Nitrogênio: dinâmica e uso em plantas de lavoura (parte 1)


Autores: Equipe Editorial Revista Plantio Direto
Publicado em: 28/02/2020

Nessa edição é apresentada uma breve revisão de conceitos e processos sobre o nitrogênio, tratando da forma como ele funciona na Terra e seu uso em algumas culturas, incluindo informações sobre as principais fontes desse nutriente.

Introdução

O nitrogênio (N) é um elemento químico que está presente no solo, na atmosfera e nos seres vivos em grandes quantidades, e tem um papel essencial no funcionamento da biologia dos animais, plantas, bem como de fungos e bactérias. O N compõe 78% do volume da atmosfera, na forma de um gás inerte (N2). No solo, pode estar dissociado na forma de íons nitrato (NO3-) e amônio (NH4+) e outros, ou dentro de moléculas da matéria orgânica e sais. Também está presente em diversas moléculas orgânicas nos seres vivos como proteínas, nucleotídeos e produtos do metabolismo secundário das plantas.

Por não ser componente rochas facilmente encontradas, o N para ser usado como fertilizante precisa passar por uma série de processos industriais que utilizam muita energia, e por esse motivo costuma ser o nutriente mais caro dos adubos. O N é um elemento que está em um constante estado de dinamismo no planeta, passando por diversos processos físicoquímicos na atmosfera, no solo e nos organismos.

A esse conjunto de processos se dá o nome de ciclo do nitrogênio (Figura 1). A transferência de N da atmosfera (maior fonte) para o solo acontece basicamente por descargas elétricas (raios) e por fixação biológica, realizada por bactérias específicas que vivem no solo, podendo ser de vida livre ou precisar de plantas para sobreviver. Uma vez incorporado nas plantas e bactérias, o N pode ser transferido para o solo na forma de nitrato e amônio a partir do processo de decomposição/mineralização da matéria orgânica formada pelos organismos mortos no solo.

No solo, o nitrato e o amônio podem ser absorvidos por outras plantas. Mas também podem se transformar em outras formas de N, com por exemplo, gás amônia (NH3), que é volátil e se perde na atmosfera, e o nitrito, que é um íon intermediário. As perdas do N podem ocorrer principalmente por lixiviação, volatilização e desnitrificação. Em geral, em solos com pouco oxigênio, a forma de N como amônio é mais comum, e a desnitrificação ocorre com maior frequência. Outra forma de adição de nitrogênio ao solo é por meio de resíduos orgânicos de animais (esterco, urina, compostagem, e até lodo de esgoto), que na realidade, são materiais cujo N originalmente veio da atmosfera para o solo, absorvido pelas plantas, que foram utilizadas para alimentação de animais ou humanos.

Função nas plantas

Nas plantas, o N está presente nas proteínas, nos nucleotídeos e também na clorofila. Quando a planta não tem nitrogênio suficiente, o desenvolvimento dos tecidos e órgãos é reduzido, e falta clorofila, deixando a planta amarelada e com capacidade reduzida de fazer fotossíntese. A planta absorve o N do solo através das raízes, sendo a forma preferencial de absorção o nitrato e o amônio, que são íons que podem estar presentes na água do solo, ou por vezes aderidas nas partículas do solo (“adsorvidas”).

As plantas da família das leguminosas (Fabaceae) são as únicas que conseguem, por meio de simbiose com bactérias do solo, utilizar o N da atmosfera para sua própria nutrição. Esse processo em que as bactérias “quebram” o N do ar e transferem para as plantas através das raízes se chama de Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN). Após a planta ter absorvido o N, o nutriente pode participar de vários processos metabólicos.

Assimilação é o nome do processo em que o N que foi absorvido na forma de nitrato ou amônio é “inserido” em uma molécula com determinado número de átomos de carbono, pois o N na forma de NO3- e NH4+ não é facilmente utilizado pela planta para compor as substâncias que precisa. Após essa inserção do N em esqueletos de carbono, a planta pode compor proteínas, nucleotídeos, clorofila, entre outras substâncias.

Em geral, para garantir a alta produtividade das culturas, a aplicação de N deve coincidir com os períodos em que são definidos os componentes do rendimento. Ou seja, a recomendação técnica da adubação com N normalmente leva em consideração a fisiologia da planta, e os momentos mais importantes em que ela deve receber o nutriente. Geralmente se realiza uma parte da adubação no momento de implantação da cultura, para garantir a melhor emergência e desenvolvimento inicial do estande de plantas, que é um componente do rendimento comum a todas as culturas.

Por vezes também se aplica N em cobertura (quando a cultura já emergiu), normalmente no período em que as estruturas reprodutivas estão se desenvolvendo internamente na planta, ou então nos momentos da fase reprodutiva em que a planta mais necessita do nutriente.

Nitrogênio na soja e feijão

A soja e o feijão são espécies leguminosas, que tem maior exigência em N do que outras plantas, pois seus tecidos contêm naturalmente mais desse elemento, e os grãos de soja e de feijão são ricos em proteína bruta (cerca de 38% e 20%, respectivamente). Para formar toda essa quantidade de proteína, essas plantas precisam extrair do solo cerca de 80 (soja) e 50 (feijão) kg de N para cada tonelada de grão.

Se, por exemplo, fosse necessário adubar a soja com toda essa quantidade de N, a cultura seria inviável economicamente. Felizmente, a soja é capaz de realizar a FBN, e atualmente a tecnologia de melhoramento e seleção, tanto da soja quanto das bactérias fixadoras, permite alta eficiência do processo, sendo que na maior parte das vezes, o cultivo consegue todo o N necessário da FBN e do solo, não sendo necessário aplicação de outras fontes de N ao longo do ciclo.

O feijão, por outro lado, pelo comprimento do seu ciclo e por não possuir atualmente um processo de FBN tão eficiente, muitas vezes necessita uma complementação de N ao longo do cultivo, sendo aplicados em alguns casos até mais de 100 kg de N, normalmente no estádio V4 (quatro folhas abertas). Há atualmente uma linha de pensamento que sugere que a aplicação de N de forma complementar em soja, principalmente no estádio R5 (enchimento de grãos), é necessária em cultivares de altíssimo teto produtivo e em ambientes de alta fertilidade e tecnologia. No entanto, a pesquisa no Brasil até o momento não tem resultados que demonstrem evidência da vantagem econômica dessa prática, considerando os custos do fertilizante.

Nitrogênio no milho, sorgo e na cana-de-açúcar

O milho, o sorgo e a cana são gramíneas, e, portanto, não conseguem realizar simbiose com bactérias fixadoras de N de forma natural (ao menos até o momento). Por isso, como todas as demais culturas, necessitam absorver N de alguma fonte. Essas três espécies, no entanto, são classificadas como de metabolismo C4, ao contrário de espécies como soja e trigo. Ser uma planta C4 permite que a planta seja muito eficiente em “colher” energia do sol e transformar em matéria verde (folhas, colmos, grãos...). Esse é um dos motivos pelos quais o milho hoje atinge rendimentos médios de grãos de mais de 9.000 kg/ha, em alguns casos chegando a produtividades de 15 t/ha, e a cana-de-açúcar pode facilmente produzir 50 t/ha de massa verde. Porém, essa eficiência e alta produtividade das plantas C4 exige altas quantidades de N para que a planta fabrique proteínas, nucleotídeos, clorofila, e se desenvolva.

A parte aérea e os grãos do milho, sorgo e cana não têm uma concentração tão grande de N quanto leguminosas (soja, feijão...), mas as altas produtividades exigem muita adubação. De forma geral, o fornecimento de N ao milho é feito em mais de um momento, pois aplicar tamanha quantidade de N de uma só vez não é uma maneira eficiente de adubar, pois pode ocasionar muitas perdas de insumo, fitotoxicidade nas plantas e contaminação do solo e água. Por isso, com frequência a adubação com N é feita no momento da semeadura com uma quantidade não tão elevada, e há uma complementação dessa adubação após o milho emergir, quando já está com algumas folhas, podendo inclusive ser feita em dois momentos.

No caso da cana-planta, a cultura não responde muito à adubação nitrogenada, sendo recomendada normalmente baixas quantidades de N. No entanto, a aplicação de N na soqueira da cana tem resposta elevada em produtividade com a aplicação de N. Já o sorgo granífero tem comportamento similar ao milho quanto à adubação nitrogenada, sendo recomendada adubação parcelada na semeadura e em cobertura, normalmente de 30 a 50 dias após a emergência, dependendo da cultivar.

Nitrogênio em cereais de inverno

Os cereais de inverno (trigo, cevada, centeio, aveia, triticale, entre outros), por serem gramíneas e não realizarem FBN, necessitam com frequência de altas doses de N, em especial quando são buscadas altas produtividades e teores diferenciados de proteína nos grãos.

Nessas plantas, o N funciona como na maior parte dos vegetais, sendo absorvido pelas raízes, assimilado e transformado em compostos necessários para o desenvolvimento da planta. Em geral o nitrogênio é aplicado na semeadura e durante o ciclo por cobertura, em função de grandes quantidades necessárias e/ou para que o nutriente esteja disponível no local correto no momento mais oportuno para a planta. No caso das gramíneas de inverno, o estádio de perfilhamento até o início do alongamento, ou mais especificamente em algumas espécies, o período entre duplo anel-espigueta terminal, é o momento adequado para aplicação de N em cobertura, em função de ser o momento com maior impacto na definição dos componentes de rendimento.

Variações no teor de proteína dos grãos e outros efeitos relacionados podem ser obtidos com a variação da adubação em cobertura no momento do emborrachamento e até do florescimento, dependendo do caso.

Nitrogênio no arroz

No caso do arroz, o funcionamento do N na fisiologia da planta é similar as demais gramíneas, e em geral as maiores produtividades ocorrem quando a aplicação de N é parcelada na semeadura, e em duas vezes durante o ciclo, primeiro no perfilhamento efetivo (cerca de 45 dias após emergência) e depois, na diferenciação do primórdio floral, aproximadamente aos 65 dias após emergência, variando conforme a cultivar.

Também é possível realizar a adubação nitrogenada do arroz em duas vezes: metade na semeadura e metade no perfilhamento. Porém, a adubação tardia no período da diferenciação do primórdio floral e a adubação exagerada na semeadura podem favorecer a ocorrência de brusone.

Nitrogênio no algodão

No algodão, o N promove o desenvolvimento das estruturas reprodutivas, e por consequência, das fibras que são colhidas ao final do ciclo. Considerando a fisiologia e períodos de desenvolvimento da cultura, a recomendação da aplicação do N para algodão é de parte na semeadura, e outra parte em cobertura, podendo ser dividida em dois momentos: aproximadamente metade no aparecimento do primeiro botão floral, e o restante no aparecimento da primeira flor. As aplicações tardias de nitrogênio (após 80 dias de emergência) promovem o crescimento vegetativo excessivo, prolongamento do ciclo da cultura, aumento da queda de botões florais e da intensidade de ataques de pragas e doenças, sem que ocorra aumento da produtividade.

Nitrogênio em pastagens e plantas forrageiras

Plantas utilizadas para alimentação animal, seja na forma de pastagem ou de forragens conservadas (silagem, feno e pré-secado) normalmente são de duas famílias: leguminosas ou gramíneas. No caso das leguminosas, como já citado, não há uma necessidade de adubação com N, normalmente, embora possa haver necessidade de inoculação, como é o caso da alfafa, por exemplo. No caso das forrageiras gramíneas, é interessante considerar a adubação com N, pois essas espécies tendem a responder com alta produção de massa Quadro 1. Principais fontes minerais de nitrogênio utilizadas na agricultura verde, permitindo um retorno econômico sobre o investimento em fertilizante.

Problemas ambientais causados pelo N

O N é um elemento que comumente está presente na água em função dos organismos e microorganismos que circulam nela. No entanto, o excesso de N em corpos d’água superficiais como lagos pode ocasionar o fenômeno de eutrofização, que é um crescimento exagerado de algas que acabam por eliminar o oxigênio dissolvido da água, impedindo outras formas de vida de se desenvolverem.

Também é importante a questão da lixiviação de nitratos no solo, que podem ocasionar a contaminação da água subterrânea e torna-la imprópria para consumo de humanos e animais.

Fontes de N

Existem várias substâncias que podem ser usadas como fonte de N para a agricultura. O Quadro 1 apresenta algumas das principais fontes de N utilizadas atualmente.