Aldir Carpes Marques Filho; Michel Santos Moura; Kléber Pereira Lanças
A mecanização agrícola tem ocupado lugar de destaque no atual cenário econômico brasileiro e algumas questões técnicas relacionadas às máquinas agrícolas e seu desempenho no campo, ainda precisam ser esclarecidos, para que os produtores rurais e demais envolvidos nas atividades produtivas obtenham o melhor desempenho de seus conjuntos motomecanizados. Desde o início da mecanização agrícola no Brasil, nas primeiras décadas após a segunda guerra mundial, até os dias atuais, é notória a expansão do tráfego de máquinas em áreas cultivadas, como também o aprimoramento de tecnologias e potências requeridas pelos equipamentos, resultando em máquinas maiores e mais pesadas, com consequente aumento da exigência de rodados mais robustos.
O aumento no tamanho das máquinas agrícolas ocorreu, inicialmente, com o objetivo claro de aumentar o rendimento operacional e otimizar os resultados das operações agrícolas. Porém esse aumento na massa total das máquinas trouxe alguns efeitos colaterais, como a maior compactação do solo e a consequente queda da produtividade das culturas.
Quando se trata de mecanização agrícola, ainda se tem como equipamento fundamental o trator agrícola que, dentre distintas aplicações na agricultura, se destina, principalmente, a tracionar e fornecer potência rotativa para as máquinas e implementos. O trator agrícola produz tração pela transmissão de potência de seu motor de combustão interna, através de órgãos mecânicos, até os rodados que, por sua vez, movimentam as máquinas e implementos pelo engate na barra de tração.
A grande maioria dos tratores agrícolas está equipado com rodados do tipo pneumático, onde a pressão de inflação e a lastragem utilizadas são de extrema importância por suportar o peso da máquina em condições estática e dinâmica e ainda ser o responsável pela tração através da interação com o solo.
Os rodados são compostos por componentes que sustentam o peso das máquinas, permitindo a autopropulsão e o seu direcionamento, sendo responsáveis pela transformação de potência útil no motor em potência disponível na barra de tração. A potência disponível para tração ainda é derivada do tipo de superfície de rolamento e do índice de patinagem do rodado, assim a maior eficiência é obtida quando mais potência do motor for disponibilizada na barra de tração.
A potência disponível no motor dos tratores agrícolas sofre perdas por calor e atrito até chegar no sistema de redução final e rodados, e a potência útil na barra de tração dos tratores chega a ser 50% inferior daquela disponível no motor. Assim, a eficiência trativa e coeficiente de tração bruto são parâmetros fundamentais para avaliar a influência do tipo de rodado e sua eficácia em transformar potência disponível no motor em tração para máquinas e implementos (Figura 1).
Novos modelos de rodado, pneus com características construtivas diferenciadas, esteiras de metal e borracha, surgiram como alternativas para minimizar o problema da compactação, melhorar a eficiência trativa, bem como aprimorar as condições de trânsito das máquinas. Na prática, fabricantes de máquinas e produtores passaram a incrementar suas máquinas com rodados adicionais, em sistemas de rodados duplos e até mesmo rodados triplos em algumas aplicações específicas para tração de máquinas e implementos de grande porte.
Os diferentes tipos de rodados, bem como suas características construtivas, influenciam diretamente na capacidade de tração das máquinas e no seu consumo de combustível assim, realizandose os ajustes corretos na escolha dos modelos, pode-se obter sensível redução nos custos de produção e operação, aumentando-se a receita da atividade agrícola.
Os rodados agrícolas podem ser classificados em dois tipos principais, sendo mais utilizados os modelos pneumáticos de borracha, e em menor escala e com aplicação mais específica, os rodados de esteira de construção rígida (aço) ou flexível (borracha).
Os pneus agrícolas podem ser classificados de acordo com a forma construtiva de suas fibras internas como radial, diagonal ou de baixa pressão e alta flutuação (BPAF). Os pneus do tipo diagonal possuem lonas internas dispostas em sentido transversal entre 30 e 45° de talão a talão do pneu, de forma que praticamente o mesmo número de lonas presente na lateral do pneu, fica disposta também na banda de rodagem. Essa construção confere ao pneu, após inflado, um formato ovalado e uma área de contato com o solo em forma de elipse. Na prática percebe-se que ao rodar com um pneu diagonal, somente a parte central das garras entra em contato com o solo. Esse aspecto de redução de área de contato do pneu-solo, afeta negativamente os componentes da tração e da compactação do solo. Os pneus diagonais possuem menor preço de mercado quando comparados com pneus de tecnologia radial equivalentes, e apresentam maior resistência a avarias, devido à banda lateral espessa, por isso são recomendados para aplicações em trabalhos que exigem trânsito em áreas com presença de restos vegetais e pedras.
Os pneus de construção radial, possuem lonas dispostas a 90° ao sentido do talão do pneu, de um flanco ao outro. Além dessas lonas que percorrem toda a extensão do pneu, ainda são dispostas lonas longitudinais à banda de rodagem, tornando esta rígida e pouco deformável. Com laterais macias e banda de rodagem rígida, os pneus radiais apresentam uma maior área de contato com o solo, em formato retangular, o que confere uma melhor capacidade de tração e menor compactação do solo na região trafegada.
Além das características expostas acima, algumas vantagens são atribuídas aos pneus radiais tais como: redução da patinagem; aumento da capacidade de tração; menor consumo específico de combustível; maior aproveitamento da transferência de potência do motor e maior rendimento operacional. Como desvantagem à tecnologia radial são destacados o maior custo de aquisição e a não recomendação de trabalho em áreas com presença de pedras e tocos, pois devido sua banda lateral ter construção mais frágil do que os pneus diagonais, estão mais propícias às perfurações e rasgos.
Os pneus de construção BPAF possuem aspectos intermediários entre os de construção diagonal e radial, bem como possuem a característica principal de trabalharem com baixas pressões, o que é desejável no caso da necessidade de redução da compactação do solo.
A Figura 2 mostra o formato da área de contato gerada pelos diferentes tipos de rodados. Analisando a figura e correlacionando com a lei da dinâmica que descreve a “Pressão” como sendo uma “Força” aplicada em uma “Área” específica, é de se esperar que a pressão exercida pelas esteiras no solo seja muito menor do que a pressão exercida por rodados Figura 2. Determinação da área de contato de diferentes tipos de rodado em relação de características construtivas. pneumáticos. E ainda, que a pressão exercida por rodados pneumáticos de construção diagonal seja superior à pressão exercida pelos rodados pneumáticos de construção radial.
Nos aspectos de tração e compactação de solo as esteiras possuem vantagens, pois apresentam a capacidade de dissipar cargas estáticas em maior área específica, por esse motivo, tratores de grande potência e peso, utilizam esteiras de borracha como sistema de rodado principal. Ainda não existe uma classificação atualizada no que diz respeito aos rodados de esteira, pois muitos modelos novos têm sido apresentados ao mercado e ainda não se tem uma classificação oficial para tais sistemas.
Os rodados de esteira em aço estão gradativamente sendo deixados em segundo plano no segmento de tratores, com menor produção e utilização, principalmente devido ao seu alto custo de aquisição e manutenção, porém em algumas aplicações de colheita são amplamente utilizados, como na cana-de- açúcar e no arroz irrigado. Este tipo de rodado possui aplicações específicas também em áreas florestais e de desbravamento.
A utilização em tratores agrícolas de rodados duplos ou “filipados”, como são popularmente conhecidos, e até mesmo triplos, representam claramente a tentativa de aumentar a área de contato destas máquinas com o solo, distribuindo melhor a carga no solo e aumentando a capacidade de tração dos tratores. Porém, alguns cuidados básicos na adequação dessas máquinas são importantes quando configuradas para trabalhar com rodados duplos e triplos. Conceitualmente um trator agrícola deve respeitar uma relação entre sua massa total e potência disponível no motor, sendo recomendado, em média, que o trator tenha 50kg de massa “por cavalo de potência” (cv), se o trator for utilizado para atividades leves, 55kg/cv e 60kg/cv para atividades médias e pesadas, respectivamente. A adição de rodados extras deve respeitar essa relação, exigindo assim a diminuição de lastros sólidos e até mesmo de água nos pneus. De nada adianta aumentar a área de contato com a adição de novos rodados se a massa do trator permanecer a mesma, pois a capacidade de tração é dependente da massa total sobre os rodados em uma relação diretamente proporcional. A capacidade de suporte do solo para tração também é fator relevante no momento da tomada de decisão em acrescentar ou não rodados ao trator, solos de baixa sustentação, como em locais argilosos e encharcados, a adição de rodados é positiva. Também é positiva a utilização de tratores com maior área de contato em operações como a semeadura, onde as máquinas exigem grande força de tração e a compactação de solo é fator limitante para o correto estabelecimento e emergência das plantas.
Outra recomendação é o ajuste, adequado em rodados duplos, das pressões dos pneus internos e externos, sendo que a pressão de inflação do externo deve ser sempre menor que do interno, sob pena de falhas nos sistemas de tração e danos aos pneus. Muitos fabricantes retiram a garantia de produtos e máquinas cujas características de fábrica tenham sido alteradas, portanto deve-se respeitar as recomendações do fabricante e contatar a assistência técnica antes de alterar a configuração de rodados de máquinas novas, que não saíram de fábrica com tais dispositivos.
A seleção do tipo de rodado, se esteira ou pneumático, bem como o modelo de cada um vai depender de uma série de fatores, entre eles a cultura implantada na região e os modelos de trânsito nas lavouras.
O aumento da área de contato entre os pneus e o solo propicia melhor tração e uma redução no consumo de combustível, que pode ser avaliado de duas formas, sendo a primeira pela quantidade de litros consumidos por hora de trabalho (L/h) e a segunda pelas gramas de combustível em função da potência disponibilizada (g/ kWh). A primeira forma de avaliar é muito comum, porém pode induzir ao erro, já que somente trata do volume consumido de combustível ao longo do tempo, sem levar em consideração o trabalho realizado pela máquina. A segunda forma de avaliar é mais precisa e fidedigna pois permite que o consumo seja comparável mesmo entre diferentes máquinas e sistemas de diferentes potências. Avaliar o consumo em termos ponderais e relacionar com a potência desenvolvida remete à eficiência energética do sistema, ao contrário de avaliar somente o consumo em função do tempo, que pode mascarar as comparações. Um trator “A” com 100cv de potência disponível no motor, consumindo 12L/h de combustível em determinada rotação de trabalho na operação de gradagem, pode não realizar quantidade de trabalho equivalente a outro trator “B” de 100cv, com consumo de 14L/h, de fabricante distinto na mesma operação e rotação. Assim para saber qual dos tratores é mais eficiente, torna-se necessário relacionar o consumo volumétrico com a potência desenvolvida, portanto se o trator “A” para consumir 12L/h desenvolveu um trabalho que exigiu 60cv na operação, e o trator “B” desenvolveu 85cv para outra atividade, pode-se concluir que o trator B foi mais eficiente, mesmo com consumo volumétrico maior, pois o “custo energético” para desenvolver potência foi mais baixo.
Estudos mostram que, na instalação de rodados duplos ou triplos, o consumo específico de combustível do trator tem sido reduzido em relação à tratores de rodado simples, o que garante maior eficiência na operação, porém em solos com boa capacidade de suporte, a instalação de rodados duplos ou triplos, acompanhados de aumento na pressão de inflação dos pneus, pode afetar negativamente a tração quando comparados com tratores de eixo simples, com baixa pressão de inflação nas mesmas condições.
Dependendo da operação agrícola realizada os rodados duplos representam dificuldades no manejo, como no caso da aração, onde o trator deve transitar ao longo das faixas de trabalho com uma roda no interior do sulco de revolvimento, essa aplicação pode danificar o pneu externo de tratores duplados e mesmo quebrar o eixo ou prolongamento de rodas. Outro fator negativo em tratores com rodados duplos ou triplos é a bitola excessiva, já que em operações como a gradagem pesada, a largura da máquina tracionada é menor que a bitola do trator, o que causa passagens do rodado sobre a área preparada, comprometendo a qualidade do trabalho.
Uma tendência atual da mecanização agrícola é o tráfego controlado nas lavouras, onde o movimento das máquinas é orientado por sistemas de geoposicionamento, e o tráfego realizado sempre nas mesmas rotas, evitando prejuízos com compactação nas linhas das culturas, bem como o pisoteio nas plantas ou nas soqueiras, que é recorrente em alguns modelos agrícolas.
No caso da propriedade possuir um modelo de tráfego controlado implantado, e a depender da precisão desse sistema, pode-se optar por rodados mais estreitos com altas pressões de inflação, proporcionando menores resistência ao rolamento, consumo de combustível e compactação do solo, já que as rotas estão preestabelecidas nos sistemas de piloto assistido e a planta estará sempre longe dos rodados.
Se a propriedade agrícola não possui nenhum sistema de direcionamento das máquinas e as operações causam o pisoteio das culturas, como ainda acontece em diversas lavouras de cana-deaçúcar, os pneus mais largos e com baixa pressão de inflação continuam sendo a melhor solução. Nesse caso a resistência ao rolamento e também o consumo de combustível serão maiores, porém o impacto causado pela compactação do solo será amenizado.
Novos modelos de pneus e rodados estão sendo constantemente desenvolvidos e aprimorados, portanto, a realização de estudos e pesquisas na área se faz necessária, como forma de levar maiores informações ao público especializado. O Núcleo de Ensaios de Pneus e Máquinas Agroflorestais (NEMPA), pertencente à Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu – SP, possui diversos trabalhos de pesquisa na área de interação rodado-solo e características operacionais dos rodados agrícolas. O NEMPA conta com laboratório equipado com Unidade Fixa de Ensaios de Pneus (UFEP) e é um dos núcleos pioneiros no Brasil na realização deste tipo de pesquisa.
A UFEP conta com uma unidade de aplicação de cargas controladas em tanque de solo padrão, de forma que pode reproduzir em laboratório as condições encontradas pelos rodados no campo. Informações sobre compactação de solo são obtidas através da coleta de amostras de densidade de solo, pré e pós prensagem, bem como através de penetrômetro eletromecânico. Nos ensaios de pneus, em tanque de amostra de solo, são realizados escaneamentos de solo e estudos de deformação, que apresentam excelentes resultados para a tomada de decisão sobre a qualidade e aplicação dos rodados agrícolas em cada situação ou modelo produtivo.
A seleção correta de máquinas e dispositivos agrícolas envolve uma análise global das características de produção e tecnologias disponíveis para cada aplicação e, no caso dos rodados agrícolas não é diferente. As variáveis são muitas e os desafios maiores ainda; porém, a forma de superar estas adversidades é fornecer informação correta e útil ao produtor e realizar a aplicação dos mais variados conhecimentos técnicos no campo. Os sistemas de posicionamento e direcionamento de máquinas chegaram para ficar, em contrapartida a indústria de rodados, principalmente de pneumáticos precisará adequar-se às novas tendências de aplicação e avanços na agricultura. Enquanto a poucos anos, estudos apontavam que a tendência era trabalhar com o aumento no tamanho dos rodados, principalmente em largura, e reduzir a pressão de inflação dos pneus, atualmente a pesquisa aponta que a necessidade dos sistemas é de rodados mais estreitos e com alta pressão interna. Os estudos e as aplicações dos resultados de ensaios nas áreas de rodados para máquinas agrícolas são altamente dinâmicos, tanto no espaço como no tempo; portanto, é fundamental aprimorar as pesquisas e estreitar relações entre o setor produtivo e a pesquisa, para o desenvolvimento de sistemas que sejam eficientes econômica, sócio e ambientalmente.
Referências
ASABE - American Society of Agricultural and Biological Engineers. ASABE Standards D497.5. St. Joseph, p.391-398, 2006.