Lavoura comercial sem fungicida e inseticida em parte aérea


Autores:

José De Alencar Lemos Vieira Junior, Michel Baroni, Nathan Campos Loregian, Gabriel Follmer, Monique Montano Webber, Valéria Boito, Alice Mafra, Otavio Ajala Fiorentin

Publicado em: 30/06/2020

Lavoura comercial sem fungicida e inseticida em parte aérea

A safra gaúcha de soja 2019/20 será marcada pela redução na produtividade de grãos, com estimativa de 46 % de dano em comparação a safra 2018/19 (Emater, 2020). Nesse cenário, a saúde econômica do produtor está ligada a dois fatores distintos. O primeiro fator é a instabilidade do mercado frente a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) que valorizou o dólar, insumos e a soja. O segundo fator está ligado ao clima.

O uso de produtos químicos para o controle de doenças é o método mais utilizado por produtores, considerado necessário a agricultura atual e sinônimo de qualidade produtiva (KIMATI, 1995; REIS et al., 2008; BIANCHIN, 2011). Porém, o emprego sem necessidade ou discernimento técnico reduz a viabilidade econômica e ambiental (ZAMBOLIM et al., 2003).

No Rio Grande do Sul, os fungicidas são aplicados em parte aérea da cultura para o controle de oídio (Erysiphe diffusa), ferrugemasiática (Phakopsora phachyrhizi), mofo-branco (Sclerotinia sclerotiorum) e doenças de finais de ciclo. Já os inseticidas são aplicados para controle de falsa-medideira (Pseudoplusia includens), lagartasdas-vagens (Spodoptera spp. e Helicoverpa sp.) e dos mais variados percevejos.

A primeira aplicação de fungicidas normalmente é definida por calendário, oportunamente acompanhando herbicida, estádio fenológico, pré-fechamento de fileiras, ou, em menor proporção, pelo monitoramento da lavoura. Embora existam trabalhos (Ferreira, 2012; GUELLER, 2017) onde o monitoramento resultou em produtividade semelhante ou superior às aplicações “preventivas”, este critério é pouco utilizado.

A falta de chuvas nesta safra desfavoreceu a ocorrência da maioria das doenças e pragas na cultura da soja. Produtores e responsáveis técnicos que monitoraram suas lavouras conseguiram reduzir o número de aplicações de defensivos agrícolas, reduzindo seus custos operacionais. Aqui está a palavra-chave: MONITORAMENTO.

Estratégias de monitoramento e manejo integrado foram empregadas em lavouras de soja conduzidas na região nordeste e campos de cima da serra do Rio Grande do Sul, safra 2019/20. O objetivo deste trabalho é relatar o caso da lavoura de soja que não foi necessário aplicar fungicidas e inseticidas após a semeadura.

A lavoura foi conduzida no município de Muitos Capões - RS, em latossolo bruno alumínico, Classe A e textura argilosa (EMBRAPA, 1999). A área de 52 ha, em sistema de rotação com milho e sucessão a aveia-preta, foi dessecada 25 dias antes da semeadura (DAS) com 2 L/ha de glifosato (540 g/L de eq. ácido) + 0,5 L/ha de cletodim (240 g/L) e 2 DAS com 1,5 L/ hade paraquate (200 g/L).

As sementes do cultivar 95y02 IPRO foram tratadas com 2 mL/kg de carboxim + tiram, 2 ml/kg de carbendazim e 2 mL/kg de fipronil. A semeadura ocorreu no dia 10 de outubro, com adubação de 280 kg/ha de NPK (04-30-10) e 100 kg/ha de KCl a lanço. A partir desta data, a área passou a ser monitorada semanalmente.

O monitoramento consistiu na realização de panos de batida para contagem de lagartas desfolhadoras e percevejos, coleta de escleródios de S. sclerotiorum visando a detecção da germinação carpogênica e da coleta de 50 trifólios do terço inferior das plantas para envio a sede da Fito Consultoria Agrícola e posterior diagnóstico de pragas e doenças em laboratório.

As doenças foliares detectadas ao longo da safra foram ferrugem asiática, míldio, oídio e crestamento bacteriano. Nenhuma delas com incidência superior a 14 % em folhas do terço inferior. A praga de maior intensidade foi a tripes, com presença de insetos em 100 % dos folíolos do terço inferior na última amostragem (Figura 1).

A lavoura iniciou o período reprodutivo na última semana de novembro, período crítico para infecção e ocorrência de mofo-branco. Apesar da presença de escleródios do fungo, fonte de inóculo da doença, não foi recomendada aplicação de fungicida específico. Decisão embasada pelo fato que lavouras em rotação possuem menor intensidade da doença (Vieira Junior et al., 2018), os escleródios encontrados estavam dormentes e também por não haver previsão de chuva com duração superior a 1 dia. Fato esse, devido a germinação ser estimulada pela presença de água livre, solo em capacidade de campo e em temperatura entre 4 a 20 ºC (Godoy et al., 2017).

A primeira doença foliar detectada foi oídio. A doença ocorreu em baixa intensidade ao longo da safra, não atingindo a recomendação de controle de 20 % de colonização da área foliar do terço inferior (Reunião... 2009) possivelmente pelo desenvolvimento do fungo ser favorecido com temperatura próximas a 18ºC (Mignucci et al., 1977).

As plantas sofreram com a estiagem durante todo seu desenvolvimento, principalmente no mês de dezembro onde as médias regionais de temperatura ultrapassaram os 34ºC (INMET - Instituto Nacional de Meteorologia, 2020). Concomitante ao estresse térmico, a lavoura recebeu apenas 215 mm de chuva acumulada (Figura 2). A estiagem resultou em desfolha do baixeiro, onde havia a maior intensidade de trifólios colonizados por oídio.

Na primeira dezena de fevereiro a lavoura estava em estádio fenológico R7, início da maturação fisiológica. Neste período foi realizado a última amostragem e detectado 8% de incidência de ferrugem asiática em folhas do terço inferior, índice que resulta em severidade inferior a 1%.

A praga predominante ao longo da safra foi tripes, sendo detectada em 100 % das folhas no término do monitoramento. O ataque de tripes afeta a fisiologia da soja (Figura 3). No entanto, são escassos os trabalhos avaliando nível de controle. Infestação superior a 50 indivíduos por folíolo não reduziu o rendimento da cultura (Turnipseed, 1973) e em população de 73 indivíduos por folha resultou em dano de 17 % (Gamundi, 2005). O controle da praga é indicado com população acima de 50 indivíduos por folha (Massaro, 2012). Estes índices não foram observados em nosso monitoramento.

Apesar das adversidades climáticas que ocasionaram queda precoce de folhas e vagens (Figura 4), a lavoura obteve produtividade média de 60,8 sc/ha, resultado superior aos índices estaduais. O monitoramento indicou ausência da necessidade de aplicação pelos critérios empregados no manejo integrado.

Este relato visa informar assistência e produtores do fato atípico da ausência de aplicação de fungicidas e inseticidas em parte aérea de uma lavoura comercial de soja (Figura 5). A equipe da Fito Consultoria Agrícola monitorou 188 lavouras na safra 2019/20 e apenas esta foi possível este manejo. Momento algum houve programação para tal, essa escolha ocorreu em resposta aos dados do monitoramento frente a estiagem.