Plantas de cobertura de solo de inverno em Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária


Autores: Diógenes Cecchin Silveira; Renato Serena Fontaneli; Roberto Serena Fontaneli; Renata Rebesquini; Emanuel Dall’Agnol; Francine Talia Panisson; Maria Cristina Piaia Bombonatto; Maria Eduarda Tramontini Ceolin
Publicado em: 28/02/2020

1 Introdução

O Brasil destaca-se pela sua aptidão agrícola com cerca de 7,3%, 18,6% e 6,7% de suas áreas voltadas ao desenvolvimento de grãos, pastagens e agropecuária, respectivamente (CONAB, 2019). Neste contexto, o agronegócio é o setor de maior importância na economia brasileira, sendo responsável por 21,7% do PIB (MAPA, 2018). Na região Sul do país, no período de inverno, grande parte dessas áreas ficam ociosas, sendo destinadas ao pousio e/ou a cobertura do solo, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), há um total de 5.403,8 milhões hectares ociosos (Tabela 1).

Na tabela 1, a cultura do trigo (Triticum aestivum L.), configura como a principal espécie hibernal cultivada na região Sul, apesar disso problemas recorrentes como frustação de safra oriundas de problemas climáticos fazem com que a referida espécie não desenvolva isoladamente toda a área de cultivo. A cultura da aveia (Avena spp.) por ser um pouco mais rústica assume potencial para o preenchimento das áreas no período de inverno com o propósito de cobertura do solo. Neste contexto ainda há potencial para o preenchimento das áreas com os cultivos de cevada (Hordeum vulgare L.), canola (Brassica napus L.), triticale (X Triticosecale Wittmack) e centeio (Secale cereale L.) (Tabela 1).

Com o intuito de elucidar alternativas forrageiras afins de mitigar o pousio, o presente trabalho traz como objetivo apresentar alternativas sustentáveis de culturas extremes ou consorciadas para o propósito de cobertura de solo em sistemas ILP ou integrados de produção agropecuária (SIPA) durante o outono/inverno na região Sul-brasileira.

2 Revisão Bibliográfica
2.1 Sistema de plantio direto

A agricultura é dependente de processos e funções do ecossistema, como formação do solo, ciclo de nutrientes, ciclos hidrológicos, polinização de culturas, entre outros, dirigidos por interações entre elementos da biodiversidade (SAUNDERS & WALKER, 1998).

Nesse sentido, a agricultura passou por dois momentos impactantes, o primeiro oriundo da revolução verde (green revolution) e o segundo foi a migração do sistema de plantio convencional para o sistema de plantio direto (SPD). O sistema plantio direto preconiza o revolvimento mínimo do solo, associado ao uso de plantas de cobertura em rotação com culturas comerciais (MICHELON et al., 2019). O sucesso atribuído ao SPD faz com que ocorra o seu predomínio no cultivo de cereais e oleaginosas no Brasil, sendo que na safra agrícola 2013/14 foram contabilizados 32 milhões de hectares sob esse sistema (FEBRAPDP, 2014), o que representa 56% dos 57 milhões de ha cultivados com cereais e grãos (IBGE, 2014).

O manejo das culturas em SPD tem como princípios:1) o não revolvimento do solo; 2) sua cobertura permanente com palha, e 3) a rotação de culturas na área, incluindo um ciclo anual de espécies vegetais produtoras de biomassa para a cobertura do solo, sendo esse um princípio da biodiversidade (CANALLI et al., 2010; CALEGARI, 2014). O manejo com plantas para cobertura do solo oportuniza o manejo da água pluvial, pelo aumento da infiltração no perfil do solo, aumentando assim a absorção e retenção da água, com influência direta no aumento do período de plantio naquelas áreas em que os agricultores são dependentes das chuvas para o plantio (ANGELETTI et al., 2018).

O tempo de adoção do SPD, de acordo com Domit et al., (2014), influenciou positivamente nos atributos do solo, diminuindo a resistência mecânica à penetração e a densidade do solo. Em mais de 30 anos de utilização desse sistema, os teores de vários nutrientes e da matéria orgânica do solo (MO), principalmente na camada superficial, foram elevados ao longo dos anos (DEBIASI et al., 2013). Ainda, observa-se um aumento na estabilidade dos agregados e na capacidade de retenção de água, fatores que são favorecidos pela condução do sistema, bem como pelo aumento do teor de MO. Além disso, ambas as culturas (milho e soja) empregadas aos diferentes sistemas de manejo apresentaram um maior rendimento no plantio direto (COSTA et al., 2003).

Além dos benefícios supracitados, de acordo com Hernani et al. (1999), o preparo convencional com gradagem e intenso revolvimento do solo pode gerar perdas de até 6,5 vezes mais de potássio (K+), e 6 vezes mais fósforo (P) e MO, quando comparado com o plantio direto.

A prática do plantio direto garante a adição de maiores quantidades de MO ao solo, principalmente nas camadas superficiais, até 10 cm, sendo que, após vários anos de sua implantação, esses incrementos permanecem restritos a essas camadas (JANTALIA et al., 2013). Quando o SPD é realizado juntamente com a rotação de culturas, os teores de C nas camadas superficiais, ficam em torno de 18,5 g/kg, superiores à um sistema convencional, com o mesmo sistema de rotação de culturas (BAYER et al., 2000). Para Sales et al. (2016), o aumento da qualidade dos atributos físicos do solo, foram constatados, quando o solo é manejado sob plantio direto em relação ao sistema convencional para as condições do semiárido brasileiro.

2.2 Mix de culturas (consórcios ou misturas)

A utilização de plantas de cobertura associada à rotação das culturas anuais é uma das alternativas para o manejo sustentável dos solos (DAROLT, 1998). De acordo com Calegari (2008), as plantas de cobertura poderão ser implantadas em cultivo extreme ou em consorciações. A utilização de culturas de inverno de alta qualidade pode apresentar uma série de benefícios ao solo e à cultura subsequente (AITA et al., 2001). Dentre as vantagens das consorciações em comparação ao cultivo isolado destaca-se a maior produção de matéria seca, da parte aérea e radicular, acúmulo e reciclagem de nutrientes e proteção ao solo.

Em estudo realizado para avaliar o rendimento de grãos de milho (Zea mays L.) em sucessão a plantas de cobertura de inverno e com a adição de 180 kg/ha de N mineral, Dahlem (2013) observou que os sistemas constituídos por tremoço branco (Lupinus albus L.), nabo forrageiro (Raphanus sativus L.), ervilhaca comum (Vicia sativa L.) e ervilhaca-peluda (Vicia villosa Roth), sem fornecimento de N mineral na cultura comercial, promoveram rendimento de grãos de milho equivalentes ao verificado com a aplicação de 180 kg/ha de N mineral em cobertura. Destaca-se a capacidade dessas espécies em contribuir parcial ou totalmente na disponibilização desse nutriente, atendendo a necessidade da cultura em sucessão. O maior rendimento de grãos de milho obtido nos tratamentos em que se utilizou leguminosas deve-se a maior eficiência dessas plantas em fixar o N da atmosfera e disponibilizar esse nutriente para a cultura do milho.

Os tratamentos em que se utilizaram gramíneas de forma isolada e pousio foram aqueles que apresentaram os menores rendimentos de grãos de milho. O baixo rendimento de grãos de milho implantado em sucessão a gramíneas, na ausência de N mineral, está relacionado alta relação C:N dos resíduos dessas culturas.

A utilização de consórcio entre as plantas de cobertura é uma excelente opção, principalmente quando se busca a liberação de N em curto espaço de tempo, mas com manutenção da palhada em cobertura do solo por períodos mais longos, objetivando também a proteção do solo (MICHELON et al., 2019). A utilização de adubos verdes, contribui para a diminuição da população de plantas daninhas, reduzindo significativamente a sua infestação, podendo ser utilizados para o manejo integrado dessas plantas (MALDONADO et al., 2011).

2.2.1 Plantas para cobertura de solo

A aveia preta (Avena strigosa Schreb.) é pertencente à família das gramíneas (Poaceae). Possuí ciclo anual, com desenvolvimento uniforme e bom perfilhamento (KICHEL; MIRANDA, 2000) apresenta colmos cilíndricos, eretos e pouco pilosos, com raízes do tipo fasciculada (FONTANELI et al., 2012). De forma geral, essa gramínea é utilizada para produção de grãos destinados a alimentação animal, como forrageira para pastagem, silagem e feno, e também rotineiramente, como planta de cobertura, oferecendo rápida cobertura do solo (BURLE et al., 2006).

É uma espécie de outono/inverno, amplamente difundida na região Sul do Brasil (DERPSCH; CALEGARI, 1985). Considerada como planta melhoradora de solos, tem característica de auxiliar na redução da população de patógenos e nematóides (CALEGARI et al., 1993), influenciar no controle de plantas daninhas e ser recicladora de nutrientes (BORKET et al., 2003).

O azevém (Lolium multiflorum Lam.) pertencente à família das gramíneas, tem como centro de origem a bacia do mediterrâneo (sul da Europa, norte da África e Ásia menor), de onde se espalhou pela Europa e posteriormente para América do Norte (MORAES, 1963). Possui característica de cultivo anual, sendo principalmente utilizada como forrageira e como planta de cobertura em pomares e lavouras em SPD (GALVAN et al., 2010), por ser uma planta que apresenta rusticidade e capacidade de perfilhamento com excelente cobertura do solo, porém com crescimento inicial mais lento em relação à aveia (BITTENCOURT, 2008).

O centeio (Secale cereale L.) tem como centro de origem a Ásia Central, sendo introduzido no Brasil há dois séculos por imigrantes alemães e poloneses. Pertencente à família das gramíneas, o centeio é uma planta anual com sistema radicular fasciculado, hábito de crescimento cespitoso, colmos cilíndricos eretos e glabros. A inflorescência caracteriza-se por ter espiga longa e flexível, duas flores férteis e dois grãos por espigueta. Em relação às outras espécies de cereais de inverno, difere-se por apresentar maior desuniformidade quanto ao espigamento, maturação e tipo de planta (NASCIMENTO JUNIOR et al., 2006). O rendimento de MS do centeio apresenta fica em torno de 2,8 t/ha (SOUZA et al., 2013) a 5,0 t/ha (VILANOVA, 2011).

A ervilhaca comum (Vicia sativa L.) é uma leguminosa originária da região do mar Mediterrâneo, anual de inverno, herbácea e glabra (MONEGAT, 1991). As raízes são profundas e ramificadas. Possui caule fino, flexível, decumbente e trepador, que atinge até 0,9 m de comprimento (CALEGARI et al., 1993). Possui bom potencial de crescimento e eficiência na cobertura de solo, dessa forma é considerada melhoradora dos solos agrícolas. Apresentando bom desenvolvimento em solos já corrigidos e sem problemas com acidez (CALEGARI, 2004). Espécie de ciclo longo, com estádio de florescimento ocorrendo aos 100 a 130 dias, após a semeadura (CALEGARI, 2004), podendo atingir até 6,0 t/ha no rendimento de MS (FONTANELI et al., 2009).

O nabo forrageiro (Raphanus sativus L.) é pertencente à família das brássicas (Brassicaceae), originário do Sul da Europa, é uma planta anual, herbácea, ereta, muito ramificada, dotada de pelos ásperos. Seu sistema radicular é pivotante e profundo, em alguns casos, com raiz tuberosa (DERPSCH; CALEGARI, 1992; BURLE et al., 2006). A espécie apresenta início do seu florescimento entre 70 a 80 dias após a semeadura (DERPSCH; CALEGARI, 1985), possuindo um longo período de floração, com duração de mais de 30 dias (BELIVAQUA et al., 2008). O manejo da cultura deve ser realizado entre 110 e 120 dias após a semeadura (plena floração), antes da maturação das sementes, evitando assim que está se torne planta invasora (BELIVAQUA et al., 2008). A produção de MS da parte aérea do nabo forrageiro, quando manejado no florescimento, pode atingir de 2,0 a 6,0 t/ha (BALBINOT Jr. et al., 2007). Destaca-se que não é leguminosa, portanto não é especializada em fixação biológica de N, mas é excelente recicladora de nutrientes, pelo sistema radical pivotante, penetrando em profundidade no solo.

Por último, outras espécies são cultivadas especialmente nas pequenas propriedades em regiões coloniais tradicionais em menor escala, pelo custo e menor oferta de sementes como espécies de tremoços (Lupinus spp.), ervilha-forrageira como a BRS Sulina (Vicia sativa L.), trevo-encarnado (Trifolium incarnatum L.), trevo-vesiculoso BRS Piquete (Trifolium vesiculosum Savi) que podem compor misturas com diversas finalidades, incluindo a alimentação de ruminantes. Pode-se destacar o vesiculoso pelo potencial de acúmulo de massa seca, com registros de até 10,0 t MS/ha, leguminosa anual tardia que merece ser examinada com melhor atenção nos sistemas ILP.

2.3.

Adubação verde

A adubação verde é uma prática milenar, utilizada na agricultura para aumento da massa de matéria seca na superfície do solo e também elevar a produtividade (BRITO, 2016). No Brasil essa prática é conhecida há quase cem anos, com significativos resultados, e com retornos econômicos para agricultura e sustentabilidade para o meio ambiente (WUTKE et al., 2014). Os resíduos das espécies de plantas de cobertura, protegem o solo, promovem a ciclagem e disponibilidade de nutrientes para as culturas sucessoras (MARCELO et al., 2012), principalmente de camadas mais profundas, visando a decomposição e a liberação de nutrientes (KAPPES, 2012). Na maioria dos sistemas agrícolas, a disponibilidade de nitrogênio, mais do que qualquer outro nutriente, é quase sempre fator limitante, influenciando o crescimento da planta. Esse nutriente está presente na composição das moléculas de clorofila, proteínas, enzimas (OLIVEIRA, 2016) e outros componentes das células, membranas e diversos fito hormônios (MARTINS, 2016).

As plantas de cobertura pertencente à família Fabaceae apresentam menor relação carbono/nitrogênio (C/N), devido a sua capacidade de fixação simbiótica do nitrogênio atmosférico, com aumento do teor e disponibilidade de nitrogênio nos solos (LOPES et al., 2004) e absorção pela planta (OHLAND et al., 2005). O nitrogênio residual nas plantas de cobertura permanecerá para as próximas culturas (ALBULQUERQUE et al., 2013), embora estas plantas tenham decomposição mais rápida (TEIXEIRA et al., 2009), o que não é recomendado para regiões de clima quente. As gramíneas, por permanecerem mais tempo no solo, devido a sua alta relação C/N, produzem maiores porcentagens de MO quando comparadas às leguminosas. A cultura do feijão caracteriza-se pela alta demanda de N, sendo assim, a fixação biológica usada a médio e longo prazo pode refletir na redução de aplicação de nitrogênio mineral (TEIXEIRA et al., 2010). Em sistemas estabelecidos, mesmo que haja ausência de fertilizantes nitrogenados é possível se obter níveis altos de produtividade, principalmente na cultura do feijoeiro (SORATTO et al., 2013).

O uso de espécie de plantas da família Fabaceae, como planta de cobertura, proporciona um aproveitamento de 40% do N pela próxima cultura. Mas, quando se usa espécie de planta da família Poaceae com elevada relação de C/N, pode ocorrer competição entre a cultura sucessora e os microrganismos decompositores, pelo nitrogênio (AMBROSANO et al., 2009). Assim, a escolha da espécie de planta de cobertura é muito importante de acordo com a finalidade, pois, poderá ter influência sobre os teores de N no solo, podendo promover mudanças na adubação nitrogenada, principalmente para a cultura principal (NOGUEIRA et al., 2011). Se o objetivo é a cobertura do solo, deve-se escolher plantas que possuam maior relação C/N, com decomposição mais lenta. Neste caso indica-se o uso de gramíneas. Contudo, se a finalidade é o fornecimento de nutrientes, em curto espaço de tempo para a cultura sucessora, deve-se escolher plantas com menor relação C/N, sendo indicado o uso de leguminosas (TEIXEIRA et al., 2011).

O consórcio de gramíneas e leguminosas representa uma alternativa viável para formação de palhadas com relação C/N intermediária (FARINELLI & LEMOS, 2012). Essa prática possibilita benefícios pela redução da imobilização do nitrogênio pelos micro-organismos do solo, promovendo, aumento do teor de nitrogênio do solo, acúmulo de matéria seca, maior eficiência na utilização da água e nutrientes devido as explorações de diferentes profundidades do solo (COLLIER et al., 2011). A união de gramíneas e leguminosas pode ser estabelecida com semeaduras simultâneas ou com diferença de dias entre as culturas (CECCON et al., 2013), para nivelar o desenvolvimento e atingir massa de matéria seca em elevada quantidade ao mesmo tempo.

Considerações Finais

A utilização de culturas de inverno com o intuito de cobertura vegetal e/ou adubação verde ou pastagens bem manejadas favorece a melhora das estruturas químicas, físicas e biológica do solo e, consequentemente traz benefícios a cultura sucessora, onde normalmente ocorre o plantio de milho e soja. Práticas de caráter conservacionistas são favorecidas quando aliadas ao uso do sistema de plantio direto. Destaca-se que a semeadura uniforme favorece a interceptação de luz solar aumentando o acúmulo de biomassa da parte aérea e de raízes, minimizando o problema de controle de ervas-daninhas e o armazenamento de água.