Adubação nitrogenada e o vírus do enrolamento do arroz (RSNV): um estudo de caso


Autores: Francisco Tonetto; Alencar Junior Zanon; Michel Rocha da Silva; Vladison Fogliato Pereira; Lorenzo Dalcin Meus; Ioran Guedes Rossato; Guilherme Foletto Pozzobon; Rafael Silveira Milanesi; Eduardo Lago Tagliapietra; Darlan Scapini Balest; Giovana Ghisleni Ribas; Anderson Haas Poersch; Eduardo Daniel Friedrich; Giovani Antonello Barcellos; Alexandre Ferigolo Alves; Moises de Freitas do Nascimento; Gionei Alves de Assis; Nereu Augusto Streck
Publicado em: 31/12/2019

1. O vírus

As doenças virais em plantas causam importantes perdas ao reduzirem a qualidade e quantidade dos cultivos, ao ponto de ameaçar a segurança alimentar em alguns países (RUIZ et al., 2016). A cultura do arroz está sujeita ao ataque de doenças em todas as fases de desenvolvimento, acarretando perdas na produtividade e qualidade de grãos (SOSBAI, 2016). Dentre os fatores bióticos que podem ocasionar redução na produtividade, podemos citar o enrolamento do arroz, que tem como agente causal o vírus Rice Stripe Necrosis Virus (RSNV) (MACIEL et al., 2006).

O vírus é transmitido pelo protozoário Polymyxa graminis, que infecta as raízes do arroz e pode sobreviver a longos períodos de ausência de hospedeiros (MORALES et al., 1999). Espécies dentro desse gênero podem causar danos severos à produtividade, especialmente, de cereais como a cevada, arroz e trigo (KONDO, 2013). A ocorrência do enrolamento do arroz está relacionada com a semeadura em área com histórico da doença. Além disso, o mal nivelamento das lavouras e lâminas de irrigação desuniformes podem promover a infecção viral.

Da mesma forma, estresses abióticos, assim como injúrias causadas pela aplicação de herbicidas, bem como o trânsito de máquinas em áreas com a presença do vírus também podem aumentar sua disseminação nas lavouras (GUTIERREZ et al., 2010). Os primeiros sintomas são observados já nos primeiros 20 a 30 dias após a semeadura/emergência. As plantas afetadas apresentam subdesenvolvimento, com a presença de linhas cloróticas e amareladas nas folhas (Figura 1). As panículas e raízes comumente se retorcem, podendo necrosar (CALVERT; SEDANO, 2004).

Necroses nestas partições podem levar a planta à morte em casos extremos. O manejo adequado da adubação é indicado para minimizar os danos causados pelo enrolamento das folhas. Esse efeito positivo sobre a planta parece ser devido à compensação dos danos causados pelo enrolamento através do aumento de produtividade das plantas não infectadas (DE SOUZA, M. V, 2006).

O crescimento acelerado das plantas promovido pelo fornecimento de N pode superar a multiplicação viral e reduzir, em algum nível, a expressão dos sintomas e o impacto sobre a produtividade das plantas (KOMMEDAHL, 1984). Este nutriente é essencial, participando de uma série de processos e constituintes celulares no metabolismo das plantas (TAIZ; ZEIGER, 2013).

A rotação de culturas também pode reduzir a incidência da doença, diminuindo o número de plantas hospedeiras no sistema, sendo considerada uma das principais práticas culturais para controle de patógenos de plantas (SANTOS; REIS, 2001). Em trigo, tem sido relatado que a rotação com espécies não hospedeiras têm diminuído os danos causados pelo mosaico-comum, também causado por vírus (REIS; SANTOS; PERREIRA, 1985; KOEHLER et al.,1952).

Solos com boa porosidade, férteis e uma diversificada microbiota podem criar condições menos favoráveis as populações de P. graminis e mais favoráveis ao desenvolvimento das plantas (STEMPKOWSKI, 2019). Outras práticas de prevenção e controle passíveis de serem adotadas pelo produtor são a manutenção da lâmina de água, preconizando-se um bom nivelamento das áreas e o preparo antecipado, assim como o isolamento de áreas infectadas. Em trigo, o manejo de doenças virais se baseia na utilização de cultivares resistentes.

No entanto, na cultura do arroz, não se conhecem cultivares resistentes ao enrolamento causado pelo vírus RSNV (SALAZAR 2009), adotando-se a rotação de culturas e a adubação correta como medidas preventivas à doença. Assim, percebe-se a necessidade de levantar medidas que reduzam as perdas em lavouras infectadas. Nesse sentido, a Equipe FieldCrops, na safra 2017/2018, objetivou, por meio desse trabalho, determinar a eficiência de doses adicionais de nitrogênio na diminuição da perda de produtividade causada pelo vírus do enrolamento das folhas do arroz (RSNV) em lavoura de arroz irrigado.

Foi proposta uma escala para avaliação da severidade da doença através da atribuição de notas, que levaram em conta a sintomatologia apresentada pela planta.

2. Crescimento das plantas em função da adubação nitrogenada adicional

Na safra 2017/2018, foi conduzido um experimento em lavoura comercial na região central do estado do Rio Grande do Sul, caracterizada como de terras baixas, com solo classificado como Planossolo Háplico, localizado no município de Santa Maria. Na semeadura utilizou-se a cultivar IRGA 426, na densidade de 150 kg/ ha.

O preparo de solo, adubação e tratamentos fitossanitários seguiram as recomendações para a cultura. A adubação de cobertura foi fracionada em duas aplicações (100 kg e 70 kg). A primeira aplicação foi feita no estágio vegetativo V3, quando as plantas estavam com três folhas expandidas, antes da entrada da irrigação. A segunda aplicação foi feita no estágio reprodutivo R1, na diferenciação da panícula, segundo a escala de Counce et al., 2000.

O experimento foi constituído de um estudo de caso, cujos tratamentos foram doses adicionais de nitrogênio de 0, 30 e 60 kg, aplicadas em cobertura no dia 31/12.

As aplicações foram realizadas quando as plantas iniciaram a diferenciação da panícula (R1) (COUNCE et. al., 2000). Com o desenvolvimento das plantas de arroz (Figura 2), foi possível observar que houve redução no número de plantas com sintomas da doença, independente do tratamento. Esse decréscimo mostra que os sintomas do enrolamento permanecem visíveis somente até o início do período reprodutivo, não havendo impacto significativo da adubação nitrogenada sobre a multiplicação viral após o estágio reprodutivo R1 (COUNCE et. al., 2000).

3. Redução na perda de produtividade

A análise de regressão mostrou pequena diferença significativa entre os tratamentos para a produtividade (Figura 3). Mesmo assim, as produtividades obtidas permaneceram acima da média para o estado do Rio Grande do Sul, que é de 7000 kg/ha (SOSBAI, 2016). Para a área com a presença do vírus, as produtividades médias foram de 8239,95 kg/ha, 6929,43 kg/ha e 8469,4 kg/ha, para as doses adicionais de 0, 30 e 60 kg/ ha de nitrogênio, respectivamente. Para a área sem a presença de vírus, as produtividades médias foram de 8159,52 kg/ha, 8124,46 kg/ha, 9477,55 kg/ha, para as doses adicionais de 0,30 e 60 kg/ha respectivamente.

Assim, lavouras infectadas com vírus que recebem doses adicionais de nitrogênio de 60 kg/ha tem redução da perda de produtividade causada pelo vírus do enrolamento das folhas em relação àquelas que não recebem nenhuma dose adicional do nutriente. A provável justificativa para isso foi o maior crescimento das plantas devido ao fornecimento nitrogênio, que permitiu pequena redução do impacto da doença sobre a produtividade.

4. Escala proposta: monitoramento e tomada de decisão

A quantificação de doenças torna-se difícil quando existe um número elevado de amostras, como é o caso plantas de lavouras comerciais infectadas com as mais variadas doenças. As estratégias para contornar esse inconveniente são a elaboração de chaves descritivas (escala de notas), escalas dia gramáticas ou análise de imagens (BERGAMIN FILHO E AMORIM, 1996).

Assim, a equipe FieldCrops padronizou uma escala (Quadro 1 e Figura 4) para avaliação do vírus do enrolamento do arroz (RSNV). Para isso, deve-se aplicar o critério visual de notas, avaliandose planta a planta, com base na escala proposta, que leva em conta a severidade da doença.

Suas notas variam de 0 a 5, sendo 0 = ausência de sintomas, 1= presença de linhas cloróticas nos colmos das folhas laterais ou de 1% a 25% de infecção, 2= presença de linhas cloróticas nos colmos das folhas laterais e colmo principal ou de 25% a 50% de infecção, 3 = enrolamento parcial das folhas ou de 50% a 75% de infecção, 4: enrolamento total das folhas ou de 75 a 99% de infecção e 5= enrolamento das folhas com presença de necroses e planta próxima a senescência, com infecção generalizada (100%).

A escala proposta mostrouse útil para avaliar a severidade do enrolamento do arroz à campo, através da atribuição de notas visuais que refletem a porcentagem das partições com a sintomas da doença. Assim, se presta a agricultores, técnicos e demais profissionais da área, possibilitando o monitoramento da multiplicação viral e consequente tomada de decisão em relação a estratégia de manejo a ser tomada.