Fisiologia da Soja: base para o aumento da produção de soja no Brasil


Autores: Osmar Rodrigues
Publicado em: 28/02/2020

Um dos primeiros relatos da avaliação de cultivares de soja no Brasil ocorreu por volta do ano de 1882 no estado da Bahia. Posteriormente, o IAC (Instituto Agronômico de Campinas, São Paulo) em 1900 a 1901 promoveu a distribuição aos produtores de cultivares de soja no Estado (Gavioli, 2013). Nessa mesma data, ocorreram os primeiros registros da cultura no RS, estado esse, com condições climáticas semelhantes ao Sul dos EUA de onde as cultivares em cultivo tiveram origem até 1975 (Embrapa,2004).

Em 1914, no Município de Santa Rosa, ocorreu o primeiro registro de cultivo de soja no Brasil, mas foi a partir dos anos 60 que a cultura adquiriu importância econômica e se expandiu significativamente (maiores detalhes em Gavioli,2013), atingindo em 1960 a produção de 206 mil toneladas. Nessa progressão, o País passou de 1,5 milhão de tonelada em 1970, para mais 15 milhões de toneladas em 1979. Atualmente, disputamos a marca surpreendente de aproximadamente 120 milhões de toneladas.

Um dos agentes mais importantes na evolução da sojicultura brasileira foi a Embrapa, que desenvolveu a partir desse período novas cultivares adaptadas às condições climáticas das regiões produtoras no Sul, no Centro-Oeste e na região do “Matopiba” (Área incluindo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Com a criação da Embrapa Soja em 1975, o País passou a investir em pesquisa e tecnologia para adaptação da cultura para o melhor aproveitamento dos recursos do ambiente (Água, Luz, Temperatura e radiação) disponíveis nas diferentes regiões brasileiras. Tais investimentos levaram à “tropicalização” da soja (Kiihl et al, 1986 e 1987; Toledo et al., 1994), permitindo, pela primeira vez na história, que a cultura fosse estabelecida com sucesso, em regiões de baixas latitudes, entre o trópico de capricórnio e a linha do equador.

Essa conquista dos cientistas brasileiros revolucionou a história mundial da soja (Gavioli,2013) e seu impacto começou a ser notado pelo mercado a partir do final da década de 80 e mais notoriamente na década de 90 (Embrapa, 2004), quando o Centro-oeste (Cerrados do Brasil Central) já tinha uma participação superior a 40% na produção Nacional.

Com relação a região Central do Brasil, destaca-se como causa principal da expansão da cultura, a criação da Embrapa Soja em 1975 que permitiu: a) a criação de novas cultivares adaptadas a fotoperíodo curto (baixa latitudes) através da incorporação da característica “período juvenil longo”, b) o desenvolvimento de um pacote técnico produtivo bem adaptado a região e c) apoio técnico e científico a pesquisa da cultura na região, que detinha e detém grande potencial para o cultivo dessa importante leguminosa produtora de proteína/óleo.

Entre as potencialidades dos Cerrados do Brasil Central, que nortearam a criação da Embrapa Soja e a tropicalização da cultura para produção sustentável podemos destacar: a) a topografia altamente favorável a mecanização/redução dos custos de produção, b) boas condições físicas de solo, favorecendo a mecanização, c) baixo valor da terra na região, d) taxas de incentivos para abertura de novas áreas de produção e aquisição de máquinas e equipamentos, e)transferência de novos agricultores, oriundo do sul do Brasil, com alto conhecimento técnico da produção de soja, e f) a maior disponibilidade de infraestrutura decorrente da mudança da capital Brasileira para região, nos anos 60. Atualmente, não podemos deixar de reconhecer a grande atitude no planejamento do País a época (1960s) pelos nossos governantes: me referi aqui, a transferência da capital Brasileira para a região dos Cerrados.

Da mesma forma, a criação de centros de Pesquisa (1970s) para expansão agrícola dos Cerrados, por essa cultura (Soja) que detém o maior valor social e ambiental para o Pais na produção primária de proteinas. Em decorrência, atualmente estamos competindo com os EUA, tonelada a tonelada, pela primeira posição na produção mundial dessa cultura. A soja (Glycine max (L.) Merrill) que é cultivada em quase todas as regiões do país, graças ao avanço técnico científico pela pesquisa básica e aplicada envolvendo mecanismos genéticos e fisiológicos que afetam o momento da floração: me refiro aqui, a criação de cultivares de soja com período juvenil longo, adaptados a ambiente de fotoperíodo curto.

Fotoperíodo, fotoperiodismo e período juvenil são mecanismos da fisiologia da soja de extrema importância para o manejo (manipulação) dos processo de crescimento e desenvolvimento da cultura, para atingir o máximo aproveitamento dos recursos do ambiente (Água, luz, Temperatura, Nutrição e radiação) para altas produtividades. Nesse sentido as plantas de maneira geral, e a soja em especial, não têm o seu crescimento/desenvolvimento ancorado no número de dias (dias = 24 horas) calendário, apesar da grande utilização dessa régua pelo Ensino, pela assitência técnica e pela própria pesquisa (Rodrigues et al., 2011), de maneira geral.

Apesar Figura 1. Fases de desenvolvimento da Soja (Sm=semeadura; Em=emergência; MR=Maturação Reprodutiva; At= antese; MF=Maturação Fisiológica; T=Temperatura; F=Fotoperíodo; AF= área foliar). de todas as plantas, terem o seu desenvolvimento governado pela temperatura, a soja possui o fotoperíodo interferindo no seu desenvolvimento. Fotoperíodo e temperatura são importantes para o desenvolvimento da cultura da soja, por provocarem mudanças qualitativas ao longo do seu ciclo.

As respostas a esses fatores de ambiente, não são lineares durante o ciclo de vida da cultura, existindo subperíodos no seu ciclo, incapaz (pouco sensível) na percepção desses sinais. Vários estudos têm caracterizado esses subperíodos, quanto a sensibilidade a temperatura e fotoperíodo, principalmente entre a emergência e a floração da soja (Major et al.,1975; Jones & Laing ,1978; Hodges & French,1985; Wilkerson et al.,1989). Contudo, nesse momento aproveitamos para discutir e embasar esses processos e seus efeitos no controle do “momento da floração” da soja, cuja sua manipulação (manejo) foi e será muito importante para produção Nacional da soja.

No ciclo da soja, o subperíodo vegetativo pode ser definido como pré-indutivo ou juvenil. Nesse período entre a emergência e a

primeira folha verdadeira (estádio V1) as plantas de soja são pouco sensíveis (Rangel et al.,2012) na percepção do estímulo fotoperiódico (Figura 1). A partir daí, dependendo do genótipo, adquire a capacidade de perceber o estímulo fotoperiódico (maturação), que induzem as transformações de seus meristemas vegetativos em reprodutivos (fase indutiva).

Com o início da diferenciação do primórdio floral até a floração (antese) (subperíodo pós-indutivo), ocorre o desenvolvimento dos primórdios florais (organogênese floral). As durações desses subperíodos são determinadas pelo grau de sensibilidade termo-fotoperiódica do genótipo. Assim, sob dias longos a taxa de desenvolvimento dos órgãos reprodutivos é menor e sob baixas temperaturas ocorre uma diminuição no número de primórdios reprodutivos e na taxa de desenvolvimento.

A taxa de desenvolvimento é importante para a determinação do rendimento de grãos, porque se a planta desenvolve muito rapidamente em direção à primeira floração e início da formação da semente, não haverá tempo suficiente para construir uma estrutura produtiva (biomassa seca = massa seca) suficiente para suportar o rendimento de grãos ideal. O acúmulo de massa seca vegetativa pela planta de soja cessa no início do enchimento das sementes. Dessa forma, a data de antese é uma avaliação fenológica importante, podendo ser relacionada com o tamanho da planta. Contudo, é a transformação das gemas vegetativas apicais em reprodutivas, a causa da finalização da geração das estruturas vegetativas. A sensibilidade fotoperiódica varia com o genótipo de soja, sendo o grau de resposta ao estímulo fotoperiódico, o principal determinante da área de adaptação das diferentes cultivares. Nas cultivares de soja sensíveis, a resposta ao fotoperíodo é quantitativa e não absoluta, significando que a floração ocorrerá de qualquer modo. No entanto, o tempo requerido para tal dependerá do comprimento do dia, sendo mais rápida a indução com dias curtos do que com dias longos.

Desse modo, a indução floral provoca a transformação dos meristemas vegetativos (diferenciação de talos e folhas) em reprodutivos (primórdios florais), determinando o tamanho final das plantas (número de nós) e, portanto, seu potencial de rendimento de grãos. Cultivares de maturação tardia são geralmente mais sensíveis ao fotoperíodo do que cultivares precoces (Major et al., 1975; Lawn & Byth,1973). Há muito tempo já se conhece que o intervalo de tempo, em dias, entre a emergência e o florescimento depende da influência da temperatura e do fotoperíodo, e que existe um determinado limite de comprimento de dia, suficientemente curto para induzir a floração e suficientemente longo para impedir a floração.

Este é caracterizado como fotoperíodo crítico (Steinberg & Gardner, 1936). O comprimento do fotoperíodo crítico varia também entre cultivares de soja (Johnson et al.,1960). Com relação a temperatura, já em 1930, Gardner & Alard concluíram que a temperatura em ambientes com fotoperíodo constante, influencia grandemente o tempo de florescimento. Segundo Pascale (1969), existe uma relação inversa entre a temperatura média e o número de dias necessários para a floração.

Dessa forma, temperaturas mais baixas causam aumento no período para que ocorra o florescimento. Parker & Borthwick (1943), observaram que a indução floral foi ótima quando a temperatura ao nível das folhas estava entre 21 a 27 oC a noite, e que acima dos 27 oC poucos primórdios florais foram formados. A relação quantitativa entre o efeito do fotoperíodo e da temperatura no período de florescimento em soja tem sido estudado por Major et al. (1975), Hodges & French (1985) e Sinclair et al. (1991) entre outros, produzindo acurada previsão da data de florescimento das cultivares de soja. A previsão da data de floração, bem como de outros estádios de desenvolvimento em soja, é de suma importância para o manejo da cultura, bem como para uso em “ modelo de crescimento” e alta produção de soja.

A correta previsão da duração entre a emergência e a floração determina também a produção de biomassa seca (matéria seca) e consequentemente, a produção de grãos (Shanmugasundaram & Tsou,1978; Wang et al.,1997). Por outro lado, pode fornecer indicações sobre como manejar a cultura para escapar de períodos de estresses (falta de água, acamamento, etc.) em determinadas regiões de cultivo de soja.

A previsão do comportamento fenológico em soja é dificultada pela falta de entendimento da influência dos fatores de ambiente na fisiologia da soja, especialmente nos mecanismos de desenvolvimento vegetativo e reprodutivo. Nesse sentido, estudo desenvolvido pela Embrapa Trigo já em 1995/1997 (Tabela 1) (Rodrigues et al., 2001) quantificou o efeito do fotoperíodo e da temperatura na duração do período de florescimento (Em-R1), em cultivares de soja de diferentes grupos de maturação e período juvenil longo, permitindo o melhor entendimento da produção de biomassa seca (matéria seca) e, consequentemente, da alta produção de grãos. Destacamos ainda nesse estudo, a preocupação a época da Instituição, no desenvolvimento “da cultura”, ao focar o estudo em diferentes GM (Grupo de maturação) e PJL (Período Juvenil Longo), independente da cultivar.

Período juvenil é o nome dado a fase inicial de crescimento vegetativo da soja, onde a planta não responde ao estimulo fotoperiódico (dias curtos) para induzir o desenvolvimento reprodutivo (Floração). Mesmo durante condições de dias curtos, esse período precisa ser completado para que ocorra, pela área foliar, a percepção do estímulo fotoperiódico para transformação das gemas vegetativas em reprodutivas (Iniciação floral). A planta de soja que floresce mais tarde em relação a outra planta, em condição de fotoperíodo curto, tem um período juvenil longo em relação a outra planta. Tais genótipo são descritos como tendo “período juvenil longo” (atraso na floração sob dias curtos) (Kiihl e Garcia,1989; Paludzyszyn et al.,1993).