Calcário na dose certa


Autores: Ariel Muhl; João Mauricio Trentini Roy; Tiago Madalosso; Gabriele Larissa Hoelscher; Ana Claudia C. Nogueira
Publicado em: 30/06/2021

Um solo fértil é capaz de suprir a demanda de nutrientes das culturas no tempo e intensidade adequados para que as plantas possam expressar o máximo potencial produtivo. Técnicas de melhoria da fertilidade do solo são estudadas a muito tempo e apresentaram juntamente com o melhoramento genético dois dos pilares mais importantes para os aumentos de produtividade visualizados nas últimas décadas.

Uma destas técnicas de melhoria da fertilidade dos solos é a calagem. Essa foi uma das práticas agrícolas de maior relevância para aumento da produtividade e incorporação de solos ácidos na área produtiva do Brasil. A calagem visa o aumento dos teores de Calcio (Ca) e Magnésio (Mg) do solo, neutralizar espécies tóxicas de Alumínio (Al) às plantas e ajustar o pH do solo para faixas onde a disponibilidade dos nutrientes necessários as plantas são adequadas.

Visto a grande importância da calagem, campanhas de adoção em massa dessa prática, como poderiam ser citadas a operação tatu no RS, operação fertilidade em SC, entre outras, foram fomentadas pela pesquisa e extensão aos agricultores no passado.

De maneira geral grande parte do território nacional possui solos predominantemente ácidos, característica esse que os torna de aptidão natural baixa para a maioria dos cultivos agrícolas. A calagem foi a grande responsável pela abertura de novas fronteiras agrícolas no país, além do aumento da produtividade em áreas que já estavam incorporadas aos sistemas produtivos.

A quantidade a ser aplicada e a frequência de uso do calcário em uma área agrícola sempre deve ser alicerçada na análise de solo.

Através da análise do solo podem ser indicados de maneira racional além da dose o tipo de calcário a ser utilizado visando equilibrar os níveis de Ca e Mg do solo.

O método de cálculo varia de acordo com a região, podendo ser utilizada por exemplo a saturação por bases, o índice SMP ou teores de Al, Ca e Mg trocáveis para determinar a dose de calcário necessária para correção do solo, devendo sempre ser seguido o método validado e calibrado para a região agrícola em questão.

Um ponto importante quanto as doses de calcário é que com o advento da semeadura direta na palha os produtores deixaram de revolver o solo e o calcário que antes era incorporado por meio de aragem e gradagens passou a ser aplicado na superfície do solo.

Com a mudança dessa dinâmica as recomendações de calagem passaram a ter sua dose reduzida à metade do indicado para correção do solo até 20 cm de profundidade. Aliado a isso, o aumento na intensidade de uso do solo com duas a três safras por ano, uso de elevadas doses de fertilizantes (principalmente os nitrogenados) e processos naturais de decomposição dos resíduos vegetais tendem a acidificar os solos agrícolas.

Os solos possuem resiliência e devido a característica natural de acidez tendem a voltar ao seu estado de origem. Estes fatos tem sido experimentado por produtores da região deste estudo, que aplicando as doses recomendadas de calcário observavam que rapidamente (18 a 24 meses após aplicação) o pH e saturação por bases de seus solos estavam em teores idênticos aos iniciais.

Além disso, resultados de projetos para aumento da produtividade das culturas, como o concurso promovido pelo Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB), tem demostrado que frequentemente as maiores produtividades dessa cultura estão atreladas a solos corrigidos em profundidades superiores a 20 cm, o que demandaria doses mais elevadas de corretivos.

Em função disso, e por questões operacionais que travam a reaplicação frequente dos corretivos, realizou-se um estudo com objetivo de identificar se as doses utilizadas seguindo a recomendação seriam suficientes para suportar altos índices produtivos.

O experimento foi realizado no Centro de Pesquisa Agrícola da Copacol (CPA), no município de Cafelândia – PR, no período de outubro de 2018 a agosto de 2020. A área em estudo possui altitude de 580 m e solo com teor de argila de 68%.

Uma análise de solo foi coletada na área antes da implantação do experimento, em agosto de 2018. Os resultados da análise de solo aplicando o método recomendado para o estado do Paraná, elevação da saturação por bases para 70% na camada de 0-20 cm e aplicação em superfície (metade da dose), indicaram uma dose de 1.800 kg/ha de calcário dolomítico com PRNT de 70%.

A saturação inicial estava em 50% e a CTC do solo em 13 cmolc/dm3. A partir destes dados foram definidos 5 tratamentos (T), sendo o T1 uma testemunha sem aplicação de calcário (0), T2 usando a dose recomendada atualmente com a divisão por dois 1.800 kg/ha (50%), T3 usando a dose necessária para corrigir o solo até 20 cm 3.600 kg/ha (100%), T4 usando a dose recomendada para correção até 30 cm 5.400 kg/ha (150%) e T5 usando a dose recomendada para correção até 40 cm 7.200 kg/ha (200%).

Em todos os tratamentos a correção foi realizada com aplicação do calcário em superfície 30 dias antes da semeadura do primeiro cultivo.

Os tratamentos foram arranjados em delineamento de blocos completamente casualizados com 4 repetições. As parcelas possuíam 5 m de largura por 14 m de comprimento. As culturas, cultivares e doses de fertilizantes podem ser observadas na Tabela 1.

Realizou-se uma análise de solo ao final da quarta safra, considerando a camada de 0 a 20 cm de profundidade. Os resultados estão descritos na Tabela 2. Observa-se que, apesar dos maiores teores de Ca e Mg, e da maior saturação por bases nos tratamentos com aplicação de calcário, mesmo no tratamento com dose de 100% (T3) utilizada para corrigir o solo, a saturação por bases está semelhante à observada inicialmente antes da implantação do experimento.

Isto demonstra o elevado grau de acidificação do solo em sistema de cultivo intensivos. Nesta condição seria necessária uma reaplicação do corretivo após a quarta safra.

No primeiro cultivo (soja 18/19) as condições para o desenvolvimento da cultura foram satisfatórias. Nesta safra, não foram observadas diferenças significativas entre os tratamentos, função essa da boa condição hídrica e do curto período para reação do calcário, já que o mesmo foi aplicado somente 30 dias antes da semeadura da soja, quando o recomendado seriam pelo menos 90 dias.

Houveram restrições hídricas para as culturas em 3 safras, exceto a primeira. O estresse mais severo foi observado no terceiro cultivo, em função principalmente da antecipação da semeadura da soja, prática muito comum na região. O menor rendimento da safra de soja 2019/2020 está atrelado a esse estresse.

Na figura 1, é possível observar o rendimento de cada cultura e o rendimento somado das 4 safras. Evidenciando a resposta das doses de calcário de 100 e 150%.

No cultivo de milho segunda safra (2020), a maior produtividade foi observada no tratamento com 150% da dose de calcário, este resultado pode estar atrelado ao efeito residual da maior dose, visto que o solo tende a voltar ao estado natural conforme discutido anteriormente.

Considerando o preço de venda das culturas na data da colheita, multiplicado ao rendimento obtido realizou-se um índice de receita bruta (R$/ha). Os valores considerados para esse cálculo foram de 68, 47, 85,5 e 50 reais por saca de soja (2019), trigo (2019), soja (2020) e milho (2020) respectivamente. Os dados de rentabilidade bruta acumulada podem ser observados na figura 2.

Quando considerado o rendimento e rentabilidade bruta acumulada das 4 safras (gráficos a seguir), observa-se uma regressão de segundo grau com ponto de máxima nas doses de 135% e 129% respectivamente. Os dados demonstram uma melhor resposta ao uso de doses mais elevadas que o recomendado atualmente.

Os dados da análise de solo ao final do experimento corroboram com as observações em áreas comercias de produtores da região, que verificam retorno das características iniciais em um curto espaço de tempo com a aplicação das doses recomendadas pelos métodos atuais para o Oeste do Paraná. Para as culturas trabalhadas no experimento a saturação por bases adequada na camada de 0-20 cm seria de 70%, com um mínimo de 55%.

Observa-se que apenas nas duas doses mais elevadas a saturação ainda está próxima do mínimo desejado 24 meses após aplicação do corretivo. Apesar dos teores baixos de alumínio mesmo na testemunha sem calagem (característica natural do solo), o aumento dos teores de Ca e Mg e pH do solo favoreceu as culturas aumentando seu rendimento.

É evidente a importância da correção da acidez do solo para o aumento de rendimento, os dados do experimento confirmam isso.

O incremento de produtividade de cada cultura pode ser considerado baixo no experimento se analisado individualmente, porém como a aplicação de corretivos apresentam benefícios para mais de um cultivo, quando analisado o somatório das quatro safras fica claro o benefício desta prática para as culturas avaliadas.

Além de realizar a correção, é fundamental ajustar a dose de acordo com as necessidades do solo baseado no laudo. No experimento é possível observar que a produtividade até a terceira safra o rendimento somado das doses de 50, 100 e 150% é similar (174 e 179 e 170 sc/ha, respectivamente), porém no cultivo de milho houve maior rendimento nas doses de 100 e 150%. Isto indica que a dose de 50% que hoje é utilizada, pode necessitar de reaplicação com maior frequência, pois no último cultivo o rendimento de grãos foi similar a testemunha sem correção.

Outro aspecto observado, é que a maior dose (200%), apresentou baixo incremento no rendimento, além de propiciar ajuste quadrático negativo na equação da figura 2. Este dado corrobora com outros trabalhos demonstrando que doses elevadas de calcário (“super calagem”), podem apresentar baixa resposta e/ou redução de produtividade em algumas situações.

Diante disso, o uso indiscriminado de elevadas doses de calcário pode ocasionar a indisponibilização de alguns nutrientes, principalmente micronutrientes metálicos. Além disso em pH elevado pode ocorrer fixação do fósforo as moléculas de cálcio no solo. Seja para recomendação ou monitoramento dos níveis de fertilidade, sempre deve ser considerada a análise de solo.

É importante ressaltar, que apesar de avaliado em 4 safras estes resultados são referentes somente a um tipo de solo e região, não devendo ser levados como recomendação generalizada. Apesar disto os resultados sugerem novos estudos para revisar dos parâmetros adotados para calagem do solo em semeadura direta na palha em sistemas intensivos de cultivo em cada região.