Paulo Gubiani
Introdução
O teste de hipóteses sujeitas aos rigores do método científico frequentemente requer a observação de vários indivíduos para elaboração de conclusões mais sólidas e perenes. Porém, observações restritas a um ou poucos indivíduos também são úteis, porque oferecem evidências que podem servir para orientar a elaboração de hipóteses e o planejamento de experimentos. Sem transpor esse limite, apresentamos evidências de que aproximadamente meio litro de solo foi deslocado por uma raiz tuberosa de nabo durante seu crescimento e o estado global de compactação do solo ao redor da raiz decresceu. A discussão dos resultados das medições feitas in situ, no solo e na planta de nabo, a luz do conhecimento existente acerca de processos compactadores e descompactadores converge para a conclusão de que, em escala macro, a descompactação do solo é o efeito dominante da raiz do nabo.
A motivação desta investigação foi a busca de evidências para entender qual é o efeito predominante em macroescala decorrente do crescimento da raiz tuberosa do nabo. O aumento de infiltração verificado em solo onde o nabo foi cultivado (Nicoloso et al., 2008) poderia indicar descompactação do solo. Contudo, estudos não detectaram interferência do nabo em propriedades de macroescala, como densidade e porosidade (Nicoloso et al., 2008, Pessotto et al., 2016,). O movimento de solo é uma decorrência lógica do crescimento de raízes volumosas, e a compactação também é uma consequência inevitável decorrente da compressão da massa de solo. Em microescala, há evidências obtidas com microtomografia de raio X que comprovam que o crescimento de raízes compacta o solo na interface solo-raiz (Aravena et al., 2011), mas em macroescala as incertezas acerca desta associação aumentam. Neste cenário, o objetivo deste estudo foi reunir evidências de alterações na estrutura do solo em macroescala a fim de avaliar se a raiz tuberosa do nabo compacta ou descompacta o solo.
Material e métodos
A investigação foi feita em uma lavoura sob plantio direto, localizada no município de Ivorá, RS, onde predominam Neossolos com presença de cascalho. Na lavoura havia aveia em fase de senescência e algumas plantas de nabo isoladas, que emergiram a partir de sementes deixadas no solo por cultivos de nabo feitos em anos anteriores. Uma planta de nabo com raiz exuberante foi selecionada para o estudo (Figura 1 a). Ao redor da planta, a camada superficial de 5 cm do solo foi removida, a raiz foi cortada rente à superfície e seu diâmetro foi medido (Figura 1b). Doze blocos de solo foram coletados em dois alinhamentos cruzados perpendicularmente na posição onde estava a raiz (Figura 1c). As posições dos blocos nos alinhamentos foram definidas de modo a coincidir também com pontos formando três círculos concêntricos, afastados 5, 15 e 25 cm da borda da raiz. Quatro blocos de solo foram coletados em cada círculo. Os blocos foram levados ao laboratório, e a densidade do solo (Ds) foi medida pelo método do torrão parafinado (Teixeira et al., 2017). A parte do solo removido dos blocos durante sua preparação no laboratório foi usada para determinação das porcentagens de cascalho, areia, silte e argila (Teixeira et al., 2017). A porção da raiz que havia permanecido no solo foi removida e reconectada com a porção superior, a fim de quantificar o comprimento total da parte da raiz que cresceu dentro do solo (Figura 1d).
A parte da raiz que estava dentro do solo (Figura 1d) tinha formato aproximado a um cone com ponta cortada (Figura 2). Por isso, o volume dessa parte da raiz foi estimado usando a fórmula de cálculo do volume de cone com ponta cortada, conforme equação (1):
Em que Vr (cm3) é o volume da raiz, h1 (cm) e o comprimento da raiz, r1 (cm) é o raio maior e r2 (cm) é o raio menor. As dimensões aproximadas da raiz foram h1= 15 cm, r1 = 4 cm e r2 = 2 cm (Figura 1d). Usando essas dimensões na equação, o volume da parte da raiz que estava dentro do solo foi 440 cm3. Este é também o volume aproximado de solo (quase meio litro) que foi deslocado durante o crescimento da raiz.
Para que a suposição de que a raiz do nabo não causa compactação esteja certa, uma hipótese plausível é que o solo por ela deslocado se movimenta para cima e se acomoda ao redor da raiz. A elevação da superfície do solo seria máxima nas bordas da raiz e diminuiria gradativamente até uma determinada distância em que não haveria mais elevação de solo (Figura 2). Considerando que a mudança de nível seja linear, a fórmula de cálculo do volume de cone com ponta cortada também pode ser usada para calcular a elevação da superfície do solo na borda da raiz (h2, cm) e a distância até onde haveria elevação de solo (r4, cm). Contudo, para a planta estudada houve necessidade de subtrair o volume da raiz que estava acima da superfície do solo. Considerando que o raio da parte da raiz acima do solo (r3, cm) era igual ao raio maior (r1, cm) da parte da raiz que estava dentro do solo, o volume de solo (Vs, cm3) foi obtido com a equação (2):
Na suposição de que nenhuma compactação seja causada pela raiz do nabo, Vs deve ser igual a Vr. Igualando as equações (1) e (2) e fazendo os devidos arranjos e simplificações foi possível calcular a elevação da superfície do solo na borda da raiz (h2) em função da distância até onde haveria elevação de solo (r4), usando a equação (3):
Cálculos com diferentes valores de h2 e r4 foram feitos e os resultados foram apresentados em gráficos. A diferença estatística da Ds entre as posições circulares entorno da raiz do nabo foram testadas pela análise de variância e as médias de Ds foram comparadas pelo teste Tukey, ambos a 5% de probabilidade de erro.
Resultados e discussão
A granulometria da camada de solo de onde foram coletados os blocos é composta por 30% de cascalho, 21% de areia, 39% de silte e 10% de argila. A Ds foi menor nos blocos coletados a 5 cm da raiz do que nos mais afastados a 15 e 25 cm (Figura 3). Nos 8 blocos de solo coletados a 15 e 25 cm de distância da raiz, em apenas um bloco a Ds foi menor que a maior Ds dos quatro blocos coletados a 5 cm. Pelo fato de que a Ds nessas mesmas posições antes da emergência do nabo não era conhecida, várias suposições devem ser avaliadas para sugerir se o nabo compactou ou descompactou o solo.
Muitas coincidências deveriam acontecer para que uma baixa Ds próximo à raiz do nabo seja representativa de um solo que sofreu compactação. Uma possibilidade é a planta ter emergido em um local onde a Ds era muito baixa. Mesmo que tenha havido aumento da Ds causada pelo deslocamento de 440 cm3 de solo, a Ds final próximo à raiz ainda ficaria menor que nas posições mais afastadas. Contudo, a Ds próximo da raiz é tão baixa (1,05 g cm-3) que é difícil ter existido em uma lavoura que vinha sendo conduzida sob plantio direto um ponto com Ds menor que esta, onde a planta teria emergido.
Outra possibilidade, combinada ou não com a situação anterior, é que o solo foi compactado nas regiões dos dois círculos mais afastados da planta. Entretanto, a lavoura estava em pousio desde a colheita da última safra de soja, feita em abril de 2019, e sem sofrer tráfego por cinco meses. Além disso, o tráfego teria que ter acontecido circundando a planta de nabo para compactar o solo de maneira homogênea, pois há pouca diferença de Ds medida nas quatro posições dentro de cada círculo. A amplitude de Ds foi 0,82-1,22 g cm-3, 1,22-1,26 g cm-3, e 1,13-1,26 g cm-3, respectivamente para os círculos afastados 5, 15 e 25 cm da raiz.
Se a descompactação for o efeito predominante causado pelo nabo, então o fluxo ascendente de solo com sua acomodação ao redor da raiz é um requisito necessário. Elevação do solo ao redor da raiz do nabo foi observado no campo (Figura 4a), e é uma reprodução em menor proporção da elevação do solo que se observa ao redor de troncos de árvores. A elevação de solo foi bastante irregular, atingindo aproximadamente 4 cm próximo da borda da raiz e no lado onde houve maior elevação (Figura 4a). Não foi possível detectar claramente a distância até onde se propagou a elevação de solo. As chuvas que ocorreram ao longo do período de crescimento da raiz podem ter erodido e rebaixado o solo acumulado ao entorno da raiz e terem modificado a extensão da área coberta. No lado onde havia a maior elevação do solo, a distância até onde se percebia elevação de solo foi de 10 cm (Figura 4a).
As simulações de elevação do solo ao entorno da raiz para distâncias de 5, 10 e 15 cm a partir da borda da raiz mostram que todo o volume de 440 cm3 de solo movimentado pela raiz seria acomodado abaixo das linhas das respectivas distâncias, conforme indicado na Figura 4b. Apenas 1 cm de elevação na borda da raiz seria necessário para acomodar o solo até 15 cm ao redor da raiz. Para acomodar o solo até 5 cm ao redor da raiz, seriam necessários 5 cm de elevação na borda da raiz. A elevação de solo observada no campo (Figura 4a) junto com os cálculos de elevação sugerem que o volume de 440 cm3 de solo escoou ascendentemente na medida em que ia sendo empurrado lateralmente pela raiz do nabo.
A suposição de que a descompactação é o efeito predominante causado pelo nabo é bastante coerente com evidências que justificariam o movimento vertical de solo e outros acontecimentos responsáveis pelo decréscimo da Ds ao entorno da raiz do nabo, conforme discutido a seguir.
O crescimento radial da raiz gera força direcionada horizontalmente contra as partículas de solo imediatamente ao seu entorno (Bengough et al., 2006). Porém, as partículas que recebem a força a orientam nas distintas direções apontadas para os pontos de contato que compartilham com partículas na sua vizinhança. Na medida em que avança para o interior do solo, a força que originalmente era horizontal vai tomando todas as rotas formadas pelos alinhamentos dos pontos de ligação entre as partículas. Com base nas teorias sobre a propagação multidirecional das forças e desenvolvimento de sensores multifacetados pesquisadores já conseguem medir forças em seis direções no interior do solo (Riggert et al, 2017).
A direção que favorecerá o fluxo de partículas sob força deformante é a que oferece menor resistência. Em qualquer posição vertical ao lado da raiz do nabo, a massa de solo que existe acima desta posição é extremamente menor da que existe horizontalmente ao seu entorno. O fluxo ascendente de partículas é a via mais fácil para a dissipação da pressão interna no solo gerada pela força radial de crescimento da raiz. A elevação da superfície do solo ao redor de raiz do nabo (Figura 4a) é o resultado visível desse fluxo ascendente de partículas.
A expectativa de muitos de que a raiz do nabo compactaria o solo é uma decorrência coerente se houver compressão da massa de solo pela raiz. Contudo, essa expectativa se enfraquece ao ser considerado o não confinamento das pressões e fluxo ascendente de partículas. Possivelmente, o deslocamento ascendente de partículas não era considerado como elemento importante para formular a suposição acerca do efeito que o crescimento da raiz do nabo causa no solo, porque se imaginava que o cenário de compressão solo-nabo seria semelhante a cenários de compressão solo-rodado de máquinas agrícolas ou solo-pisoteio animal. Entretanto, a compressão que ocorre nesses dois últimos cenários é rápida, predominantemente de cima para baixo, bloqueando o fluxo ascendente de partículas, o que resulta em inevitável aumento do estado de compactação do solo. Esse cenário não é apropriado para deduzir consequências da compressão causada pelo nabo, porque a força aplicada pela superfície da raiz é orientada horizontalmente e não há carga na superfície do solo impedindo que ocorra ascensão da massa de solo comprimida pela raiz do nabo.
Assumindo que a raiz do nabo tenha gastado dois meses para atingir seu tamanho final, que é aproximadamente o tempo verificado no campo, então a superfície lateral da raiz, que estava inicialmente na posição onde a planta emergiu, demorou 60 dias para alcançar uma posição a 4 cm de distância, que corresponde ao comprimento do seu maior raio (Figura 2). Sendo assim, a superfície lateral da raiz se deslocou a uma velocidade média de 0,667 mm dia-1. Se um trator trafega sobre um solo a 5 km h-1 e rebaixa 4 cm sua superfície, as partículas de solo serão deslocadas a uma velcidade da ordem de 3 milhões de vezes maior que a velocidade de deslocamento das partículas causadas pelo crescimento do nabo. Portanto, a raiz demora muito tempo para empurrar milímetros adiante as partículas de solo ao seu entorno. Com toda essa demora, há tempo suficiente para que os ciclos de umedecimento e secagem e a atividade biológica atuem descompactando o solo no entorno da raiz, caso ele tenha sido compactado.
A maioria dos solos expandem quando são umedecidos e contraem quando perdem umidade. As rachaduras formadas no solo quando ele perde umidade é a prova visível da existência do fenômeno. As duas superfícies formadas em uma rachadura não se encaixam mais perfeitamente quando a rachadura fecha pelo reumedecimento do solo. A repetição de ciclos de secamento e umedecimento com ou sem formação de rachaduras vai reorientando as partículas de solo para arranjos mais desordenados, a exemplo do que aconteceria se uma pilha de tijolos fosse movimentada. O resultado é um arranjo de menor empacotamento com aumento de volume e diminuição do estado de compactação (Gubiani et al., 2015; Bonetti et al., 2017). A raiz do nabo intensifica esses fenômenos, visto que ao entorno das raízes há maior variação no conteúdo água em relação a posições mais distantes (Moradi et al, 2011). Portanto, caso a raiz do nabo compacte o solo ao seu entorno enquanto cresce, ela também torna os ciclos de secamento e umedecimento mais intensos nesse local, aumentando a eficiência deles para descompactar o solo.
O ambiente da rizosfera é mais atrativo aos organismos do solo e nele as comunidades de organismos são mais diversificadas (Wagg et al., 2014), pois o sistema radicular da planta é uma fonte potencial (usada depois que a planta morre) ou atual (consumida pelos organismos que se alimentam do tecido vivo) de substrato orgânico para a cadeia alimentar das comunidades de organismos no solo (Moreira & Siqueira, 2006). Uma porção do solo que estava em contato com a raiz tuberosa do nabo ilustra a exuberância de raízes de diferentes calibres ocupando o solo (Figura 5).
Embora a magnitude da presença e do efeito de organismos na estruturação do solo não esteja perceptível na imagem (Figura 5), estudos destacam a importância de micro e macrorganismos na estruturação e funcionalidade do solo. Entre os microorganismos, os fungos têm participação significativa na melhoria da agregação do solo (Bossuyt et al., 2001; Rillig & Mummey et al, 2016). Em relação à a macrofauna do solo, estudos também destacam que ela é sensível à composição de plantas (Silva et al., 2013; Rosa et al., 2015) e que seu papel é importantíssimo na melhoria da estrutura do solo (Lavelle et al., 2006; Bender et al., 2016). Os organismos da macrofauna como minhocas, formigas, cupins, larvas, entre outros, fazem escavações e transporte de partículas do solo, com ou sem ingestão delas, ao criarem suas galerias, câmaras e ninhos. Grande parte do solo escavado é levado e depositado ao entrono da abertura das galerias na superfície do solo. Dependendo do organismo, o depósito de material se dá em forma de montículos de solo com um orifício no centro (algumas formigas e corós, por exemplo) ou um acumulado grande de solo (formigueiros de superfície, por exemplo). Ao transportarem solo para a superfície ou apenas mobilizarem o solo no seu interior, uma consequência benéfica é a diminuição do estado de compactação.
Oportunidades de estudo
O conjunto de evidências e premissas discutidas neste texto não rejeita a hipótese de que o nabo compacta o solo em microescala. As superfícies lisas de solo percebidas na interface solo-raiz, sobretudo em raízes tuberosas, são evidências de que há orientação de partículas por compressão. A microtomografia de raio X comprova que o crescimento de raízes compacta o solo na interface solo-raiz (Aravena et al., 2011), mas até que distância este efeito é propagado no interior do solo e qual sua relevância diante da descompactação promovida pelos diferentes agentes já mencionados são respostas a serem elucidadas pelo uso de técnicas de tomografia junto com análises mais globais.
O estímulo dos vários agentes descompactadores acontece durante o ciclo de vida do nabo. Após a morte da planta é coerente acreditar que a decomposição da raiz estimula mais descompactação. O canal formado no solo pela raiz vai sendo gradativamente desocupado à medida que a raiz vai sofrendo decomposição, o que pode resultar um enorme bioporo. Porém, também é coerente supor que a movimentação da massa de solo pelos organismos e ciclos de secamento e umedecimento vai desmoronando as paredes do canal e gradativamente ele vai sendo preenchido e desaparecendo. Contudo, ao final do preenchimento do canal, a lógica das decorrências imediatas do revolvimento do solo, que é a descompactação, conduz à suposição coerente de que o solo que passou a ocupar o local onde estava a raiz e a região de solo ao entorno que forneceu solo para preencher o canal ficarão com densidade menor que a densidade que havia no solo ao entorno da raiz do nabo enquanto ele estava vivo. Em outras palavras, a expectativa é que a descompactação que o nabo provocou enquanto estava vivo se ampliará por algum tempo após sua morte. Considerando correto esse raciocínio, a hipótese de que a descompactação é proporcional ao volume da raiz do nabo é uma proposição plausível a ser investigada experimentalmente.
Conclusões
O conjunto de evidências avaliadas apontam que a raiz tuberosa do nabo forrageiro favorece a descompactação do solo ao seu redor. O estímulo que o nabo promove em agentes descompactadores, como ciclos de umedecimento e secagem e atividade biológica são fatores plausíveis para explicar a dissipação da lenta compressão que a raiz do nabo causa na massa de solo durante seu crescimento. A permanência da superfície do solo livre de carga e de confinamento durante o crescimento da raiz é também um fator facilitador da elevação do solo ao entorno da raiz como reação da dissipação das pressões internas no solo.
Agradecimentos: Agradeço ao agricultor Valmir Maffini Copetti, pela permissão de fazer o estudo em sua lavoura, ao Dr. Dalvan José Reinert e ao MSc. Rodrigo Pivoto Mulazzani, pelas sugestões durante a elaboração do texto.