Tecnologia de Aplicação na cultura da soja


Autores: Filipe Moura
Publicado em: 30/06/2020

Quando se fala em tecnologia de aplicação, de maneira geral, surgem alguns conceitos e muitos preconceitos, na cultura da soja isto fica ainda mais intenso, frente ao crescimento vertiginoso dos custos, da receita e, consequentemente, dos riscos, o que vem deixando o produtor preocupado, assustado e afoito por tecnologia.

Neste cenário, criamse muitas oportunidades, boas e ruins, que podem ser armadilhas para o produtor rural. Parece que reinventar a roda virou algo rotineiro, mas o problema maior é que surgem algumas “rodas quadradas”, como algo novo e tecnológico, ou seja, temos visto o resgate de conceitos antigos com a respectiva piora de suas funcionalidades, apresentados com um nome de impacto e vendidos como algo revolucionário, tecnológico.

Para começar a fugir de qualquer armadilha, precisamos voltar ao princípio, reforçar e relembrar alguns conceitos de pulverização:

Vazão: Volume por unidade de tempo, pode ser regulada de várias formas, de acordo com o tipo de equipamento, normalmente alterando, restringindo ou desviando o fluxo da bomba de pulverização (L/min, GPM);

Volume de calda ou taxa de aplicação: Volume por unidade de área, resultado da largura de pulverização, da velocidade e da vazão (L/ha, L/alq., gal/ac);

Pressão de trabalho: Medida normalmente em bar, PSI ou kPa, em condições normais, ela é resultado da restrição oferecida pelas pontas de pulverização à passagem do fluxo. Em sistemas convencionais de pulverização, quanto maior a pressão, menores as gotas e quanto menor a pressão, maiores as gotas.

Pulverização consiste, basicamente, no processo de formação de gotas, na transformação de um determinado volume de líquido em partículas menores, as gotas. Quando se domina o processo de pulverização, entendendo o que fazer para aumentar, diminuir ou manter uniformes as gotas, podese pensar em fazer uma aplicação, que nada mais é do que uma pulverização assertiva, com densidade (gotas/cm²) adequada ao alvo e ao produto fitossanitário, além de um tamanho adequado às condições ambientais e ao nível de risco desta aplicação.

Então a matemática do espectro de gotas não é tão complexa assim, temos um VOLUME DE CALDA adequado, que resultará do NÚMERO DE GOTAS necessário e do TAMANHO que estas gotas deverão ter. Para analisar o espectro de gotas, é preciso reforçar alguns indicadores importantes:

Densidade: Representada pelo número de gotas/cm², é fator determinante na definição e na leitura de uma aplicação, passou a ser mais usada do que a própria cobertura (%), principalmente por se relacionar melhor com penetração no dossel;

Diâmetro da Mediana Volumétrica (DMV, D0.5, D50%): Separa a população de gotas em duas partes iguais, da menor para a maior, pelo volume.

Não é a média do tamanho das gotas, mas é o indicador mais utilizado para tratar do tamanho das gotas, visto que, embora o diâmetro seja a unidade de medida, o que interessa é o volume, pois nele está a dose de qualquer ingrediente ativo aplicado;

Risco Potencial de Deriva: Percentual do volume aplicado representado por gotas deriváveis, o diâmetro adotado pode mudar de acordo com o grau de risco, mas normalmente se consideram deriváveis as gotas menores do que 100 µm;

 

Posicionamento de pontas de pulverização na cultura da soja

Na soja temos um agravante fisiológico para a penetração de defensivos, em especial, fungicidas e inseticidas pela alta necessidade de cobertura, é a nictinastia, que consiste no movimento dos folíolos ao longo do dia, ficando mais verticais e abertos na presença de luz, mais horizontais e fechados na ausência de luz.

Um dossel de soja mais “fechado” pela nictinastia, demanda gotas mais finas, mais numerosas e sem direcionamento para que haja uma deposição satisfatória, aceitando volumes reduzidos sem perdas, bons resultados vêm sendo aferidos com gotas de 180 a 250µm em volumes de calda de 60 a 100 L/ ha, uma boa estratégia para isso é o uso de pontas de pulverização do tipo cone vazio, que formam gotas finas, sem direcionamento e extremamente uniformes, aliando uma alta conversão de volume em gotas com um risco de deriva aceitável.

Por outro lado, um dossel de soja mais aberto pela nictinastia, com folíolos mais verticais, permite o uso de gotas médias com incrementos no volume de calda, 300 a 350µm com 100 a 150 L/ha, respectivamente, respondendo bem ao uso de pontas de pulverização que agreguem energia às gotas, com destaque para jatos com ângulo de ataque acima de 20°, montados de forma alternada, um jato para frente e um para trás, ou jatos duplos.

Entendida a relação entre o comportamento do dossel e espectro de gotas a se adotar, é fundamental incluir nesta relação o controle e adequação das condições ambientais, com ênfase para a Depressão Psicrométrica, ou Delta T, que relaciona diretamente com o DMV e resulta no potencial de evaporação.

Em síntese, gotas formadas por cones vazios, utilizadas para “driblar” um dossel fechado pela nictinastia, devem ser pulverizadas com Delta T abaixo de 6,0. Gotas médias, formadas por leques angulados, devem mirar Delta T abaixo de 8,0.

Um grande ponto positivo nesta forma de tratar as aplicações em soja é que os momentos em que se demanda gotas finas são, via de regra, adequados para tal, enquanto que nos momentos com tendência de maior evaporação das gotas, temos tendência de melhor resposta com pontas que agreguem energia e gotas médias, mais tolerantes à evaporação.

 

E o orvalho?

Em plantas como a soja, o problema de escorrimento causado pelo orvalho tende a ser menor do que em gramíneas, por exemplo, nas quais a área foliar fica predominantemente na vertical, porém, não se pode descuidar.

Vários são os fatores que podem ser observados, tais como a relação entre a temperatura ambiente e o ponto de orvalho, os produtos aplicados, o alvo desejado, a umidade no solo, dentre outros, mas se quisermos simplificar, o vento é o fator mais importante a se observar ao decidir entre aplicar, ou não, na presença de orvalho.

Com vento entre 7,0 e 10,0 km/h já se pode notar uma movimentação significativa no dossel da soja, suficiente para remover o excesso de orvalho e distribuí-lo verticalmente, restando assim folhas molhadas, que não costumam configurar altos riscos de perdas por escorrimento. Em resumo, folhas molhadas não são grandes problemas e, sim, gotas grandes de orvalho concentradas na fração superior do dossel, as quais podem acabar escorrendo com o impacto das gotas pulverizadas, efeito que se acentua conforme se eleva o DMV.

Sobre a formação de orvalho posterior à pulverização, vários trabalhos mostram não ser motivo para grande preocupação, o que faz muito sentido, considerando que a imensa maioria dos produtos pulverizados em pós emergência da soja são insolúveis em água, com alta afinidade pela primeira camada da cutícula, nas folhas, o que faz com que possíveis “lavagens” por excesso de orvalho, posterior à aplicação, dificilmente aconteçam na prática.