Uma jornada de aprendizado sobre o Sistema Plantio Direto


Autores: Equipe Editorial Revista Plantio Direto
Publicado em: 31/12/2019

Muitas lavouras sob Plantio Direto no país têm sofrido nos últimos anos com problemas de erosão, compactação do solo (além de baixa infiltração e retenção de água), e relacionado a isso, a estagnação da produtividade. Isso na maior parte das vezes se deve à falta de aplicação dos princípios básicos do funcionamento do Sistema, como preconizado desde a década de 70.

Em razão disso, no dia 17 de setembro de 2019, a Revista Plantio Direto promoveu a primeira edição da Caravana Plantio Direto, projeto desenvolvido com o propósito de mostrar a campo alguns exemplos de manejos de qualidade em Plantio Direto, e que conseguem atingir altas rentabilidades e conservar o solo simultaneamente.

O primeiro ponto de encontro da Caravana Plantio Direto foi na Fazenda Faxinal Sul, propriedade da Família Fridrich, em Ajuricaba/ RS. As atividades foram realizadas no formato tarde de campo, com discussões sobre diferentes temas, incluindo infiltração de água no solo, aumento estável da produtividade, utilização de rotação de culturas e plantas de cobertura.

O projeto contou com o apoio da CCGL Tec e patrocínio da FMC Agrícola. Conduziram as discussões o pesquisador Dr. Jackson Fiorin, da CCGL Tec, juntamente com Edelmar e Marcos Fridrich, os agricultores anfitriões, e o Engenheiro Agrônomo Carlos Schefel, que presta assistência e consultoria à Faxinal Sul. Abrindo as atividades, o produtor Edelmar Fridrich apresentou uma retrospectiva do Plantio Direto na propriedade, trazendo histórias relacionadas às dificuldades encontradas nos primeiros anos, as tecnologias adotadas e a superação dos desafios sem o abandono dos princípios básicos. Na sequência, o filho de Edelmar, Marcos Fridrich, falou sobre a fauna presente nas áreas de lavoura.

Em sua apresentação, mostrou imagens capturadas na propriedade de animais e insetos que realizam controle biológico, além de minhocas presentes no solo, destacando que a presença desses organismos é um indicador da qualidade e equilíbrio do sistema. Marcos também trouxe dados relativos a precipitação registrada na propriedade, mostrando que ao longo dos 30 anos de Plantio Direto, hoje se obtém produtividades maiores com menor quantidade de chuva que a média histórica dos meses de janeiro, fevereiro e março.

A campo, foram exibidos banners com dados sobre o manejo da propriedade, além de demonstração da taxa de infiltração de água no solo utilizando simulador de chuva, além da abertura de uma trincheira para exibir o perfil do solo e sua relação com a palhada e as raízes.

O debate entre os participantes foi conduzido por Fiorin, Schefel e Fridrich, e teve como temas a rotação de culturas, a correção do solo por meio de calcário e gesso, utilização de diferentes combinações de espécies de cobertura, entre outros detalhes da gestão do sistema de produção. Apresentamos na sequência os principais pontos que foram discutido da primeira edição da Caravana Plantio Direto.

Desempenho produtivo da soja

O desempenho produtivo da soja na propriedade foi um dos principais pontos trazidos na discussão. A soja é a cultura que os produtores de grãos têm o maior interesse nas últimas décadas, e em geral é a cultura que traz a maior rentabilidade ao produtor. Em função disso, os sistemas de produção de lavouras na região norte do RS têm se organizado com foco nessa espécie. Na Fazenda Faxinal Sul não é diferente: a maior parte da área no verão ainda é cultivada com soja.

Foram apresentados alguns dados de produtividade média na propriedade nos últimos 7 anos de cultivo, na figura 1. Nesse gráfico, cada barra representa um ano/ safra. Temos exibidas as safras de 2012/2013, 2013/2014, e assim por diante, até a última safra, colhida em março/abril de 2019. Percebe-se na Figura 1, que em 2012/2013, a propriedade obteve média geral similar a média do estado, em torno de 55 sacos de soja por hectare.

No ano seguinte, 2013/2014, houve uma redução da média geral de 55 para 47/48 sacos por hectare, isso provavelmente em função das condições climáticas do ano. No entanto, após essa redução de produtividade de 2013 para 2014, a produtividade geral da Fazenda subiu ano a ano. No ano seguinte (2014/2015) a produtividade subiu para 62 sc/ ha, em seguida para 68 sc/ha. Em 2016/2017, a Fazenda Faxinal Sul ultrapassou os 70 sacos/ha de média geral, ficando em torno de 74/75 sc/ha. No ano seguinte manteve-se estável, aumentando para 76 sc/ha, e nessa última safra (2018/2019), chegou aos 78 sc/ ha de média geral. O que podemos perceber com isso é principalmente o aumento “estável” que se obteve em termos de produtividade, aumentando gradativamente, ano a ano, seguindo uma tendência.

Para complementar essas informações, foi discutido a produtividade da propriedade (Figura 2), no qual é apresentado a porcentagem de talhões que atingiu média de produtividade igual ou maior do que 70 sacos/ha (em azul) e a porcentagem de talhões que atingiu média igual ou maior do que 80 sacos/ha, desde 2015. O gráfico apresenta que, em 2015, pouco mais de 20% das áreas na propriedade tiveram produtividade maior do que 70 sacos/ ha.

Já em 2016, houve um grande acréscimo: cerca de 55% das áreas, ou seja, mais da metade, havia atingido mais de 70 sacos/ha de média. Contudo, além do aumento de áreas colhendo mais do que 70 sc/ha, cerca de 10% das áreas naquele ano tiveram média maior do que 80 sacos/ha, sendo que no ano anterior esse número era zero.

Em 2017, houve mais um expressivo aumento: de 55% das áreas colhendo mais de 70 sc/ha, eles passaram para cerca de 85% das áreas colhendo mais de 70 sacos/ha, e além disso, foi mantido a quantidade de 10% das áreas com produtividade maior do que 80 sc/ ha.

Em 2018, houve uma redução para 80% dos talhões com produtividade maior que 70 sacos/ha, mas em compensação, houve um aumento de 10% para mais de 35% das áreas colhendo mais de 80 sacos/ha.

E finalmente, nessa última safra (2018/2019), essa evolução continuou: em 85% de áreas se colheu mais de 70 sc/ha, em 65% das áreas, ou seja, praticamente dois terços, se colheu mais de 80 sacos por hectare. O que esses números demonstram é o aumento ano a ano, de forma estável da produção, cujo manejo busca trazer talhões de baixa produtividade para média produtividade e média para alta.

As razões para esses resultados O que se discutiu na tarde de campo da Caravana foi o fato de que existem razões para o cultivo da soja estar conseguindo um melhor desempenho em termos de produtividade e sustentabilidade econômica, ano após ano na Fazenda Faxinal Sul. Um dos principais motivos é o enraizamento da cultura, ou seja, pela capacidade das raízes de soja explorarem o espaço do solo.

Na Figura 3 mostra as raízes das plantas de soja explorando o solo de forma horizontal e vertical, nesse caso, com raízes atingindo 30 cm de profundidade, o que em solos adensados (compactados) que comumente têm sido encontrados na região, não é possível.

Além dessa exploração do solo pelas raízes, os nódulos formados pelas bactérias fixadoras (Bradyrhizobium) nas raízes das plantas também estão conseguindo se desenvolver de melhor forma, em função do ambiente, possibilitando o fornecimento do nitrogênio que a soja necessita para atingir altas produções.

Considera-se, portanto, que nessa situação o desempenho produtivo da soja é condicionado, principalmente, pelo volume de solo que a cultura consegue explorar, além de outros fatores. Isso ocorre porque é no solo que a raiz encontra tudo o que é essencial para se desenvolver e exercer sua função: água, ar e nutrientes.

Caso o solo não estiver em condições adequadas, a planta terá dificuldade de desenvolvimento com qualquer estiagem (déficit hídrico) que ocorrer. Da mesma forma, as bactérias fixadoras e a própria planta não terão oxigênio do ar suficiente para realizar sua função e expressar seu potencial, manifestando dificuldade, inclusive, na absorção de nutrientes pouco móveis no solo, como fósforo por exemplo.

Em função disso, quanto maior alcance de raízes conseguindo explorar o solo em termos de volume, mais facilmente serão acessados a água, os nutrientes e o ar, o que permitirá um adequado desenvolvimento. Entendendo a relação entre exploração do solo pelas raízes e a produtividade, deve-se definir quais os motivos que impedem que as raízes explorem o solo.

Em geral, no sistema de produção comfoco em soja na região norte do Rio Grande do Sul (e em diversas regiões do país em que o Plantio Direto é adotado), há dois tipos de impedimentos comuns e que causam redução de produtividade: a) Impedimentos físicos e b) Impedimentos químicos.

O impedimento físico é, em geral, a presença de camadas compactadas/adensadas no perfil do solo, as quais as raízes das plantas têm dificuldade de ultrapassar, restringindo verticalmente a quantidade de solo que pode ser aproveitado pelas raízes.

Além disso, essa compactação leva frequentemente a encharcamentos superficiais do solo, pois a infiltração da água é severamente reduzida o que, por consequência, em períodos de muita chuva, leva a estresses na planta pelo excesso de água. Relacionado com a compactação, a própria desestruturação do solo (ausência de agregados e desproporção entre os tamanhos de poros) leva a uma redução da infiltração e também da retenção de água no solo, que pode levar a estresses hídricos com apenas poucos dias sem chuva.

Já o impedimento químico pode ser considerado como um solo com baixa fertilidade química, possuindo normalmente características como: excesso de acidez (pH muito baixo), altos teores/saturação de alumínio tóxico, baixo teor de cálcio e fósforo, além de teores reduzidos dos demais nutrientes principais.

Ambos os problemas, tanto físico quanto químico, também têm muita relação com a biologia do solo, e principalmente com a dinâmica da matéria orgânica do solo (MOS). Solos com baixo teor de MOS em geral possuem baixa fertilidade química e solo em vias de degradação (lembrando que o teor de MOS considerado baixo pode variar com a região, tipo de clima e solo).

Caso o solo do talhão não tiver restrições químicas (acidez, presença de alumínio, quantidade baixa de nutrientes disponíveis), mas tiver um solo pouco estruturado (presença de camada compactada, desproporção de tamanhos de poros, ausência de agregados), as raízes terão dificuldade de desenvolvimento, e vice-versa. A ausência de restrições físicas não garante a demonstração do potencial produtivo, caso no solo houverem restrições químicas. Com muita frequência ambos os problemas aparecem ao mesmo tempo e, inclusive, podem estar

relacionados. Uma das perguntas em torno da qual foi realizada a discussão entre os participantes da Caravana foi a seguinte: como tornar o solo fértil, em estrutura, sem restrições químicas e com mais matéria orgânica?

A resposta encontrada pela família Fridrich, na Faxinal Sul, tem base em três pontos:

• Diversificação de raízes ao longo do ano

• Correção química do solo

• Aporte de palha Estratégias para melhoria da fertilidade do solo

A fertilidade do solo pode ser entendida do ponto de vista físico, químico e biológico. A fertilidade química foi um dos pontos que foi discutido no dia de campo, conferindo dados da Fazenda Faxinal Sul e as estratégias para melhoria dos indicadores de fertilidade.

A título de resgate histórico, foi mostrado aos participantes (Tabela 1) quatro análises de solo, feitas do mesmo talhão, na profundidade de 0 a 20 cm, em 4 anos diferentes: 1988, 1991, 2010, e finalmente, em 2019.

Essas análises foram feitas em épocas diferentes, por laboratórios diferentes, e naturalmente possuem variação entre elas, mas é possível entender um pouco das modificações que ocorrem na fertilidade do solo ao longo de vários anos. Em 1988, os Fridrich estavam começando o Plantio Direto na propriedade. O que a análise de solo indica é um pH a princípio já acima de 5.5, que anula a saturação por alumínio tóxico.

No entanto, a área demonstrava níveis baixos de nutrientes como fósforo, potássio e enxofre. Claro que, na época, não havia cultivares de soja com potencial genético para produtividade tão elevado quanto hoje, e isso também deve ser considerado. Já a matéria orgânica do solo estava com um nível médio, considerando os tantos anos de plantio convencional que vieram anteriormente.

Três anos depois, com o plantio direto já iniciado, vemos aqui uma estabilidade e até uma melhora no pH, mas principalmente uma melhoria nos níveis de fósforo, potássio e o enxofre. A maior parte dos outros atributos continuou estável, ou subiu de forma pouco expressiva. Em 2010, quase 20 anos depois, a análise mostrou o seguinte: o teor de fósforo, de potássio, e o teor de matéria orgânica do solo foram elevados, e no caso da matéria orgânica, em quase 1%. Da mesma forma, a CTC subiu consideravelmente, e apenas o enxofre parece ter reduzido, além de uma redução na saturação de bases.

O que foi feito ao longo desses 20 anos? Em resumo, o incremento de matéria orgânica, e adubação para atingir níveis mais altos de fertilidade. Em 2019, foi obtido pH maior, de quase 6.0, e os níveis de fósforo e potássio permanecem equilibrados. A matéria orgânica continua estável, e de uma análise para outra, houve um grande aumento no teor de cálcio, de enxofre e na saturação de bases.

O que aconteceu desde 2010 até 2019: manutenção do plantio direto com correção do solo, no caso da Faxinal Sul, tanto com calcário quanto com gesso. Além de mostrar um pouco do histórico, na Tabela 2 é mostrado uma análise estratificada do solo na propriedade, realizada pelo Dr. Jackson Fiorin. Essa análise estratificada do talhão foi realizada nas profundidades de: 0 a 5 cm, 5 a 10 cm, 10 a 20 cm, 20 a 30 cm, e 30 até 40 cm.

Nos primeiros 5 cm, o que é demonstrado é o valor do pH próximo de 6.0, sem alumínio tóxico presente em quantidade significativa.

A relação entre cálcio e magnésio é de 4,2:1, e o teor de matéria orgânica de 5,3%, com teores de fósforo muito alto, potássio muito alto, e saturação de bases de 77%. Podemos afirmar que esses são indicadores muito positivos para altas produtividades. No entanto, deve-se considerar que essa é a camada mais superficial. A camada de 5 a 10 cm, em comparação, tem níveis de fósforo e potássio altos, e dos outros nutrientes também, mas a partir dessa profundidade a correção de acidez do solo começa a ser um problema.

Isso acontece principalmente porque o calcário reage muito lentamente nas camadas abaixo de 5 cm, quando aplicado de forma superficial, sendo que na maior parte das vezes nem chega a reagir em um período de 10 anos. E essa dificuldade de corrigir a acidez e os teores de nutrientes se repete à medida que se analisa o perfil do solo em profundidade. Essa situação talvez seja um dos grandes desafios de quem conduz o sistema em Plantio direto, pois para realizar correção da fertilidade química em profundidade seria tentador realizar uma incorporação de corretivos e adubos com utilização de implementos.

No entanto, há uma série de problemas que seriam causados pelo revolvimento do solo após 30 anos de sistema plantio direto, tais como perda de matéria orgânica, aparecimento de plantas daninhas e desestruturação do solo. Na Fazenda Faxinal Sul, há um planejamento e execução de sistemas de rotação e cultivos de cobertura visando o aporte de palha e raízes para estruturação do solo e formação de matéria organica.

No Quadro 1, está exemplificado o esquema de rotação que foi utilizado recentemente em três áreas selecionadas para demonstração no dia de campo, na Fazenda Faxinal Sul. Em janeiro, fevereiro e março, no talhão 1, havia o cultivo de soja.

Após colher a soja, em meados de abril, foi implantado o nabo forrageiro, como cultivo de cobertura. No final de junho, o nabo foi manejado, e foi implantado o trigo nessa área, que fica até novembro, e após colhido dará espaço para a soja, mais uma vez. No talhão 2, o esquema foi similar. Em janeiro, fevereiro e março também havia soja, e após a colheita, também foi semeado nabo forrageiro.

A diferença foi que, em julho, o nabo foi manejado, e sobre a palhada, foi implementado um coquetel de espécies de cobertura, incluindo nabo forrageiro, centeio e espécies de aveia, que permanece até o mês de outubro, quando é semeada a soja também. Já no talhão 3, após a colheita de soja, no final de março de 2019, foi implantado um mix de coberturas com ervilhaca + centeio, que foi manejado para realizar a semeadura de milho safra no mês de setembro.

Histórico do talhão 1

No último verão (2018/2019), a soja foi semeada em final de outubro e colhida na metade de março de 2019, com produtividade de 84 sacos/ha. Após a colheita da soja, foi semeado o nabo forrageiro como cobertura no início de abril, com cerca de 15 kg/ha de semente. No início de julho, o nabo foi dessecado, e foi implantado um mix de culturas de cobertura que incluía nabo, centeio e aveias.

Após a dessecação do nabo foi feito também aplicação de 2 t/ha de mistura de calcário e gesso. O maior entrave foi que uma sequência de geadas não permitiu que o nabo se desenvolvesse, restando apenas cobertura com gramíneas no talhão.

Histórico do talhão 2

No último verão (2018/2019), a soja foi semeada em final de outubro e colhida na metade de março, com produtividade de 84 sacos/ha.

Depois de colhida, foi semeado o nabo forrageiro como cobertura no início de abril, com cerca de 15 kg/ha de semente. No final de junho, esse nabo foi dessecado para semeadura do trigo como cultura de inverno, com aplicação de 2 t/ha de mistura de calcário e gesso.

Histórico do talhão 3

No último verão (2018/2019), foi semeado soja no final de outubro, e colhida final de março, com produtividade de 82 sacos/ha. Após a colheita, foi semeado mix de coberturas que incluía centeio e ervilhaca, na metade de abril.

No início de agosto, esse mix foi dessecado para realizar semeadura de milho no início de setembro. Juntamente com a implantação do mix de coberturas foi aplicado 2 t/ha de calcário. Percebe-se que cada talhão possui uma diversificação de espécies ao longo do ano, mudando a quantidade de palha que inserem, a quantidade de biomassa de raízes e a forma como essas raízes trabalham o solo.

Esse aumento da quantidade de palha e da quantidade de raízes diferentes naturalmente ocasiona uma maior quantidade de matéria orgânica, que como falamos anteriormente, é um fator fundamental para altas produtividades. Além do aumento da matéria orgânica, temos uma reciclagem de nutrientes, que são trazidos da subsuperfície para a superfície.

É promovido também uma reestruturação do solo, rompendo adensamentos pela ação das raízes em diferentes tamanhos realizando abertura de poros de diferentes tamanhos (macroporos e microporos), permitindo melhor infiltração e retenção de água, além de melhor aeração do solo.

Um questionamento que pode surgir para o leitor é se o custo de utilizar plantas de cobertura de espécies diversas e em quantidades consideráveis compensa. A utilização de plantas de cobertura com qualidade exige sim um custo, que no caso da propriedade dos Fridrich, varia dentre 40 a 180 reais por hectare.

Em um ano em que um saco de 60 kg de soja vale R$ 70,00, teremos um custo que varia entre um pouco mais do que meio saco de soja até dois sacos e meio de soja por hectare, por ano. Com base nos dados de produtividade da propriedade conforme as Figuras 1 e 2, pode-se perceber que o investimento dá retorno, principalmente em termos de estabilidade da produção ano a ano, seja esse investimento em nabo forrageiro ou consórcios.

A tendência é que essa produtividade aumente na próxima safra também, pois nesse sistema de produção, a soja está conseguindo expressar o seu potencial genético. Além disso, há a certeza de que a soja que se desenvolve em solos bem estruturados como esse e com essa quantidade de palha, não vão sofrer tanto com qualquer estiagem.

Uso do milho no sistema

Durante o verão no Rio Grande do Sul, para cada 6 hectares de soja, apenas 1 hectare é cultivado com milho (aproximadamente). Essa desproporcionalidade acontece nos últimos anos por vários motivos, mas entre os principais é possível citar: o milho é uma cultura mais sensível ao clima (estiagem em períodos críticos); é uma cultura que exige manejos e mecanização específica; muitos enxergam o milho como uma cultura que não traz tanta rentabilidade quanto a soja, principalmente com o aumento dos custos de produção de milho nos últimos anos.

Mesmo com as dificuldades encontradas, na Fazenda Faxinal Sul, o milho é cultivado desde o início das atividades agrícolas, todo ano, sem interrupção. Na Figura 4, é exibido o gráfico que mostra a proporção, ano a ano, desde 2012, da área plantada com milho e com soja na propriedade. Percebe-se que essa proporção é variável, e houveram anos em que a área com milho chegou a 40% do total.

Da mesma forma, em anos não tão favoráveis, a área chegou a 15%, e inclusive a 10% da área. Mesmo assim, nunca se deixou de cultivar o milho. No entanto, sempre foi o ajuste da área e do investimento tomando como base as previsões e características do ano. Na safra 2019/2020, está sendo cultivado 30% da área com milho no verão. Na Figura 6 pode-se conferir o histórico de produtividade do milho.

Ocorreram alguns anos ruins ao longo do tempo, mas em determinados anos a produtividade obtida foi bastante interessante do ponto de vista de rentabilidade. A tendência é que, com o solo bem estruturado e fértil como se apresenta na Fazenda Faxinal Sul, o milho obtenha uma produtividade considerável.

De qualquer forma, a inserção do milho no sistema de produção traz uma série de benefícios:

• Primeiramente, o sistema radicial do milho é normalmente bem vigoroso, e auxilia na estruturação e descompactação natural do solo, além de diversificar exsudatos e outras substâncias que por sua vez aumentam a atividade biológica do solo.

• Além disso, o milho é uma planta que forma uma quantidade muito grande de palha em relação a outros cultivos. Isso é essencial para a saúde do sistema, pois muitas vezes não é possível com outros cultivos atingir a necessidade de matéria seca vegetal por hectare que o sistema necessita por ano.

• Outro ponto é que o milho auxilia na redução de inoculo de doenças que afetam a soja, facilitando o manejo fitossanitário dessa cultura.

• O uso de herbicidas com diferentes mecanismos de ação em diferentes épocas também é um dos benefícios que o milho traz ao sistema, permitindo que plantas daninhas que interferem em soja, por exemplo, apresentem mais fácil controle.

Outra pergunta que pode ser feita nesse contexto é “como ganhar dinheiro com o milho?”.

Ou também: “como não perder dinheiro com o milho?”. Essa é uma pergunta complexa. Um dos pontos principais é naturalmente obter altas produtividades. Na ocasião de a produção de milho não estar valorizada no momento da comercialização, ao menos o produtor pode obter rentabilidade com o volume produzido.

E um dos pilares para a alta produtividade é justamente a fertilidade do solo, e aqui podemos entender a fertilidade no conceito mais amplo: física, química e biologia do solo. Por outro lado, não é apenas obtendo altas produtividades da cultura que podemos obter lucro. De nada adianta produzir 250 sacos de milho por hectare, com custo de 250 sacos. Nesse sentido é importante dar atenção a gestão da propriedade, buscando a redução dos custos de produção onde for possível, de forma a não comprometer a produtividade da cultura (fazer o máximo com o mínimo).

Um terceiro ponto para conseguir lucrar o máximo com a cultura do milho é na comercialização. Considerando a volatilidade dos preços, e também a grande quantidade de milho sendo produzido na segunda safra no cerrado, é interessante que o produtor busque fixar preços para a safra principal por meio de negociações e contratos, para garantir determinada margem de lucro por área.

Observações importantes para aqueles que cultivam ou querem cultivar milho na safra de verão no Rio Grande do Sul:

• O milho é uma cultura que responde melhor quando cultivada todo ano. O produtor que decide por plantar milho apenas de vez em quando pode acabar tendo mais dificuldade no longo prazo do que aquele que decide por plantar milho todo ano.

• O milho é uma cultura que exige precisão cirúrgica no plantio. Cada planta de milho conta quando se deseja ter altas produtividades, então falhas e duplos frequentes na lavoura são inimigos e devem ser combatidos. O milho é uma cultura com risco climático alto na região norte do RS, pois em um determinado período do seu ciclo, a falta de água pode ocasionar perdas muito elevadas.

Algumas medidas que podem ser adotadas para tentar reduzir riscos e perdas:

• escalonamento de semeadura e cultivares, de forma que se evite a coincidência das estiagens com as fases mais sensíveis da cultura;

• Melhor estruturação do solo para armazenamento de água e exploração das raízes;

• Maior quantidade de palhada para redução da perda de umidade do solo; Apesar de todos os benefícios da inclusão do milho no sistema, é natural que muitos produtores não se sintam atraídos pela ideia de cultivá-lo. Quais as alternativas, nesse caso, para aportar palha e raízes ao solo?

A principal alternativa talvez seja buscar compensar no outono e no inverno, logo após a colheita da soja, utilizando diferentes espécies de cobertura ou forrageiras que produzam muita massa seca. Uma alternativa que foi testada recentemente na propriedade dos Fridrich foi o uso do milho como uma planta de cobertura, utilizando o milho grão ao invés de milho semente, que possui custo consideravelmente menor.

No entanto, a operacionalização dessa estratégia ainda é algo que deve ser estudado em cada propriedade, em função da morfologia da planta e da quantidade de palha que o milho produz, o que pode atrapalhar o manejo e as operações mecanizadas. Infiltração de água e redução da erosão Outro ponto discutido foi um dos principais benefícios do Sistema Plantio Direto para as propriedades rurais: o controle da erosão.

A erosão sempre foi (e talvez sempre será) um dos grandes inimigos da agricultura, pois as perdas que ela causa são devastadoras, embora nem sempre nos damos conta disso. A erosão hídrica ocorre quando o solo está desprotegido e sofre desagregação pela ação da chuva, e após essa desagregação a água “carrega” as partículas no sentido da declividade, retirando assim a camada mais fértil do solo e também levando ao assoreamento de corpos d’água. Entre as medidas recomendadas para reduzir o efeito da erosão, está a proteção do solo com vegetação e cobertura morta (palhada).

No entanto, apenas a adição de cobertura ao solo não garante a redução expressiva da erosão em condições de chuva torrencial. Por isso, ter um solo bem estruturado, com boa distribuição de poros e sem compactação é essencial para aumentar a taxa de infiltração de água no solo. Considerando o manejo que foi comentado até aqui (correção química, aporte de palha e aporte de raízes de diversos tipos), em teoria o solo na Fazenda Faxinal Sul deveria estar com altas taxas de infiltração, e possuir uma resistência considerável à erosão.

E felizmente é justamente isso o que foi demonstrado na prática durante o dia de campo, utilizando um equipamento simulador de chuva, que mostrou que o solo daquele local não permitia o escorrimento superficial da água. Ou seja, a água estava sendo infiltrada totalmente. Nas Figuras 6 e 7, é exibido um gráfico feito com base na medição de infiltração da água proveniente do simulador de chuva. Esse aparelho simula através de um aspersor uma chuva de 118 mm/h, o que é equivalente a uma chuva torrencial, que acontece com frequência muito baixa.

Foram feitas duas medições, uma em um talhão com coquetel de coberturas e soja no verão, e outra no talhão onde havia outro tipo de coquetel e milho no verão. Na Figura 6, ocorreu escorrimento superficial após aproximadamente 30 minutos de chuva (equivalendo a 59 mm de chuva), e nesse ponto a taxa de infiltração básica estabilizou em 50 mm/h.

Ou seja, esse solo tem a capacidade de drenar 50 mm de água por hora. Essa infiltração de 50 mm/h, que já é considerada alta, deve-se basicamente a presença de adensamentos que ocorrem no perfil do solo.

Não foi feito um estudo especifico desse talhão, mas a hipótese foi de que, a quantidade reduzida de palha e raízes após o cultivo da soja, principalmente em função da morte do nabo pela geada, somado ao tráfego de caminhão para aplicação de calcário, resultaram em adensamentos ao longo do perfil do solo, que reduziram a taxa de infiltração. Na Figura 7, a medição foi realizada em outro talhão, no qual não houve escorrimento superficial mesmo após uma hora e

vinte minutos de chuva com intensidade de 118 mm/h (equivalente a 157 mm). Ou seja, nesse talhão, com o manejo que tem sido feito durante os últimos anos, o solo foi capaz de drenar sem maiores problemas uma chuva que tem probabilidade histórica de ocorrer realmente muito pequena. Percebe-se que em ambas as medições, o risco e perdas com erosão hídrica são pequenos, e tão importante quanto, é a quantidade de água que fica disponível no sistema quando o solo possui esse nível de estruturação.

Nesse primeiro ponto de encontro da Caravana Plantio Direto, foi possível conhecer um grande exemplo de agricultura que há 30 anos consegue aliar altas produtividades e sustentabilidade econômica e ambiental. A Revista Plantio Direto & Tecnologia Agrícola agradece a família Fridrich pelo suporte na realização desse evento, e espera logo poder retornar à Faxinal Sul para conferir o avanço da propriedade na produtividade e na conservação do solo.