A produção em pequenas propriedades familiares: a nova fronteira da agricultura brasileira


Autores: Augusto Mussi Alvim
Publicado em: 30/06/2021

Com a quinta maior população mundial (213 milhões de habitantes) e a quinta maior área total no mundo (851,6 milhões de hectares), o Brasil possui disponibilidade de água, terra e clima favorável, o que contribuiu para o país ser um dos maiores produtores agrícolas do mundo, ofertando alimentos para o seu mercado doméstico e para o mercado mundial.

O setor agropecuário brasileiro apresenta uma característica peculiar ao conciliar a produção familiar (principalmente voltada ao consumo interno) com a produção empresarial em grandes propriedades (voltada a produção de commodities e a exportação).

A agricultura familiar reúne atividades intensivas em mão-de-obra como, por exemplo, a produção de milho, carnes (aves e suína), frutíferas e hortaliças. Já a produção empresarial está associada a atividades intensivas em capital como a produção de soja, cana-de-açúcar, café, carne bovina e laranja.

Como um todo, o setor agropecuário brasileiro é responsável pela absorção de 8,166 milhões de pessoas, com um valor de produção equivalente a cerca de 850 bilhões de reais em 2020. Já o PIB do agronegócio, que inclui todas as atividades de produção, processamento e comercialização de produtos agrícolas e derivados, equivale a 26,5% do total brasileiro, ou seja, 2 trilhões de reais em 2020 (CEPEA/CNA, 2020).

Deste total produzido, as exportações do agronegócio brasileiro são de 101 bilhões de dólares e equivalem a cerca de 45% do total exportado pelo Brasil em 2020, sendo mais de 55% destinadas a China, UE (27) e Estados Unidos (MAPA, 2021).

Nas últimas décadas, o crescimento da produção e das exportações do agronegócio brasileiro esteve fortemente associado à adoção de novas tecnologias (aumento de produtividade), expansão de áreas agrícolas, mas também a um processo de internacionalização das cadeias de globais de produção e a um crescimento nos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) na Economia Brasileira, principalmente na região sudeste brasileira.

As políticas agrícolas de apoio à produção empresarial e familiar também contribuíram para maiores investimentos na agricultura brasileira. Com o aumento na produtividade, por exemplo, do controle mais efetivo de pragas e doenças e do desenvolvimento de novas variedades adaptadas às condições tropicais criaram as condições necessárias para a expansão da produção agrícola brasileira.

Em termos mundiais, a localização estratégica do Brasil na América Latina estimulou o crescimento das exportações, a interação do agronegócio brasileiro com as cadeias globais de produção e a maior atração de investimentos estrangeiros. A combinação destes diversos fatores mencionados contribuiu para fortalecer o agronegócio, consolidou o crescimento na produção, a participação no comércio internacional e a atração de investimentos brasileiros e estrangeiros.

Apesar do agronegócio brasileiro ser um caso de sucesso, com um maior aumento na produção e na oferta de alimentos a preços mais baixos, ainda existem uma série de aspectos que podem contribuir para o maior crescimento e consolidação da produção agropecuária brasileira.

Entre eles, destacam-se políticas voltadas a segurança alimentar, a redução dos impactos ambientais, maiores investimentos em logística e infraestrutura, aumento no valor agregado das exportações e o aumento na rentabilidade econômica, principalmente em pequenas propriedades.

Esses aspectos mostram a fragilidade ou pontos fracos da agropecuária brasileira, mas também destacam um caminho importante que pode ser percorrido para o crescimento e para agregação de valor da produção.

A partir deste conjunto de aspectos é possível desenvolver e fortalecer estratégias específicas para cada região brasileira e perfil do produtor. Tanto a agricultura empresarial como a de pequenos agricultores familiares podem aumentar o valor de sua produção e ampliar mercados a partir da valorização da imagem do produto brasileiro em termos ambientais e sociais, tanto domesticamente como internacionalmente.

Por exemplo, o esforço conjunto entre o setor primário, sociedade brasileira e setor público poderia consolidar políticas e ações que reduzissem o desmatamento e que contribuíssem para estimular a produção agrícola utilizando de tecnologias e práticas conservacionistas.

Essa estratégia como resultado teria potencial não apenas para aumentar a produção, mas também diversificar a pauta e os destinos das exportações agrícolas brasileiras, reduzindo a dependência das importações chinesas.

Considerando o mercado internacional como uma das possibilidades de comercialização do produto brasileiro, os consumidores nos países desenvolvidos e em desenvolvimento cada vez mais demandam pela maior adoção por tecnologias, práticas e políticas que incentivem uma produção sustentável, com menores impactos ambientais e com maior responsabilidade social.

Esses aspectos exigem mudanças qualitativas no processo de produção, na tecnologia e inovação, em uma maior informação de mercado e em investimentos, principalmente em marketing estratégico. A principal vantagem é ampliar o potencial brasileiro para aumentar de forma consistente e sustentável o valor agregado da produção e das exportações brasileiras.

Como forma de fortalecer a produção nas propriedades familiares voltadas ao mercado brasileiro, as principais estratégias deveriam estar focadas no fortalecimento dos produtores familiares, na maior geração de renda e de agregação de valor.

Entre esses aspectos pode-se destacar a transformação do produto na propriedade, a venda direta da produção ao consumidor, o agroturismo e a proteção do meio ambiente e da paisagem. Uma das possibilidades de buscar esses resultados é através da valorização da produção regional e local que tem potencial para gerar mais empregos, aumentar o valor agregado da produção e preservar o meio ambiente.

Essa discussão é muito debatida em países como Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido, alimentos baratos (importados) ou produzidos regionalmente (localmente)?

O debate sobre “Food Miles policies” mostra a relevância socioeconômica e ambiental em produzir alimentos regionalmente ou localmente, reduzindo as emissões de gases e danos ambientais gerados pelo comércio internacional em longas distâncias. Além disso, essas iniciativas valorizam a produção local, gerando empregos, preservando o meio ambiente e a cultura regional.

Um dos pontos que considero estratégico para ampliação e valorização desta produção local e regional por parte dos agricultores familiares brasileiros é o fortalecimento de novas formas de produção e de comercialização por parte dos pequenos agricultores.

Um dos aspectos chave para essa mudança está na formação ou fortalecimento de redes entre os produtores e consumidores urbanos, o que atualmente pode ser viabilizado com maior facilidade em função do crescimento da venda direta e virtual e pela maior familiaridade da população com novas tecnologias de informação no atual cenário de pandemia. Essa formação de redes de cooperação e de uma maior aproximação entre os produtores e consumidores tem potencial para trazer benefícios mútuos e mais amplos do que apenas o maior valor agregado da produção.

Para o pequeno produtor além do aumento na renda, existe uma redução sistêmica no risco de produção por participação de redes. Essa redução de risco funciona de forma semelhante a um hedge propiciado ao produtor e garantido pelo consumidor. Por outro lado, os consumidores se beneficiam pela maior confiança na origem e na qualidade do produto, além da comodidade de receber o produto em casa com a qualidade e origem conhecidas.

Essa maior interação entre os produtores e consumidores também favorece a ampliação da produção de produtos orgânicos, a maior valorização do meio ambiente e da paisagem pelo consumidor urbano e uma mudança de cultura aproximando e valorizando uma das principais atividades econômicas do Brasil, a produção agropecuária em propriedades familiares.

A maior aproximação entre os pequenos produtores e consumidores urbanos também amplia as possibilidades de geração de renda na propriedade, contribuindo para o produtor desenvolver a chamada agricultura multifuncional. A agricultura multifuncional não permite apenas melhorar a rentabilidade econômica no meio rural, mas também fortalecer aspectos sociais, culturais e regionais, muitas vezes pouco conhecidos pela população.

Neste modelo multifuncional, torna-se também necessário que a produção agropecuária seja desenvolvida de forma mais equilibrada, utilizando tecnologias apropriadas para a preservação do meio ambiente e da paisagem. Neste cenário, o meio ambiente e a preservação da paisagem passa a ser visto como um recurso que possui “valor” ao ser conservado e que potencializa o aumento da renda do pequeno produtor.