Manejo de enraizamento no Sistema Plantio Direto


Autores:

Afonso Peche Filho

Publicado em: 30/04/2020

1 Introdução

Podemos dizer que a agricultura brasileira é uma atividade recente, principalmente aquela direcionada para exportação de comodities. Em mais da metade desse período de ocorrência toda área agrícola utilizava o preparo convencional, arando e gradeando intensamente o solo. Nos anos setenta o desenvolvimento do sistema plantio direto na palha iniciou uma forma de uso do solo eliminando as operações de mobilização. Até os dias atuais o sistema plantio direto na palha continua em desenvolvimento numa transição em menor, mas significativa parte do sul e sudeste do território agrícola brasileiro. A ocupação de terras frágeis no centro oeste do país ainda padece com o preparo de solo de alta mobilização. Estes fatos são importantes no olhar conservacionista da agricultura brasileira. Agricultura nos trópicos convive com constantes períodos de chuvas torrenciais, de alta erosividade e com períodos de sol escaldante com acentuado défice hídrico. Com a mobilização intensa e contínua, combinando com fortes chuvas e sol intenso a resultante é uma fragilização contínua, safra após safra, elevando a vulnerabilidade aos atuais níveis alarmantes das terras agrícolas brasileiras.

Analisando os tipos, formas e ocorrências da erosão nas áreas agrícolas brasileiras, incluindo áreas de plantio direto, é possível perceber que o processo erosivo é uma resultante de uma desagregação intensa que tem origem nos primeiros anos de ocupação e permanece ativa atualmente. Podemos dizer que toda área agrícola que foi desmatada tem como herança um risco de sofrer erosão ou perder progressivamente a sua capacidade produtiva.

A desagregação pode ser definida como uma ruptura de uma estrutura formada pelas atividades biológicas do solo envolvendo areia, silte e argila e agentes cimentantes orgânicos e minerais. Nos ecossistemas só existe agregação ativa e contínua, ou seja, não ocorre rupturas, as atividades naturais produzem agregados eternamente. Nos agroecossistemas existe agregação, mas também há desagregação mais forte ainda. Nos agroecossistemas que tem o solo exposto todo ano aumenta a quantidade de minerais livres oriundos do processo de desagregação. Essa produção contínua de minerais finos (silte, argila e areia muito fina) associada às operações de mobilização promove uma metamorfose no perfil do solo criando camadas adensadas e linhas compactadas restringindo desenvolvimento das plantas. Na natureza o processo de agregação do solo ocorre numa combinação de atividades física, química e biológica do solo. A atividade física promove agregação pelo efeito da expansão (hidratação) e retração (secagem)dos minerais do solo nas diferentes estações do ano. A atividade química promove agregação por reações entre moléculas orgânicas, cátions polivalentes (Fe, Al, Ca) e partículas de argila. A atividade biológica promove agregação pela atuação de microrganismos associados às raízes construindo núcleos de formação de agregados durante todo seu crescimento e atividade fisiológica.

Além do papel fundamental na formação de agregados o enraizamento participa ativamente na sustentação de toda comunidade biodiversa do solo contribuindo para aeração, hidratação, nutrição e estabilidade produtiva do perfil. A dinâmica do enraizamento permite a fertilização biológica dos solos em benefícios da cultura de sucessão. Onde passa uma raiz morta passa outra viva com facilidades de crescimento e desempenho produtivo. O objetivo do manejo de enraizamento é eliminar toda metamorfose física negativa que o perfil do solo sofreu reconstruindo as funcionalidades de agregação, de aeração, de sustentação ecológica e principalmente adequar o agroecossistema para as condições tropicais normais e enfrentamento das mudanças climáticas.

 

2 Conceitos fundamentais sobre enraizamento

A germinação é a primeira etapa do enraizamento. Uma boa semente, com uma qualidade referenciada pelo vigor e equilíbrio de nutrientes (principalmente Ca, P e Mg, Bo entre outros), é o principal fator na formação da raiz, seguido de fatores mesológicos externos como água, temperatura, luz e uma boa dose de oxigênio. Uma semente de qualidade pode perder sua capacidade de gerar uma boa radícula em condições de excesso de umidade, altas temperaturas, e falta de um bom arejamento de solo. Em função dos fatores mesológicos tem-se uma orientação básica para o posicionamento do tipo de semente no solo: sementes como à do milho e do arroz são posicionadas no sulco, sementes como a da soja, feijão, algodão ou girassol são posicionadas no camaleão e sementes miúdas como do milheto, aveias e forrageiras, são posicionadas na superfície nivelada. O esquema da figura 1 representa o posicionamento da semente na operação de semeadura.

Imediatamente após a emissão da radícula começa a formação da rizosfera que pode ser definida como o espaço imediato em torno da raiz. É onde a planta interage ativamente com a vida microbiana presente no solo. Estima-se por grama de solo uma população de milhões de microrganismos que se alimentam não apenas das substâncias que o solo lhes fornece, mas também das excreções radiculares das plantas. Na rizosfera acontece trocas de nutrientes através de um complexo de interações entre plantas e organismos do solo. Cada uma das diferentes espécies de plantas favorece o desenvolvimento de um tipo de vida ou uma população específica de microrganismos com os quais interage. Esses fatos reforçam às necessidades de um manejo diferenciado para cada um dos tipos de sementes. A formação inicial de uma boa rizosfera influência todo período de juvenilidade das plantas e na sua capacidade produtiva. Quanto mais complexa for a rizosfera mais supressivo fica o ambiente radicular, mais protegida a plântula fica de pragas e agentes patogênicos de solo. Essa é uma das fortes razões para que na operação de semeadura o fertilizante químico de base não pode entrar em contato com a semente. Em uma solução ácida (superfosfato) e salina (cloreto de potássio) a semente sofre para germinar e desenvolver adequadamente a rizosfera inicial.

Estudos mostram que a rizosfera exerce importante influência na formação e na estabilidade dos agregados do solo. Na medida que vai crescendo as raízes vão atuando como formadoras de núcleos de microagregados. Exsudatos, hifas e outros microrganismos, ao se decomporem, formam agentes cimentantes incrustando argilas, dando origem a novos agregados. O papel da rizosfera na retomada da atividade de agregação nos agroecossistemas é fundamental garantindo a perenidade produtiva dos ambientes agrícolas.

As raízes das plantas cultivadas normalmente passam por três estágios de desenvolvimento: crescimento primário, crescimento secundário e o crescimento de produção. O crescimento primário vai desde a germinação passando pela juvenilidade, onde o desenvolvimento prioritário é em extensão vertical; e finaliza quando as plantas adquirem capacidade para produzir gemas floríferas. O crescimento secundário, vai passar pelo estágio de maturidade da planta, onde o desenvolvimento não para e promove expansão lateral, e finaliza quando a planta emite a primeira flor. No crescimento de produção a expansão vertical e horizontal para, iniciando atividades radiculares para o enchimento de desenvolvimento das sementes (enchimento de grãos). Nas três etapas as atividades de manejo estão influenciando no desempenho fisiológico do sistema radicular. Com o manejo correto, cada vez que o sistema radicular dobrar de tamanho ele ocupa oito vezes mais a área de ocupação do solo. A eminente professora Drª Ana Maria Primavesi apresenta esquema para ilustrar essa característica do bom enraizamento na Figura 2.

Fisiologistas afirmam que o crescimento em extensão e a abundância na ramificação lateral representa um recurso estratégico, podendo ser genético, na exploração de volumes de solo. Esse recurso adaptativo é muito influenciado pelas condições produtivas do solo. Um sistema radicular bem desenvolvido sinaliza acertos na harmonia do cultivar escolhido com as atividades de correção química, física e biológica do solo. Um sistema radicular pouco ramificado e comprido, pode não ter capacidade de utilizar os nutrientes encontrados.

As raízes são altamente adaptáveis em resposta a estímulos ambientais. As raízes bem formadas têm mecanismos de aquisição aprimorada de nutrientes, resultando no aumento da eficiência no uso de fertilizantes químicos ou orgânicos. Essa capacidade de adaptação associada ao manejo correto do solo é fundamental para a produção agrícola. Análises recentes de culturas em campo destacam a importância da arquitetura do sistema radicular na aquisição de nutrientes. Isso indica que, na prática, é possível explorar genótipos ou mutações que deem origem a uma arquitetura ideal para diferentes condições de desempenho produtivo das culturas no futuro, especialmente com relação ao melhoramento de plantas mais adaptadas à variabilidade dos solos tropicais.

As raízes podem ser representadas numa escala em diversas ordens: primária, secundária, terciárias e de enésima ordem. O termo arquitetura, em raízes de plantas, refere-se à configuração espacial, enfatizando a geometria e os ângulos formados entre os diferentes tipos de raízes, existindo aquelas com propensão a serem mais superficiais ou mais profundas, havendo significativa variabilidade para estas características. A figura 3 mostra exemplos de variabilidade de raízes em diferentes condições de solo.

A variação na disponibilidade de nutrientes no solo causa grandes modificações na arquitetura do sistema radicular das plantas, sendo estas relacionadas à mobilidade do nutriente no solo. As mais superficiais, estão diretamente relacionadas com a eficiência na absorção de nutrientes, como por exemplo, o fósforo. Por outro lado, a arquitetura da raiz também tem forte correlação com a sua profundidade, sendo importante por aumentar as chances de sobrevivência na seca.

A arquitetura de raízes pode ser considerada uma ferramenta para caracterizar as diferentes configurações e referenciar o comportamento das plantas diante das condições de solo e do manejo adotado. A eficiência da exploração do solo é função da arquitetura do sistema radicular, uma vez que a absorção de água e nutrientes e a adaptação das plantas a um ambiente dependem da distribuição da raiz no solo. De uma forma prática podemos avaliar a qualidade produtiva de uma área pela variabilidade da arquitetura de raízes.

 

3 O enraizamento como prática conservacionista no Sistema Plantio Direto

Hoje, o homem impôs à natureza os agroecossistemas, que tem como característica básica a mudança de cenários de tempos em tempos, ou de safras após safras. Nos agroecossistemas os vegetais continuam tendo uma atuação marcante, mas parece que um detalhe vem sendo renegado pelo homem a um segundo plano: o papel da raiz como protagonista na construção de solos produtivos. Nestas cenas, o homem “pouco” aparece. A construção de ambientes produtivos ocorre de cima para baixo. É o material orgânico decomposto na superfície que alimenta o interior do solo, e para isso é necessário que ocorra condições de caminhamento deste material. As raízes das plantas são as “veias do solo”. As raízes têm capacidade para alterar as condições do solo, tais como a fertilidade, agregação, a aeração, o umedecimento e o caminhamento da água no seu interior. 

A agricultura conservacionista tem no manejo da vegetação o seu objetivo maior, grande parte das atividades conservacionistas tem relações intimas com o desenvolvimento de raízes e a produção de material orgânico na subsuperfície. O manejo de raízes é uma consequência da qualidade destas relações sendo crucial para reduzir a erosão hídrica e melhorar os processos hidrológicos das áreas agrícolas. Para manejar raízes, duas práticas são fundamentais. Uma está relacionada com a disponibilização de cálcio no perfil do solo e a outra com a rotação de culturas. O papel do cálcio no desenvolvimento radicular é bem conhecido. A falta de cálcio no solo causa severas restrições ao crescimento radicular das plantas. O cálcio é um elemento químico imóvel na planta, não transloca das partes aéreas para as raízes. Assim o cálcio requerido para o crescimento de raízes tem que ser absorvido da solução do solo. Às vezes, uma quantidade adequada de calcário é aplicada superficialmente, não atingindo horizontes mais profundos restringindo as raízes em sua capacidade de crescer em profundidade. Em solos ácidos como os do cerrado o manejo do cálcio em subsuperfície é fundamental para promover enraizamento abundante e a infiltração de chuvas torrenciais. A rotação de culturas como prática do manejo de enraizamento preconiza a variação de diferentes tipos de raízes num planejamento racional de plantações diversas, sempre na busca de restabelecer um equilíbrio biológico e um equilíbrio dinâmico entre os fatores do manejo de plantas e a construção de um perfil produtivo do solo. O esquema de sucessão ordenada no tempo e no espaço permite a ocupação do solo por diferentes tipos de raízes estabelecendo assim uma condição muito boa para a conservação produtiva das terras agrícolas principalmente pela manutenção do balanço da matéria orgânica e da drenagem interna.

Para propostas de manejo conservacionista, é preciso entender a função de cada tipo de raiz. As raízes primárias sempre são as mais grossas, geralmente acumulam substâncias energéticas (amido, sais e proteínas), e substancias estruturantes como a lignina e celulose, são de posicionamento mais vertical, sendo geradoras da porosidade livre, ou seja, poros onde o ar e a água caminham livremente carreando as substancias húmicas para o interior do perfil. As raízes secundárias, normalmente de posicionamento horizontal são mais abundantes do que as primárias sendo responsáveis pela manutenção das funções vitais (respiração, absorção de sais e água) servem também como estrutura de acumulação de nutrientes de reserva além de servirem como uma espécie de ponte para as raízes terciárias de onde partem os “pelos” absorventes, responsáveis pela absorção de nutrientes do solo.

Um perfil de solo bem formado apresenta abundância de raízes em profundidade e em toda a sua superfície. O desenvolvimento da prática do enraizamento na agricultura conservacionista leva a construção de ambientes produtivos e com menor risco de degradação.