Introdução
A cadeia da carne bovina é responsável pela geração de emprego e renda a milhões de brasileiros, ocupando grande parte do território nacional, a mesma chega a movimentar em torno de US$ 167,8 bilhões/ano, gera 7 milhões de empregos e tem faturamento de US$ 42 bilhões para os frigoríficos, colocando o Brasil como segundo maior produtor mundial de carne bovina, responsável por 16,9% da produção global.
Todo esse processo se inicia no setor de insumos, o qual tem como objetivo fornecer manejo, genética, sanidade e nutrição adequada para estes animais (MALAFAIA et al., 2019). A fim que possam expressar todo o melhoramento genético incumbido, a alimentação é essencial e pode modificar o produto final.
O rebanho brasileiro é o segundo maior rebanho do mundo, respondendo por 18% do efetivo mundial, ficando atrás apenas da Índia. Segundo a CNA e ABIEC, em 2013, o rebanho seria de 208 milhões de cabeças, com maior concentração na região Centro-Oeste, que é responsável por 35% da produção. A região Sul estaria em terceiro lugar com 14,5% do rebanho nacional (MALAFAIA et al., 2019). No Brasil, aproximadamente 169 milhões de hectares são áreas de pastagens, com uma taxa média de ocupação de 1,2 cabeça/hectare.
A terminação realizada em confinamento é baixa, com apenas 4,5 milhões de animais sejam terminados nesse sistema (MALAFAIA et al., 2019). Mostrando assim o potencial das pastagens para a alimentação animal, através do desenvolvimento dos sistemas de produção agropecuária.
O Brasil é um país de clima tropical que apresenta condições climáticas muito favoráveis a criação de bovinos em pastagens e aliado com sistemas de produção agropecuária que podem ser intensificados de distintas maneiras, objetivando a exploração sustentável e conservacionista com altas produtividades, através do planejamento da exploração econômica na mesma área com atividades diferentes como a agricultura e a pecuária (ANDRADE, 2015), possibilitando a diversificação das áreas com a utilização da rotação, consorciação e sucessão de culturas (CORDEIRO et al., 2015).
A integração entre os sistemas de plantio direto (SPD) e lavoura-pecuária é uma forma de manejo que visa elevar a eficiência no uso do solo e dos recursos agrícolas (SANTOS et al., 2008). Para este manejo do solo ser eficiente, é necessário que se obtenha através do uso de espécies elevado rendimento de palhada (CALVO et al., 2010; CORREIA & GOMES, 2015), pois a sustentabilidade do sistema plantio direto reside na rotação de culturas e no uso de plantas de cobertura para a formação de palhada sobre o solo (SOARES, 2005).
Quando esses sistemas são utilizados por períodos de dois ou mais anos, podem beneficiar os atributos físicos (MARCHÃO et al., 2007), químicos (GARCIA et al., 2008), biológicos do solo e colaborar para a diminuição da incidência de doenças, pragas e plantas daninhas nas áreas de cultivo (CHIODEROLI et al., 2012; MENDONÇA et al., 2013). O cultivo de plantas forrageiras pode sanar a falta de alimento durante o período de inverno, mas espécies de inverno é bom lembrar que o crescimento ótimo se dá numa faixa de temperatura entre 18 e 23°C (GERDES, 2005).
Entretanto, quando se consorcia diferentes espécies podem ocorrer competição entre as plantas além de ser mais complexo o manejo (FLESCH, 2002). Os campos de soja em muitos casos permanecem em pousio durante o inverno, e acabam sendo infestados com ervas daninhas anuais de inverno e muitas dessas ervas daninhas anuais de inverno têm sido mostradas como hospedeiras de pragas problemáticas, como o nematoide do cisto da soja (VENKATESH et al., 2000). Com isso uma das técnicas para manter o solo coberto desde a colheita da soja até o plantio da próxima safra é a sobressemeadura.
Sobressemeadura
A sobressemeadura é uma estratégia viável que pode ser utilizada para fornecer alimento para os animais e palhada para o sistema de produção (PACHECO et al., 2008; CRUSCIOL et al., 2012). O termo sobressemeadura é utilizado para descrever a pratica de estabelecer culturas anuais de inverno sobre cultura já formada de espécie perene, esta técnica visa aumentar a produção de forragem para pastejo ou produção de feno, sem degradar ou eliminar a espécie existente (MOREIRA, 2006).
Essa técnica foi desenvolvida no início do século XX na Universidade de Wisconsin (MEDEIROS, 1978). Paralelamente, é utilizada para melhorar a oferta de forragem e o valor nutricional de pastagens no período de inverno e, com isso, maximizar a produção de bovinos a pasto Este manejo contribui na antecipação da oferta forrageira em conjunto com a qualidade nutricional no período de inverno, beneficiando a produção dos animais criados a pasto (RODRIGUES et al., 2011), além proporcionar cobertura para o solo para o sistema plantio direto (LARA-CABEZAS, 2004).
A utilização da técnica de sobressemeadura de forrageiras de inverno em pastagens de espécie tropical além de produzir forragem na época de inverno, há um maior aproveitamento da área cultivada e é uma possibilidade de utilização dos pastos o ano inteiro.
Porém, alguns fatores devem ser levados em consideração antes de adotar a técnica como: a correção de problemas de falta de água por meio de irrigação, verificar a temperatura média da região não sendo muito baixas que prejudiquem o crescimento das forrageiras de inverno e nem muito altas que irão favorecer a produção das espécies já implantadas (GERDES et. al., 2005).
Na sobressemeadura existe a alternativa da utilização das misturas de espécies forrageiras anuais de inverno que visam combinar os picos de produção de matéria seca que são atingidos em diferentes épocas, de acordo com a espécie utilizada, resultando no aumento da produção e do período de utilização da pastagem (ROSO et al., 1999).
No entanto, para que uma mistura seja eficiente, é necessário que uma espécie não prejudique o desenvolvimento da outra, em termos de luminosidade ou de nutrientes, para que a produtividade das espécies seja maximizada dentro da mistura (ROSO et al., 2000). Outra forma de sobressemeadura consiste em semear a lanço a forrageira antes do início das quedas de folhas da soja, quando encontra-se nos estádios fenológicos R5 a R7 (PACHECO et al., 2009) (Figura 1), segundo a escala de desenvolvimento proposta por Fehr & Caviness (1977), antecipando a disponibilidade de pasto para a alimentação dos animais (MACHADO, 2011).
Este método necessita maiores estudos, mas já vem sendo utilizado por produtores na região Centro-Oeste, a fim de antecipar o estabelecimento de pastagens. De acordo com ALTMANN (2008), o sucesso deste método depende de algumas condições como: 1) lavoura limpa de plantas daninhas; 2) estágio da cultura; 3) clima e condições meteorológicas; 4) ciclo da cultivar de soja; 5) condições de voo da aeronave quando a semeadura da forrageira for com a utilização de aeronave; e 6) espécie a ser semeada.
Deve se levar em conta também o bom desenvolvimento inicial da forrageira, para garantir assim o futuro bom desenvolvimento da lavoura (Figura 2).
A sobressemeadura fornece pasto de forma antecipada, quando sobressemeado trigo de duplo-propósito (BRS Tarumã) em área com soja, aos 30 dias após essa semeadura o trigo já está com uma altura de 20 cm, e com cerca de 1.300 kg/ha de massa seca (Figura 3). Os trabalhos de Lara-Cabezas (2004), com sementes peletizadas de milheto, e de Trecenti (2005) apontaram a sobressemeadura como alternativa viável para solucionar a formação e a manutenção de palhada, em SPD no Cerrado.
A introdução de gramíneas anuais como o trigo, aveia, azevém e centeio, de leguminonas anuais como a ervilhaca e os trevos persa e vesiculoso, de leguminosas perenes como o trevo-branco, trevo-vermelho e o cornichão, em pastagens de gramíneas perenes de estação quente como gramas do gênero Cynodon (bermuda, estrela e seus híbridos), pensacola (grama forquilha), quicuio, hemártria e capim-pangola são outras alternativas para se sobressemear aqui no Sul do Brasil de forma promissora (FONTANELI et al., 2013).
Nas terras baixas e na campanha no sul do Brasil, utiliza-se a sobressemeadura através da aviação agrícola de azevém, trevo branco e cornichão em áreas de resteva de arroz irrigado e na cultura da soja (FONTANELI et al., 2013). Com incremento na produção de palha, o sistema de sobressemeadura de plantas forrageiras tem demonstrado resultados positivos na produção de grãos e de forragens e assim merece atenção pelos agentes difusores de tecnologias a campo (PORTES et al., 2000).
Além de propiciar maior rendimento de forragem, melhor distribuição de forragem ao longo do ano, a sobressemeadura garante um valor nutritivo melhor da forragem do que quando utilizado apenas gramíneas, fazendo com que o consumo pelos animais aumente assim como o desempenho animal. Essa técnica diminui além de tudo o custo com preparo de solo quando comparado ao estabelecimento convencional dessas plantas, e pode reduzir cerca de seis vezes o tempo e o consumo de combustível gasto com essas operações (FONTANELI et al., 2013).
Há também em alguns casos um crescimento maior das plantas quando cultivadas de forma associada do que de forma solteira, que seria resultado do efeito sinérgico que ocorre em alguns casos da associação das espécies, e isso se dá pelo melhor controle de plantas daninhas na área com a cobertura eficiente do solo, utilização mais eficiente da luz, e a redução da erosão que é resultante da rápida cobertura que as plantas tem no solo (ANIL et al., 1998). Além disso, trabalhos conduzidos nos Estados Unidos (BALL et al., 2007) destacaram que a sobressemeadura demandou 6,3 vezes menos tempo e 4,76 vezes menor consumo de combustível comparado ao método de preparo completo do solo.
A utilização de aveia branca, aveia preta e centeio em sobressemeadura em pastagem de Tifton 85 é uma forma de aumentar a oferta de forragem precoce em oposição às leguminosas e azevém que são mais tardios que ajuda a aumentar a capacidade de suporte do sistema (ALLEN & COLLINS, 2003), permitindo assim o pastejo no inverno do sul do Brasil, pois melhora a distribuição de forragem.
Em relação ao desempenho animal, quando mantidos em áreas com capim-de-rhodes (Chloris gayana Kunth) sobressemeados com aveia e trevo o ganho de peso de 192,5 kg/ha, enquanto os animais mantidos em pastagens naturais perderam de 40 a 50 kg (BARRETO et al., 1974a). Já quando essa sobressemeadura de aveia e de trevo vesiculoso foi feita em áreas de campo natural propiciou ganho de peso 7,7 vezes maior, quando comparado a utilização da pastagem exclusiva de campo nativo (BARRETO et al., 1974b).
A introdução de pastagens nativas de Desmodium intortum e Neonotonia wightii em espécies de verão, proporcionou cerca de 5.940 e 4.720 kg/ha de MS, respectivamente, quando comparado com pastagem nativa que sua produção foi de 3.970 kg/ha.
Além disso foi possível perceber nesse estudo que a introdução destas leguminosas de verão contribuiu para o decréscimo na incidência de plantas daninhas e aumento do teor de proteína bruta e na digestibilidade in vitro da forragem, comparada com a pastagem nativa (SILVA & JACQUES, 1994; SILVA & JACQUES, 1993).
A sobressemeadura de azevém em pastagem de grama-bermuda é outra estratégia que contribui para estender o período de utilização dessa forrageira de inverno, pois melhora a distribuição do pasto no decorrer dos pastejos e proporciona maior produção de forragem total. O uso do azevém ou do consórcio de azevém e trevobranco sobre a grama-bermuda não implica diferença na biomassa de lâminas foliares.
Nas condições climáticas da região sul do Brasil, a grama-bermuda pode ser sobressemeada durante o período hibernal sem comprometer o desempenho da pastagem perene, consistindo, assim, em uma estra
tégia de produção forrageira mais sustentável se comparada ao cultivo exclusivo com azevém (OLIVO et al., 2010). Existem diversos questionamentos sobre as condições que otimizam o emprego da sobressemeadura, como a quantidade ideal de sementes e o comportamento da planta de cobertura sobressemeada em diferentes épocas.
Via de regra, para consolidação dessa tecnologia, é necessário que se avaliem e selecionem espécies que apresentem boa adaptação ao cultivo em sobressemeadura, atuando no aperfeiçoamento do sistema de produção (LARA-CABEZAS, 2004).
Cobertura do solo
Além do uso para alimentação animal, tem se os benefícios da sobressemeadura para a produção de cobertura vegetal para o sistema plantio-direto (SPD), estabelecendo com ela um sistema de rotação de culturas que garantam a sustentabilidade desse sistema de produção (BORGHI et al., 2017). Visto que no cultivo da soja destinado a grãos, a cobertura vegetal presente na área não é suficiente para o SPD, pois essa cultura apresenta um aporte pequeno de palha e rápida decomposição do material.
O acúmulo de matéria seca (MS) de forrageiras sobressemeadas em soja para o SPD, na região tropical, percebeu-se que entre as espécies utilizadas, o Megathyrsus maximus cultivar Mombaça foi mais eficiente no acúmulo de MS quando cultivado em sobressemeadura na soja no período de outono/primavera (Tabela 1) e concluiu que o consórcio da soja com as espécies forrageiras braquiárias Urochloa ruziziensis, U. brizantha cv. Marandu, M. maximus cv. Mombaça e Megathyrsus infestans cv. Massai não diminuiu a produtividade de grãos da soja (ANDRADE 2015).
O acúmulo de MS além de proporcionar uma boa cobertura do solo, na sua decomposição acaba liberando nutrientes e então aumentando o teor de matéria orgânica do solo. Assim como uma boa cobertura do solo melhora o impacto da gota de água da chuva no solo, de forma que a mesma não cause desagregação do solo, e infiltre no perfil do solo (ANDRADE 2015). A Embrapa tem intensificado o desenvolvimento e a transferência de tecnologias para recuperação e intensificação de pastagens com sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP), como o Sistema São Francisco, Santa Fé, São Mateus, entre outros no qual trabalha com a sobressemeadura de forrageiras capim sobre soja ou milho, onde usa-se por exemplo capimcolonião (Megathyrsum maximus ex. Panicum maximum) cultivar Mombaça.
O custo da sobressemeadura do capim não é tão alto, por exemplo em 2019, custou R$ 200,00/ha (duzentos reais por hectare), devido ao aumento no preço da semente de Mombaça, que passou de R$10,00 para R$18,00/kg, mas, em 2016, baixou para apenas R$ 100,00/ha. Em contrapartida, o produtor pode obter no mínimo 150 a 180 kg/ha em 80-150 dias de utilização.
Considerações finais
A utilização de plantas forrageiras na técnica de sobressemeadura é uma opção válida para a alimentação animal e também para o aporte de cobertura vegetal (palhada) no sistema de plantio direto (SPD). São muitas as opções de plantas para o uso nesse sistema, devendo ser levada em conta a região de adoção e o objetivo de uso seja para alimentação animal, para cobertura do solo ou para ambos. Embora, necessitamos de mais informações para consolidação da tecnologia de sobressemeadura, existem conhecimentos suficientes para uso dessa tecnologia para aumentar a oferta de forragem no vazio forrageiro outonal, incremento de palhada e raízes para sustentabilidade do SPD.
Agricultores inovadores com acompanhamento de técnicos têm sobressemeado capim-sudão cv. BRS Estribo e milheto (BRS 1503, ADR 300 e 500, entre outros) visando aumento da produção forragem para pastejo fim de verão/outono aliado a maior mobilização de carbono. Por fim, há muitas iniciativas de recuperação de pastagens degradadas ou com baixa produtividade por meio de sobressemeadura de forrageiras de inverno e de verão, sobre pastagens perenes ou nas tradicionais culturas de verão (soja, milho e arroz de inundação).