Como evoluíram as semeadoras adubadoras para o Sistema Plantio Direto no Brasil (parte 1)


Autores: Ruy Casão Jr.
Publicado em: 28/02/2020

As máquinas semeadoras que fazem parte do complexo de equipamentos utilizados no sistema plantio direto, são consideradas de vital importância, devido serem responsáveis pela implantação da cultura no solo. Este artigo procura relembrar alguns acontecimentos que determinaram sua evolução, mostrando o esforço para obter seu aperfeiçoamento, as dificuldades encontradas, com depoimentos de alguns dos importantes protagonistas desta aventura que foi viabilizar a mecanização da implantação das culturas no sistema plantio direto no Brasil (CASÃO JUNIOR, 2016).

Os pioneiros

O sistema plantio direto (SPD) teve início comercialmente no Brasil no município de Rolândia – PR, pelo pioneirismo do produtor Herbert Bartz com a semeadora importada americana Allis Chalmers em 1972. Contudo a adoção do sistema não superou 1 milhão de hectares no país até 1992 (FEBRAPDP, 2007). Poucos foram os pioneiros dessa época. Destaca-se o esforço da ICI em conjunto com as Instituições e produtores na década de 70.

Um momento de forte adoção do SPD deu-se nos Campos Gerais no PR a partir de 1976 com a liderança dos produtores Franke Dijkstra e Manoel Henrique Pereira. Essa iniciativa resultou na criação do Clube da Minhoca, Fundação ABC, FEBRAPDP e CAAPAS, servindo de inspiração para criação de diversos Clubes de Amigos da Terra e outras instituições disseminadas pelo Brasil (CASÃO JUNIOR et al, 2008).

A figura 1 mostra pioneiros do SPD no IV Encontro Latino Americano de Plantio Direto na Palha. MIALHE (2012) cita que foi publicado somente no período de 1976 a 1979 pela ABIMAQ/SINDIMAQ dados sobre a produção de semeadoras no país, onde pode-se visualizar que as semeadoras de plantio direto passaram a surgir nas estatísticas somente em 1978. Lamenta o autor sobre o segredo que é feito desses dados pelas empresas fabricantes, assim como o alheamento do Ministério da Agricultura de desenvolver políticas de base tecnológica na área de mecanização agrícola.

Nesta ocasião o IAPAR e o CNPT/ Embrapa passaram a realizar pesquisas sistemáticas no SPD, surgindo em 1981 o primeiro livro do assunto (Plantio Direto no Estado do Paraná (figura 2) publicado pelo IAPAR com apoio da ICI. O IAPAR concentrou grande esforço na pesquisa e difusão de práticas conservacionistas a partir de sua criação em 1972 e iniciou pesquisas com SPD em 1976 envolvendo uma grande equipe multidisciplinar. No RS foram grandes os esforços no desenvolvimento de componentes rompedores de solo pelo CNPT/ Embrapa, servindo de modelo para as indústrias iniciarem a fabricação das primeiras máquinas.

Aproveitaram-se as características construtivas da semeadora inglesa de fluxo contínuo Bettinson-3D e os discos duplos desencontrados de origem canadense para construir as primeiras semeadoras, que na época eram especializadas em culturas de inverno e grãos finos. José Antônio Portella pesquisador da Embrapa cita que “a ICI fez uma parceria com a Embrapa e Semeato trazendo o Laurie Richardson da Inglaterra em 1979 para ajudar a trabalhar com a Bettinson, adequando-a para plantio direto. Assim, a Semeato e a Embrapa em 1979/80 criaram o primeiro protótipo da TD que vinha de triplo disco e a Semeato lançou a TD 220 (Figura 2) e posteriormente popularizou-se a geração seguinte TD 300”. (CASÃO JUNIOR et al, 2008).

A Semeato foi à indústria líder neste processo com a TD, de senvolvida em 1980, sendo acompanhada pela Imasa, Fankhauser e Lavrale. Produtores pioneiros e oficinas locais do PR e RS destacavam-se por realizar adaptações, principalmente na tentativa de semear culturas de verão, predominantemente a soja. Isso em função de que a máquina disponível nos anos 70 era a Rotacaster que além de mobilizar exageradamente o solo, tinha baixo rendimento.

O mercado no início dos anos 80 já dispunha de semeadoras de fluxo contínuo para o SPD principalmente da Semeato, Imasa, Fankhauser, Marchesan e Baldan (CASÃO JUNIOR et al, 2008). Cita-se que a década de 80 foi um período de estudos e laboratório, onde não havia uma definição clara de como uma semeadora de SPD deveria trabalhar. Os produtores e oficinas locais adaptavam semeadoras de precisão convencionais e de fluxo contínuo, transformando-as para o SPD, introduzindo disco de corte e componentes para abertura de sulco e deposição de fertilizante e sementes.

Nesse processo as indústrias foram aperfeiçoando seus produtos e criando também semeadoras de precisão para o SPD (CASÃO JUNIOR et al, 2008). Paulo Montagner ex-diretor de engenharia da Semeato conta que “na década de 80 a fábrica fornecia muitos componentes para adaptações lideradas por Franke e Nonô Pereira (Figura 3a). Mas saindo de Ponta Grossa com outras condições de solo e cobertura, a máquina não tinha o mesmo desempenho. Tanto que o maior sofrimento foi encarar o SPD em Pato Branco no sudoeste do PR. Com os discos duplos desencontrados não era possível penetrar naquele solo argiloso, assim como, na região central do PR, no vale do rio Ivaí. Isto ocorreu de 1990 a 1993” (CASÃO JUNIOR et al, 2008).

“Os principais entraves para a expansão do SPD na década de 80 foram a falta de herbicidas eficientes ou o desconhecimento dos mesmos e as máquinas que ainda não estavam apropriadas, principalmente para trabalhar nas regiões de solos argilosos, os quais nos primeiros anos de adoção apresentavam adensamento superficial. O desenvolvimento da semeadora de precisão PAR da Semeato (Figura 3b) no início dos anos 90 foi um marco importante, pois a TD e outras semeadoras de fluxo contínuo, não apresentavam o desempenho esperado na semeadura de soja”.

Período de evolução e expansão no Sul do Brasil do Sistema Plantio Direto

Havia o mito de que a semeadora para o SPD deveria ser pesada, com mais do que 350 kg por unidade de semeadura, principalmente pelo fato de usarem discos duplos desencontrados como rompedores de solo, e que nos solos argilosos com adensamento superficial era praticamente impossível realizar a semeadura. Assim a adoção do SPD mecanizado foi fortalecida a partir de 1992 onde muitas indústrias apresentaram novas máquinas, especialmente as semeadoras de precisão, sempre perseguindo a expansão da cultura de soja, mas sendo usadas também nas demais culturas.

Pedro Fankhauser (presidente da Fankhauser) cita que “A semeadora de plantio direto tem que ter um peso mínimo, mas que não seja uma coisa absurda. Na época havia a ideia de semear sobre terras degradadas. O produtor hoje afofa a terra para iniciar o SPD. Existiam duas correntes de agricultores: os que adequavam o terreno para iniciar o SPD e outra que queria plantar da forma mais barata possível” (CASÃO JUNIOR et al, 2008).

A figura 4 mostra semeadoras da Fankhauser em operação. João de Freitas da Marchesan cita que a partir de 1992 a fábrica alinhou todos os rompedores de solo, posicionando o disco de corte na mesma linha dos discos duplos desencontrados para abertura de sulco do adubo e sementes. “Nesta época havia muitas oficinas realizando adaptações nas máquinas a pedido dos produtores. O problema identificado era a falta de peso na linha. A máquina, com o depósito cheio de fertilizante semeava adequadamente, mas quando este esvaziava as sementes ficavam expostas.

O chassi, por sua vez, passou a não suportar os esforços solicitantes, pois possuía uma seção transversal de 70 x 70 mm. Em 1994 surgiu outra novidade, as linhas foram posicionadas em zigue zague, pois com o aumento da palhada os problemas de embuchamento estavam se tornando muito freqüentes. Nesta ocasião se a fábrica possuía 6 versões para o SPD, passou para 12 versões, ou seja, somente com discos duplos desencontrados; com disco de corte e discos duplos; disco de corte e haste sulcadora; com todos esses componentes opcionais e ainda com a possibilidade de vir com duas barras e posicionar as linhas em zigue zague. O modelo PST2 D44 era a mais completa e a mais famosa.

Existia também o modelo Itapeva a D56, mais reforçada segundo as sugestões do produtor Maurício Sakai. Assim, em 1998 tomou-se a decisão de reforçar o chassi com barras porta ferramenta de 100 x 100 mm, surgiu aí a PST3. Isto exigiu trocar todas as peças fundidas de engate na máquina. Ao mesmo tempo, houve evolução no sistema de controle de profundidade, regulagens versáteis, caixa de câmbio, caixas de plástico e máquinas maiores. O mercado absorveu este custo, pois estava pedindo essas mudanças. As máquinas eram fabricadas com número par de linhas e isto dificultava para o produtor transforma-las de soja a 45 cm de espaçamento para milho a 90 cm.

Assim, passou-se a fabricar semeadoras com número ímpar de linhas. A PST4 já nasceu com número ímpar de linhas”. (CASÃO JUNIOR et al, 2008). Detalhamos esse depoimento de João de Freitas, pois mostra o que ocorreu na maioria dos fabricantes na década de 90. As figuras 5a e 5b mostram a estrutura de uma semeadora em montagem e a semeadora de precisão COP de propriedade de Herbert Bartz em Rolândia PR. José Eloir Denardin do CNPT/ Embrapa conta que em 1993 havia 300 mil hectares do SPD no planalto do RS e a Monsanto queria incentivar a expansão. Concluíram que faltava capacitação técnica, assim, elaborou-se um projeto com a Monsanto financiando as atividades.

Trouxeram para treinamento a cada seis meses um grupo de 250 extensionistas, onde eram ministrados cursos por três dias. “Nossa diretoria não aceitou o financiamento de somente uma empresa, aí criamos o projeto METAS de Monsanto, Embrapa e Emater, Adubos Trevo, Agroceres e Semeato. Coordenávamos tecnicamente o projeto e as empresas pagavam tudo e organizavam toda a logística. As empresas não podiam falar em marca e a logística foi perfeita”.

A meta era passar de 50 a 150 mil hectares, o que deu grande discussão na Embrapa. No quarto ano chegou-se a 850 mil. Os pesquisadores de solos traziam novidades que eram incorporadas nos treinamentos. No primeiro treinamento somente os instrutores falavam, mas a partir do segundo começou a interação com os técnicos e o crescimento foi fantástico. No final da década de 80 a equipe do Evandro Chartuni Mantovani da CNPMS/ Embrapa em Sete Lagoas-MG, iniciou testes de semeadoras convencionais, realizando pontuações comparativamente entre as mesmas.

Portella, Faganello e Arsênio do CNPT/ Embrapa estiveram lá para aprender a metodologia e implantar em Passo Fundo os testes das semeadoras de plantio direto. “Nós conhecíamos os problemas das máquinas, cita Portella, como as limitações dos discos de corte, facão, estrutura, entre outros, mas desejávamos que os fabricantes vissem o desempenho de sua máquina ao lado do concorrente, sob uma metodologia científica.

Foi um grande intercâmbio de ideias.

Esses resultados não foram publicados, pois tivemos o pecado de fazer um contrato com as empresas de não publica-los”. Considera Portella, que a qualidade de nossas máquinas hoje (2007) é boa, tanto é que o Brasil está exportando.

Diferem mais na assistência técnica e preço, que considera muito importante. Foram 10 anos de contribuições que a Embrapa e IAPAR ofereceram nas avaliações e trocas de experiências entre as indústrias, pesquisa, assistência técnica e produtores. Ocorrendo exatamente no período onde a adoção do SPD cresceu de 1milhão de hectares para 25 milhões no Brasil. O IAPAR realizou várias avaliações desde 1996 até 2003, testando em torno de 100 modelos de semeadoras de precisão, fluxo contínuo e multissemeadora (Figura 6a).

Nesses trabalhos foram identificadas as características positivas e negativas das máquinas. A partir disto, vários estudos foram feitos no sentido de otimizar os componentes, como foi o das hastes sulcadoras, visando a redução da exigência de potência e menor mobilização de solo no sulco, o que foi adotado por vários fabricantes. Vários fabricantes participaram desses estudos interagindo com os pesquisadores e técnicos da equipe.

No final dos anos 90 e início do II milênio o IAPAR passou a organizar eventos de avaliação de máquinas e demonstração dinâmica (Figura 6b) para os produtores com apoio da Itaipu Binacional. Participaram desses trabalhos a Baldan, Fankhauser, Gihal, Imasa, John Deere, Jumil, Külzer & Klieman, Marchesan, Max, Metasa, Morgenstern, Planticenter, Sfil e Vence Tudo. A Case só não participou em Guairá, pois, sua máquina não era adequada para trabalhar cruzando terraços. As máquinas eram avaliadas com 30 dias de antecedência e no dia da exposição dinâmica os resultados eram apresentados em tabelas expostas no campo, publicados e distribuídos aos participantes.

O projeto com a Itaipu Binacional teve seu início em 1996. Levantamentos da Emater (1996) mostravam que somente 13,4% dos produtores adotavam o SPD na época e era prioridade da Usina minimizar o escorrimento de sedimentos para o lago da represa. Elaborou-se um diagnóstico que foi realizado em 1997 nos municípios lindeiros a represa para conhecer todos os problemas associados ao SPD. O projeto foi implantado em 1999, onde a região já havia adotado 90% do SPD e a estratégia foi de melhorar a qualidade do SPD.

Foi conduzido nesta estratégia por cinco anos por equipe multidisciplinar do IAPAR, interagindo diretamente com os produtores de referência, técnicos da Itaipu, cooperativas, prefeituras, Emater entre outros. Foram realizados muitos cursos, Dias de Campo, reuniões, quatro Dinâmica de Máquinas, produção e distribuição de sementes de plantas de cobertura.