Lavoura comercial sem fungicida e inseticida em parte aérea
A safra gaúcha de soja 2019/20 será marcada pela redução na produtividade de grãos, com estimativa de 46 % de dano em comparação a safra 2018/19 (Emater, 2020). Nesse cenário, a saúde econômica do produtor está ligada a dois fatores distintos. O primeiro fator é a instabilidade do mercado frente a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) que valorizou o dólar, insumos e a soja. O segundo fator está ligado ao clima.
O uso de produtos químicos para o controle de doenças é o método mais utilizado por produtores, considerado necessário a agricultura atual e sinônimo de qualidade produtiva (KIMATI, 1995; REIS et al., 2008; BIANCHIN, 2011). Porém, o emprego sem necessidade ou discernimento técnico reduz a viabilidade econômica e ambiental (ZAMBOLIM et al., 2003).
No Rio Grande do Sul, os fungicidas são aplicados em parte aérea da cultura para o controle de oídio (Erysiphe diffusa), ferrugemasiática (Phakopsora phachyrhizi), mofo-branco (Sclerotinia sclerotiorum) e doenças de finais de ciclo. Já os inseticidas são aplicados para controle de falsa-medideira (Pseudoplusia includens), lagartasdas-vagens (Spodoptera spp. e Helicoverpa sp.) e dos mais variados percevejos.
A primeira aplicação de fungicidas normalmente é definida por calendário, oportunamente acompanhando herbicida, estádio fenológico, pré-fechamento de fileiras, ou, em menor proporção, pelo monitoramento da lavoura. Embora existam trabalhos (Ferreira, 2012; GUELLER, 2017) onde o monitoramento resultou em produtividade semelhante ou superior às aplicações “preventivas”, este critério é pouco utilizado.
A falta de chuvas nesta safra desfavoreceu a ocorrência da maioria das doenças e pragas na cultura da soja. Produtores e responsáveis técnicos que monitoraram suas lavouras conseguiram reduzir o número de aplicações de defensivos agrícolas, reduzindo seus custos operacionais. Aqui está a palavra-chave: MONITORAMENTO.
Estratégias de monitoramento e manejo integrado foram empregadas em lavouras de soja conduzidas na região nordeste e campos de cima da serra do Rio Grande do Sul, safra 2019/20. O objetivo deste trabalho é relatar o caso da lavoura de soja que não foi necessário aplicar fungicidas e inseticidas após a semeadura.
A lavoura foi conduzida no município de Muitos Capões - RS, em latossolo bruno alumínico, Classe A e textura argilosa (EMBRAPA, 1999). A área de 52 ha, em sistema de rotação com milho e sucessão a aveia-preta, foi dessecada 25 dias antes da semeadura (DAS) com 2 L/ha de glifosato (540 g/L de eq.
As sementes do cultivar 95y02 IPRO foram tratadas com 2 mL/kg de carboxim + tiram, 2 ml/kg de carbendazim e 2 mL/kg de fipronil. A semeadura ocorreu no dia 10 de outubro, com adubação de 280 kg/ha de NPK (04-30-10) e 100 kg/ha de KCl a lanço. A partir desta data, a área passou a ser monitorada semanalmente.
O monitoramento consistiu na realização de panos de batida para contagem de lagartas desfolhadoras e percevejos, coleta de escleródios de S. sclerotiorum visando a detecção da germinação carpogênica e da coleta de 50 trifólios do terço inferior das plantas para envio a sede da Fito Consultoria Agrícola e posterior diagnóstico de pragas e doenças em laboratório.
As doenças foliares detectadas ao longo da safra foram ferrugem asiática, míldio, oídio e crestamento bacteriano. Nenhuma delas com incidência superior a 14 % em folhas do terço inferior. A praga de maior intensidade foi a tripes, com presença de insetos em 100 % dos folíolos do terço inferior na última amostragem (Figura 1).
A lavoura iniciou o período reprodutivo na última semana de novembro, período crítico para infecção e ocorrência de mofo-branco.
A primeira doença foliar detectada foi oídio. A doença ocorreu em baixa intensidade ao longo da safra, não atingindo a recomendação de controle de 20 % de colonização da área foliar do terço inferior (Reunião... 2009) possivelmente pelo desenvolvimento do fungo ser favorecido com temperatura próximas a 18ºC (Mignucci et al., 1977).
As plantas sofreram com a estiagem durante todo seu desenvolvimento, principalmente no mês de dezembro onde as médias regionais de temperatura ultrapassaram os 34ºC (INMET - Instituto Nacional de Meteorologia, 2020). Concomitante ao estresse térmico, a lavoura recebeu apenas 215 mm de chuva acumulada (Figura 2). A estiagem resultou em desfolha do baixeiro, onde havia a maior intensidade de trifólios colonizados por oídio.
Na primeira dezena de fevereiro a lavoura estava em estádio fenológico R7, início da maturação fisiológica.
A praga predominante ao longo da safra foi tripes, sendo detectada em 100 % das folhas no término do monitoramento. O ataque de tripes afeta a fisiologia da soja (Figura 3). No entanto, são escassos os trabalhos avaliando nível de controle. Infestação superior a 50 indivíduos por folíolo não reduziu o rendimento da cultura (Turnipseed, 1973) e em população de 73 indivíduos por folha resultou em dano de 17 % (Gamundi, 2005). O controle da praga é indicado com população acima de 50 indivíduos por folha (Massaro, 2012). Estes índices não foram observados em nosso monitoramento.
Apesar das adversidades climáticas que ocasionaram queda precoce de folhas e vagens (Figura 4), a lavoura obteve produtividade média de 60,8 sc/ha, resultado superior aos índices estaduais. O monitoramento indicou ausência da necessidade de aplicação pelos critérios empregados no manejo integrado.
Este relato visa informar assistência e produtores do fato atípico da ausência de aplicação de fungicidas e inseticidas em parte aérea de uma lavoura comercial de soja (Figura 5). A equipe da Fito Consultoria Agrícola monitorou 188 lavouras na safra 2019/20 e apenas esta foi possível este manejo. Momento algum houve programação para tal, essa escolha ocorreu em resposta aos dados do monitoramento frente a estiagem.