequente das lavouras Bt é fundamental, devido à probabilidade de falhas de controle e à quebra da resistência à(s) toxina(s) Bt. Também, visto o menor número de aplicações no início do cultivo da soja, é fundamental que o monitoramento de outras pragas importantes, como percevejos, ácaros, mosca-branca, tripes, besouros desfolhadores, moluscos e outras pragas ocasionais, não seja deixado de lado e que seja frequente, devido à possibilidade de crescimento populacional dessas pragas ser mais precocemente.
O maior desafio será, de fato, reduzir o número de aplicações nas lavouras de soja Bt, a fim de preservar essa tecnologia e cumprir a um dos propósitos que é diminuir o uso de pesticidas. Para isso, é essencial lembrar que, o manejo integrado de pragas em uma cultura se faz com a utilização de diferentes métodos de controle, ou seja, além de plantas Bt, o uso de inseticidas químicos seletivos, de inseticidas biológicos, de controle cultural (época de semeadura, espaçamento e densidade de plantas, etc.), de manejo agroecológico (manutenção de vegetação espontânea na borda da lavoura para a conservação de inimigos naturais) e, um das mais importantes, uso de áreas de refúgio para preservar as populações suscetíveis.