Calagem: importância de seu uso planejado e continuado como base para melhoria no rendimento de grãos


Autores: Marcos Renan Besen, Evandro Antonio Minato, Jéssica Carolina Coppo, Lucas Simas de Oliveira Moreira, Rodrigo Sakurada Lima, Tadeu Takeyoshi Inoue; Marcelo Augusto Batista
Publicado em: 30/04/2020

A acidez do solo é um dos principais fatores limitantes à produção agrícola em todo o mundo, principalmente em ambientes tropicais e subtropicais úmidos. Sua ocorrência controla a disponibilidade de elementos fitotóxicos (p.e. Al3+) e de nutrientes, interferindo diretamente no desenvolvimento das plantas. A acidez de um determinado solo pode ser avaliada por meio do valor de seu pH, que conceitualmente é obtido a partir da determinação da atividade dos íons H+, em solução de CaCl2 ou H2O, sendo considerados danosos às culturas quando seus valores são baixos (pH CaCl2 < 4,5 e pH em água < 5,2, conforme NEPAR/SBCS, 2019).

As regiões tropicais e subtropicais úmidas brasileiras possuem solos naturalmente ácidos (aproximadamente 70% de toda extensão do país) em virtude de seus altos graus de intemperismo e lixiviação de bases trocáveis (Ca2+, Mg2+ e K+), resultante da precipitação pluviométrica, utilização de fertilizantes nitrogenados e fertilizantes de reação ácida, decomposição da matéria orgânica, absorção e exportação de cátions pelas plantas e, consequentemente, das práticas de manejo. Logo, a baixa disponibilidade de bases trocáveis como Ca2+, Mg2+ e/ou K+ e a presença de Al3+ restringem o crescimento adequado do sistema radicular das culturas, e consequentemente absorção de água, nutrientes e obtenção de maiores índices produtivos.

Visando reduzir os efeitos negativos da acidez do solo, o uso de corretivos de acidez do solo é uma prática indispensável para o cultivo da maior parte das áreas agricultáveis. Embora existam vários materiais com potencial corretivo de acidez, o uso dos calcários (principalmente, calcítico e/ou dolomítico) é uma técnica mundialmente conhecida e consolidada, sendo denominada de “calagem”. O calcário é uma rocha de origem sedimentar ou metamórfica que quando moída e aplicada em superfície ou incorporada ao solo proporciona o aumento do pH, o fornecimento de Ca2+ e Mg2+, e a redução dos níveis tóxicos de Al3+. Os calcários são classificados conforme suas características químicas (% de CaO e MgO), capacidade química de reação (Poder de Neutralização - PN) e distribuição do diâmetro das partículas do calcário (Reatividade – RE). A junção destas características irá determinar o tipo de calcário e o potencial relativo de neutralização total (PRNT = PN x RE/100).

Relatos apontam que, no Brasil o manejo da acidez do solo por meio da calagem teve início na década de 20, quando foi instalada a primeira indústria de calcário no estado do Rio Grande do Sul. No Brasil as jazidas de rochas calcárias são bem distribuídas ao longo de todo território, podendo ser encontradas na maior parte dos estados que compõem as principais regiões agrícolas produtoras. Embora as pesquisas científicas apontem para os benefícios da calagem, algumas dúvidas ainda persistem não sendo uma prática comum em grande parte das propriedades agrícolas do país. De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola - ABRACAL (2019), o consumo de calcário cresceu 16% em termos comparativos entre os anos de 2017 e 2018, porém, o consumo nacional por unidade de área ainda segue aquém da sua necessidade e segundo estimativas realizadas a quantidade de calcário deveria ser o dobro do atual aplicado.

Atualmente, o sistema de plantio direto (SPD) abrange aproximadamente 90% das áreas cultivadas com grãos e cereais, o que contribuiu grandemente para a sustentabilidade da agricultura brasileira. Com a consolidação do SPD, o calcário deixou de ser incorporado ao solo após sua aplicação, alterando toda sua dinâmica no solo e sistema produtivo.

A aplicação do calcário em superfície e sem incorporação tem sido questionada quanto a sua eficiência e rapidez em corrigir a acidez e elevar os teores de cálcio e magnésio em subsuperfície, devido a baixa solubilidade do calcário. Assim, os efeitos mais expressivos da calagem em SPD são observados nas camadas superficiais, principalmente nos 2 primeiros anos após sua aplicação.

As recomendações para a calagem se alteram conforme o sistema de cultivo, porém como se trata da aplicação de um insumo de baixa solubilidade (CaCO3 = 0,014 g/L de água à 25oC), em algumas situações específicas mesmo em SPD, é necessário que seja realizada a incorporação do calcário até a profundidade desejada, para que consiga reduzir os efeitos negativos da acidez em superfície em curto espaço de tempo. Atualmente, a Comissão de Química e Fertilidade do solo dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (CQFS–RS/SC 2016) recomenda em áreas sob SPD consolidado, a aplicação do calcário em superfície sem incorporação quando não há restrições na camada de 10-20 cm, mesmo que o pHH2O esteja 30%) o calcário deverá ser incorporado.

No entanto, a decisão de incorporar ou não o calcário, deve considerar outros fatores tais como histórico produtivo, problemas de compactação e disponibilidade de outros nutrientes no solo, que podem estar abaixo dos seus níveis críticos. Nesse aspecto, dois pontos assumem importância: i) a distribuição correta e uniforme do corretivo em toda área, evitando faixas com super e/ou subcalagem e ii) umidade do solo e uso de implementos adequados para incorporação do corretivo ao solo. Se for possível, escarificadores e subsoladores devem ser evitados, sendo preferível o uso de arado de aiveca ou disco, seguida da gradagem. Nas duas situações podem existir locais com excesso e ausência de calcário, o que não é desejável. Além disso, é importante uma boa amostragem de solo, seguida de procedimentos laboratoriais analíticos criteriosos para o cálculo da quantidade necessária a ser aplicada, não comprometendo o resultado final da prática de correção.

No estado do Paraná e na maioria dos estados brasileiros, a necessidade de calagem é recomendada pelo método da saturação por bases, que tem como princípio a relação positiva entre saturação por bases (V%) e pH do solo. Para definir a dose de calcário por esse método é necessário a determinação dos teores de H+Al, da soma de bases (SB = Ca2+ + Mg2+ + K+ + Na+), da capacidade de troca catiônica (CTC) a pH 7 (CTC = SB + H+Al), da saturação por bases inicial da amostra de solo (V1) e da saturação por bases que se pretende alcançar para a cultura de interesse (V2). Assim, para o estado do Paraná, por exemplo, recomendase que seja efetuada a calagem para soja quando V% < 50, buscando V% 60. Para trigo e milho o V% 70 é preconizado, devendo a calagem ser realizada quando este for menor que V% 60 (NEPAR/SBCS, 2019). Os resultados de pesquisa obtidos em diversos locais e em distintas condições de solo e clima, mostram que em áreas em que o SPD está consolidado a calagem realizada em superfície é eficaz para manutenção da acidez em níveis adequados considerando os 20 cm superficiais do solo, podendo a aplicação de calcário ser realizada em uma única vez ou mesmo de modo parcelado em três anos.

A velocidade de reação decorrente do calcário depende diretamente do seu PRNT, do volume de água precipitado, do contato do calcário com o solo e da acidez ativa e potencial do solo. Quando aplicado em superfície, sem incorporação, o calcário forma uma frente de correção da acidez do solo de sua superfície em direção as camadas mais profundas, proporcional à dose e ao tempo da aplicação (Figura 1), entretanto a magnitude de seus efeitos depende das condições de manejo de cada área em questão.

Na Figura 1 são apresentados os valores do pH em CaCl2 após 12 e 36 meses da aplicação de 2,6 t/ha de calcário dolomítico em superfície, em um Latossolo Vermelho com 76% de argila, e observa-se que após os primeiros 12 meses da aplicação os efeitos da calagem no pH do solo ficaram restritos na sua camada superficial (Figura 1A), no entanto, após 36 meses as alterações puderam ser verificadas até 40 cm de profundidade (Figura 1B), demonstrando que lentamente a frente de alcalinização formada na superfície do solo ao longo do tempo se desloca para as camadas mais profundas do perfil do solo. Nota-se também que o pH da camada superficial é menor aos 36 meses, comparado aos 12 meses após a aplicação do calcário, demonstrando que com o tempo ocorre a reacidificação do solo em função das condições do ambiente, tais como precipitação, atividade biológica, mineralização da matéria orgânica e o próprio sistema de cultivo com a extração dos elementos básicos do solo e a aplicação de adubos nitrogenados entre outros fatores.

Em ambientes com chuvas bem distribuídas, como no Sul do Brasil, a maior reação do calcário no solo se dá entre os 15 e 36 meses após sua aplicação (Oliveira et al., 1997). É importante ressaltar que a correção da acidez, abaixo da camada de deposição do calcário, somente ocorre quando o pH, na zona de sua dissolução (superfície), se encontram entre valores de 5,0 a 5,6 (Rheinheimer et al.

, 2000), demonstrando importância da formação da frente de alcalinização na superfície do solo (Figura 1A). Sabendo disso, o monitoramento e manutenção de pH dentro da faixa adequada na camada superficial, torna-se uma importante estratégia para minimizar os efeitos da acidez em subsuperfície e construir um perfil do solo sem limitações químicas para o desenvolvimento do sistema radicular das culturas ao longo do tempo, tornando o sistema mais sustentável.

Como já foi dito, além de corrigir a acidez do solo o calcário também atua fornecendo Ca e Mg para as culturas, devendo a escolha do produto que será aplicado realizada criteriosamente entre os disponíveis no mercado. Na Figura 2 observa-se que passados 36 meses da aplicação do calcário, os teores de Ca2+ e Mg2+ mantiveramse elevados, mas somente em superfície. Para os estados do RS e SC o nível crítico de Ca2+ e Mg2+ é de 4 e 1 cmolc/dm3, respectivamente, já para o estado do PR os níveis críticos de Ca2+ e Mg2+ são de 3 e 1 cmolc/dm3, respectivamente.

Estudos recentes têm mostrado que no SPD é necessária uma camada mais espessa para exploração radicular e que cultivares de soja modernos são mais sensíveis ao Al3+ (Dalla Nora et al., 2017). Portanto, monitorar o avanço dos efeitos da calagem em profundidade buscando construir um perfil de solo sem limitações de ordem química, física e biológica, tornase necessário para os atuais sistemas produtivos.

As melhorias dos atributos físicos, químicos e biológicos do solo em consequência da calagem, proporcionam condições favoráveis ao desenvolvimento das principais commodities agrícolas, resultando em maiores produtividades. Porém, o efeito pode ser sentido de forma diferente entre espécies, cultivares ou variedade de plantas. Em experimentos de longa duração instalados nas cidades de Floresta (6 anos) e Campo Mourão (8 anos) nas regiões noroeste e centro-oeste do estado do Paraná, a calagem em solos de baixa acidez e com histórico de correção proporcionou incrementos na produção de grãos de soja, trigo e milho safrinha. Em ambos os locais, é possível observar que a cultura da soja foi menos responsiva à calagem que as gramíneas (Figura 3). Todavia, deve-se ressaltar que mesmo nos tratamentos sem calcário os teores de Ca2+ e Mg2+ estavam acima do nível crítico para todas as culturas e a área em estudo apresentava baixa acidez. Logo, em solos com acidez mais elevada a resposta a calagem tende a ser mais expressiva como já observados por outros autores.

É importante salientar que a calagem no SPD mesmo em solos de baixa acidez e de fertilidade construída deve ser compreendida como uma prática que mantém o potencial produtivo do sistema e garante retorno econômico principalmente a médio e longo prazo. Embora o aumento na produtividade pela calagem não seja tão expressivo em solos de baixa acidez e de fertilidade construída (Figura 3), ela se torna importante na soma dos vários cultivos sucessivos, uma vez que os efeitos da calagem podem perdurar por mais de 10 anos (Rheinheimer et al., 2018).

No presente experimento foi possível observar que o ganho na produção durante o cultivo de 2 safras de milho safrinha (n=2) foi de 186 kg/ha ao comparar os cultivos na ausência da calagem. O maior retorno econômico da calagem ocorre principalmente em períodos onde há a ocorrência de veranicos que afetam o desenvolvimento das culturas. Importante salientar que diferente da maioria dos insumos utilizados na agricultura, os efeitos residuais da calagem persistem por vários cultivos e anos, devendo seu uso ser considerado dentro do sistema produtivo como um investimento.

Em relação a cultura do trigo após 4 safras (n=4) na condição do presente experimento, o aumento na produção em relação aos tratamentos com e sem calagem foi de 254 kg/ha. Os resultados positivos a longo do experimento, o qual durante o desenvolvimento tanto do trigo quanto do milho passou por veranicos, pode ser explicado pelo fato do Ca depositado no solo por meio do calcário promover o crescimento das raízes em profundidade, propiciando maior acesso a água presente na subsuperfície, mantendo a condição hídrica equilibrada das plantas por períodos mais prolongados e assim seu potencial de produtividade.

Diante do exposto, deve-se lembrar que, em meio a momentos de crise tanto econômica quanto climática, a fertilidade do solo e principalmente a correção da acidez é a base para manter o sistema produtivo, e que o adequado monitoramento e manejo da calagem torna-se chave para superar adversidades e garantir sustentabilidade para o sistema agrícola.