Características da decomposição e liberação de nutrientes da palhada de sistemas de produção do norte de Mato Grosso


Autores: Silvio Tulio Spera; Laurimar Gonçalves Vendrúsculo; Jorge Lulu, Luiz Gonzaga Chitarra; Fernando Mendes Lamas; Ana Luíza Dias Coelho Borin
Publicado em: 31/12/2019

Introdução

O sucesso na instalação do sistema plantio direto (SPD) em propriedades rurais depende da observação dos três princípios básicos do sistema: revolvimento do solo somente na linha de semeadura, rotação de culturas e manutenção de cobertura de palha permanente (Denardin e Denardin, 2015). A falta de cobertura do solo ou cobertura inadequada, por um período prolongado, tem sido um problema apontado para o adequado manejo do solo de lavouras conduzidas com SPD na região tropical do Brasil (Fidelis et al., 2003).

As lavouras anuais do Mato Grosso são manejadas sem preparo do solo, mas nem sempre em conformidade com os preceitos do sistema plantio direto. Este estudo atende às premissas do item – como é o carbono da biomassa – do Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC) e, portanto, se configura como ação governamental para mitigação e emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e para remoção de carbono da atmosfera (Cordeiro et al., 2012).

Durante o período inicial da implantação e expansão do sistema plantio direto no Brasil, a formação de palhada abundante e persistente para a manutenção e sustentabilidade do sistema, nas regiões de clima quente e úmido do Brasil era considerada um problema de elevada dificuldade à ser resolvido (Borges, 1993; Séguy et al., 1997). A partir de 2010, sistemas intensivos de produção que permitem a produção de quantidades expressivas de palhada após a colheita se tornaram comuns no norte de Mato Grosso (Wruck et al., 2018) e o problema de produção de palhada, por enquanto, pode estar resolvido.

As rotações de culturas contribuem para o efetivo sucesso do SPD, pois proporcionam elevada adição de resíduos culturais ao solo. Porém, cada tipo de resíduo tem uma dinâmica específica de decomposição, o que é determinante na acumulação de matéria orgânica e na mineralização de elementos nutrientes, principalmente o nitrogênio.

O conhecimento da taxa de decomposição de resíduos culturais é importante para monitorar a manutenção da palhada permanente no solo e para se manejar a adubação das culturas de um sistema em função do aproveitamento de nutrientes reciclados no processo (Teixeira et al., 2011). Dentre os fatores que afetam a taxa de decomposição dos resíduos estão a intensidade do contato entre o solo e o resíduo, o regime hídrico, a adição de N no solo pela adubação, temperatura do solo, a relação C/N do resíduo, o teor de lignina do resíduo e a concentração de N no tecido vegetal do resíduo (Medrado et al., 2011). Em manejos conservacionistas, sob clima tropical, preconiza-se a adição de elevadas quantidades de resíduos culturais compensando a rápida decomposição, a fim de manter a superfície do solo protegida durante o maior período de tempo possível e para aumentar a matéria orgânica do solo (Derpsch et al., 2010).

No estado de Mato Grosso, os problemas apontados no SPD são: falta de opções de culturas para rotação e insuficiente e intermitente cobertura do solo. Isto compromete a qualidade das lavouras manejadas com SPD, descaracterizando-as como Agricultura de Baixo Carbono e impedindo as mesmas de terem acesso a linhas especiais de crédito dentro do Programa ABC (Cordeiro et al., 2012). Uma das indagações que os produtores rurais mato-grossenses mencionavam nos primórdios da abertura da agricultura na região centro-norte de Mato Grosso era a pouca opção de espécies vegetais para produção de palha nos sistemas de produção da região (Séguy et al., 1989).

Os objetivos do presente estudo foram determinar o potencial de produção e a dinâmica de degradação e ciclagem de nutrientes da palhada em experimentos de sistemas de produção com sequência de culturas rotacionadas manejadas com SPD e obter informações para recomendação técnica de práticas de manejo de cultivos, no estado Mato Grosso, visando melhor cobertura do solo em modelos de produção com sistema plantio direto.

Trabalhos de campo e laboratório

As atividades de pesquisa de campo foram focadas em aporte de quantidades variadas de fitomassa ao solo a partir de modelos de produção constituídos por monocultivos anuais, sucessões, rotações e/ou consorciações de culturas.

Os sistemas estudados quanto à dinâmica de decomposição da palha, refletindo diferentes intensidades de produção de massa vegetal foram: soja (monocultivo); soja precoce – algodão; soja - milho (safra/ safrinha); soja - milheto (safra/safrinha); soja - milho consorciado com braquiária (safra/safrinha), que constituíram os tratamentos. Foram utilizados experimentos já instalados na Fazenda Carigi, no município de Ipiranga do NorteMT, sobre rotação de culturas conduzidas com SPD.

Foram avaliados a cobertura e a taxa de decomposição da palha o conteúdo de nutrientes da palha e do solo para se estimar a reciclagem e as perdas destes nutrientes no sistema. A decomposição da palha proveniente das plantas dos sistemas de produção foi determinada por meio da coleta de amostras da palhada nos tratamentos. As amostras da palha, posicionada rente ao solo, foram coletadas em intervalos que variavam de 30 a 45 dias (Oliveira e Borszowskei, 2012). Foram efetuadas seis amostragens na primeira e segunda safra, totalizando- doze avaliações por safra.

Os elementos químicos do solo foram analisados conforme métodos descritos em Teixeira et al. (2017) em laboratório da Embrapa e complementados em laboratórios particulares. A análise dos nutrientes do solo e dos tecidos vegetais em decomposição foi avaliada segundo Silva (2009) e Teixeira et al. (2017), em espectrômetro de absorção atômica. O rendimento de grãos e de matéria seca, em cada safra agrícola, foi expresso em kg ha-1. A caracterização climática do local foi obtida a partir de dados de estação automática instalada na fazenda onde foi conduzido a unidade de referência tecnológica e complementado com dados de estações meteorológicas da região. Os dados climáticos foram coletados mediante estação climática automática com coletas de alta frequência e armazenados em planilhas eletrônicas.

Resultados obtidos

A dinâmica da decomposição da palhada de áreas de lavouras de grãos manejadas com sistema plantio direto, na região de transição entre Cerrados e Amazônia, difere em alguns aspectos, da dinâmica de outras regiões agrícolas do Brasil manejadas com esse sistema, conforme pode ser observado ao se comparar resultados de distintas regiões do Brasil (Acosta et al., 2014; Medrado et al., 2011; Teixeira et al., 2011).

Essas diferenças são atribuíveis à fatores agronômicos, mas deve-se considerar, principalmente, o fator edafo-climáticos. O problema da região centronorte de Mato Grosso referente à pouca produção de palha nos sistemas de produção da região tem relação com os sistemas de produção introduzidos na região e ainda vigentes em grande parte das propriedades rurais. A pouca produção de palha no sistema foi constatada no decorrer das atividades de pesquisa desenvolvidas em campo no presente trabalho. Uma das evidências de que a insuficiente produção de palha pode ser um problema importante na qualidade do sistema plantio direto (SPD) da região pode ser demonstrado pelos resultados obtidos no presente trabalho.

O clima quente e úmido do estado de Mato Grosso (Figura 1), classificado como tropical monsônico por Álvares et al. (2014), tem influência determinante na persistência da palhada e na cobertura do solo para o SPD. Os dados de pluviometria mostram grande variação durante o decorrer das estações, o mesmo ocorrendo com os de umidade relativa do ar. Os dados de radiação solar global e os de temperatura mostram pouca variação, sugerindo que as variações no processo de decomposição da palhada durante as estações podem ser fortemente influenciadas pelas duas primeiras variáveis.

Observa-se pelas figuras 2 e 3 que há certa semelhança entre elas, entretanto, uma adequada cobertura nem sem está associada à elevada massa de palhada como acontece com o tratamento B. Nesse caso, apesar de a cobertura do solo ter sido completa, não houve massa seca de palhada compatível com a necessidade de uma cobertura do solo eficiente na proteção contra enxurradas intensas (Torres et al., 2008; Bertol, et al., 2010). A massa seca de palha atingiu, nos tratamentos com milho e milho + braquiária, valores entre 9 e 11 ton ha-1 (ou tonelada por hectare). A soma da palhada da safra e da safrinha, nesses tratamentos atingiram de 14 a 16 ton ha-1 na sequência safra-safrinha.

Esses favorecem a estabilidade dos valores de matéria orgânica no solo. Entretanto, a massa da palhada não se mantém em quantidades estáveis, ocorrendo, pincipalmente nos meses entre dezembro e março, acelerada diminuição da massa seca.

Isso coincide com o período de maior concentração das chuvas, portanto, maior condição ambiental para a decomposição.

Além disso, nesse período ocorre a colheita da soja e, logo após, a semeadura do milho ou algodão. Essas operações promovem a intensificação da decomposição da palha de soja, que em razão da menor relação C/N e da intensa atividade de microrganismo, favorece a menor quantidade de palha remanescente no solo, ainda que haja resíduo do cultivo da safrinha de milho anterior. No caso em que a cultura da safrinha anterior ter sido o algodão, a palhada dessa cultura foi manejada na operação obrigatória de destruição da soqueira para o controle do bicudo-do-algodoeiro (Lamas e Chitarra, 2014).

A destruição da soqueira do algum também reduz a cobertura do solo com palha no mês de agosto, conforme pode ser observado na Figura 3. A maioria dos estudos sobre decomposição da palhada sempre avaliou culturas isoladamente ou em sequências, e também, somente a palhada de uma cultura. A avaliação de sequência de palhada acumulada em cada safra, com primeira e segunda safra seguidas, sem intervalos, e com sistemas de produção que incluíam mais de uma espécie, ainda não foi encontrada em nenhum artigo da literatura brasileira atual sobre o assunto.

A palhada, em sequências de cultivos com rotação de mais de duas espécies, tem composição física que difere da palhada de espécies avaliadas isoladamente. Constata-se que é uma palhada que contem resíduos e fragmentos identificáveis de culturas de até duas ou três cultivos anteriores, ainda parcialmente não decompostos. São detritos ainda não decompostos de caules e cascas de vagens de soja e de crotalária; caules, ramos secundários e capulhos de algodão; colmos, raízes adventícias e sabugos de milho; colmos de braquiária, talos de espécies invasoras, etc.

As folhas e estruturas florais são rápida e totalmente decompostas. No norte de MT a estação seca atinge até 6 meses, com elevada temperatura e nessa condição a braquiária consorciada com milho atinge estádio de senescência, restando no máximo cerca de 15% de folhas com coloração esverdeada pálida, indicando alguma atividade celular, diferentemente do que observaram Ceccon et al. (2011).

Essa mescla de materiais de diferentes origens (gramíneas, leguminosas e malváceas) conferiram à palhada dos sistemas de produção rotacionados uma acumulação variável de nutrientes e decomposição heterogênea. Os valores de C (Figura 4) e nitrogênio (Figura 5) tiveram variação durante a safra, mas com curvas de valores semelhantes. A relação C/N variou pouco entre os tratamentos, mas nos tratamentos contendo milho ou milho + braquiária no sistema, tiveram valores elevados de relação C/N na entressafra de 2017 (Figura 6).

Isso pode ser atribuído ao baixo teor de N na palhada, o qual pode ter sido provavelmente ser devido à alguma condição climática que favoreceu perda por evolução do nutriente, como por exemplo, um aumento acelerado da umidade relativa do ar (Calonego et al., 2012).

Os valores de massa seca da palhada são semelhantes àqueles obtidos por Pacheco et al. (2013) em experimentos conduzidos sobre sequencias de culturas que incluíam consórcio de milho, milheto e braquiária ruziziensis no Cerrado. No presente estudo, os valores de N, P e K, da palhada (figuras 5, 7 e 8) são equivalentes aos encontrados por Pacheco et al. (2013) e Cavalli et al. (2018), sendo este último em estudo conduzido no Mato Grosso.

A Relação C/N (Figura 6) teve um acréscimo, no início da semeadura da soja em 2017, em vários tratamentos nos quais houve aporte anterior de palhada de milho e ou braquiária. Isso pode estar relacionado ao acúmulo de palha de gramínea e ao acelerado consumo de N por microrganismos nos momentos em que antecederam à emergência e crescimento inicial de lavouras de soja nas parcelas.

Pacheco et al. 2013 aponta que o uso de gramíneas como o milho, o milheto, mas principalmente a braquiária propiciam elevado acúmulo de biomassa e reduzida decomposição durante a entressafra. Esses valores de relação C/N são semelhantes aos obtidos por Boer et al (2008), em estudo realizado em Goiás e por Teixeira et al. (2011) no estado do Rio de Janeiro.

O maior rendimento de massa seca da palhada de milho + braquiária não resultou maior conteúdo de N acumulado na palhada sugerindo que esse consórcio, na condição de elevada temperatura do norte de MT, perde N mais rapidamente. Os teores de C, P e K do solo também foram avaliados no presente estudo (figuras 9, 10 e 11). O carbono do solo, conforme observado na Figura 9, aumentou em todos os tratamentos, com destaque para os tratamentos que tiveram milho + braquiária em uma das safras.

O histórico da área onde foram instaladas as parcelas indica que, por 9 anos consecutivos, houve uma sequência de cultivos de soja na primeira safra e algodão na segunda safra. A partir de 2016, houve a implantação de sequências de culturas nas faixas A, B e C. Ocorreu também a substituição do método de destruição obrigatória da soqueira de algodão. Isso pode ter alterado as condições edáficas e biológicas de equilíbrio do C no solo.

Entretanto, após dois anos, foi possível constatar incremento do C no solo, principalmente nos tratamentos que já haviam sido cultivados com milho e ou milho + braquiária na safra 2016-2017. Isso também foi constatado em experimentos desenvolvidos por Pacheco et al. (2013), Coletti Jr. et al. (2015), Petter et al. (2017), entre outros. As variações no solo dos nutrientes P e K podem ser atribuídas principalmente a aplicações de fertilizantes e corretivos, porém, em alguns casos se pode afirmar que houve significativa contribuição da decomposição da palha na disponibilização desses nutrientes.

No caso da soja, que depende de inoculantes à base de Rhizobium spp. para a nutrição com N, 50 a 80% do N da palha pode ter sido reutilizado pela bactéria, bem como 3 a 10% do P e 20 a 60% do K. Cavalli et al. (2018) relatam que a palha de alta qualidade de um consórcio pode conter elevada quantidade e concentração de nutrientes, provendo K suficiente para atender a demanda da soja.

Isso foi constatado em outubro de 2017 na palha resultante dos consórcios com milho + braquiária (Figura 8), porém não se refletiu subsequentemente na quantidade de K no solo (Figura 11), podendo a elevada concentração do K na palha do tratamento Ce ter sido decorrente da aplicação antecipada e excessiva do nutriente na cultura anterior de algodão. No caso do milho, que é cultura muito dependente de N, 15 a 35% do nutriente pode ter sido reciclado da palhada, 4 a 12% do fósforo e 30 a 80% do K.

 O cultivo do algodão pode ter aproveitado 6 a 8% do N da palhada, 1 a 3% do P e 15 a 25% do K.

Produção de grãos e fibras nos sistemas de rotação de culturas

A produção de grãos de soja e milho e de fibras de algodão variaram com os anos e dentro dos sistemas. A soja teve acréscimos nos rendimentos de grãos entre 2016/2017 e 2017/2018 (figura 13), nos tratamentos A, B e D.

No tratamento A, não houve aumento na dose de fertilizantes aplicada no modelo de rotação proposto pela Embrapa. Nos modelos B e D, houve aumento de 18% na quantidade de fertilizante aplicada nas culturas de soja e milho entre a safra de 2016/2017 e a de 2017/2018 por conta da mudança na gestão da propriedade Fazenda Carigi (Figura 12).

Isso favoreceu o aumento da produção dessas culturas, com destaque para o milho (Figura 14) que teve expressivo aumento na produção, e isso pode ser atribuído ao melhor aproveitamento dos nutrientes provenientes da adubação e da reciclagem. Quanto ao algodão, a produção (Figura 15), foi mantida a quantidade de fertilizantes pela gestão da fazenda (Figura 12), a qual já era maior do que as recomendações para a cultura feitas pela Fundação Mato Grosso (Zancanaro e Kappes, 2015).

Conclusões

A decomposição da palhada em sistemas de produção integrados ou mistos diferem das de sistemas com monocultura em vários aspectos, principalmente porque sucessões de produções mistos compõem palhadas de diferentes espécies e famílias botânicas, o que resulta em mudanças nas relações C/N da palhada;

Os sistemas de produção que incluem milho ou o consorcio milho + braquiária, mesmo que a cada dois anos, produzem maior massa seca de palhada e favorecem o acúmulo de carbono (matéria orgânica) no solo; O teor de nitrogênio, fósforo e potássio estão relacionados com a quantidade de matéria seca da palhada, independente da relação C/N; O maior aporte de palhada no solo favorece aumento dos rendimentos de grãos de soja e milho.