Joanei Cechin, Dirceu Agostinetto, Leandro Vargas
Reduzir a interferência do azevém nos cultivos: este é o desafio para técnicos e agricultores que buscam otimizar o manejo e evitar prejuízos. Em diversas áreas, a ocorrência de falhas no controle e aumento da resistência do azevém a herbicidas causa preocupação, evidenciando a necessidade de medidas de manejo. Todavia, num cenário onde as opções de herbicidas com mecanismo de ação diferente são cada vez mais limitantes, o que podemos fazer como estratégias de manejo para minimizar os efeitos negativos?
A ocorrência de plantas daninhas em diversas áreas de cultivo aliado a elevada capacidade competitiva pode causar perdas significativas a produtividade. Em cereais de inverno, o azevém (Lolium multiflorum Lam.) é considerada a principal planta daninha infestante, com perdas podendo chegar a 80% dependendo da densidade populacional e do manejo adotado (BARARPOUR et al., 2018). Esta espécie daninha anual e pertencente a família Poaceae, apresenta bom desenvolvimento em diversos tipos de solo e alta capacidade de emitir afilhos que permitem elevada produção de sementes, realimentando o banco do solo entre setembro e outubro, antes da colheita dos cereais de inverno (MAIA et al., 2009).
A dinâmica populacional do azevém no solo envolve a formação de um banco de sementes transitório, com elevada dormência após liberação da planta-mãe e germinação escalonada ao final do verão e início do outono, estratégia importante no processo de sucessão, mas que dificulta o manejo adequado da espécie dentro de sistemas agrícolas (Figura 1). Em cereais de inverno, o manejo químico de plantas daninhas com herbicidas tem sido amplamente utilizado como principal ferramenta para controle na pré e pós-emergência. Durante anos, a dessecação do azevém para semeadura do trigo é realizada com o glifosato, um herbicida inibidor da enzima 5-enolpiruvilshiquimato3-fosfato sintase (EPSPs), muitas vezes aplicado em doses abaixo da recomendada e estádios avançados de desenvolvimento da planta daninha. Em outros casos, a dessecação do azevém com glifosato inclui a associação com herbicidas inibidores da enzima acetil coenzima A carboxilase (ACCase), visando assegurar um bom nível de controle para semeadura em área limpa (Tabela 1).
Outras opções herbicidas para dessecação na pré-semeadura da cultura incluem o paraquat, paraquat + diuron ou glufosinato de amônio, onde a aplicação deve ser realizada em plantas de azevém jovens em estádio inferior a 4 folhas. Já, os herbicidas pré-emergentes, possuem papel importante para reduzir a pressão de seleção dos herbicidas aplicados na pósemergência, importantes para reduzir as infestações e a competição inicial do azevém nas culturas (Tabela 1). No entanto, o pyroxasulfone, ainda em fase de registro junto ao Mapa, nos próximos anos poderá ser utilizado nessa modalidade de aplicação para manejo de azevém resistente, visto seu efeito residual e mecanismo de ação diferente (inibidor da síntese de ácidos graxos de cadeia muito longa - VLCFA) que afetam o crescimento do meristema apical e coleóptilo após germinação (TANETANI et al., 2009).
Na pós-emergência, o manejo químico tem sido amplamente realizado com herbicidas inibidores da enzima acetolactato sintase (ALS) como o iodosulfuron-metílico e, mais recentemente, com piroxsulam, devido sua seletividade ao trigo e amplo espectro de controle sobre as plantas daninhas infestantes da cultura. Para manejo de azevém na pós-emergência do trigo, as opções de controle químico podem ser desempenhadas com os herbicidas inibidores da ACCase como o clodinafop-propargil e pinoxaden. No entanto, o uso repetido de herbicidas sem alteração de mecanismo de ação dentro de uma mesma área favoreceu a seleção de biótipos resistentes e evolução da resistência, dificultando o controle e aumentando o custo devido o limitado número de moléculas disponíveis no mercado com registro para manejo do azevém em cereais de inverno (POWLES, YU, 2010; KAUNDUN et al., 2013). Com a intensificação do controle químico e aumento dos relatos de resistência cruzada e múltipla a herbicidas nos últimos 20 anos, o manejo de azevém tem ocasionado grande preocupação entre os pesquisadores, técnicos e agricultores, visto que novas alternativas para manejo químico de biótipos resistentes são cada vez mais escassas. Atualmente, estima-se que a infestação de azevém resistente ao glifosato no Brasil é superior a quatro milhões de hectares, com a maioria delas localizadas Estado do Rio Grande do Sul (Figura 2A), azevém resistente aos inibidores da ALS em área superior a 1.200 hectares (Figura 2B) e, com inibidores da ACCase com infestações superiores 1.000 hectares (Figura 2C). Além disso, as falhas de controle resultam em perdas de rendimento das culturas e aumento do custo de produção, podendo ser até 400% maior em função da necessidade de aplicação de herbicidas com mecanismos de ação distinto ou outros métodos de controle.
Ao avaliar os níveis de resistência de biótipos de azevém resistentes ao glifosato foram evidenciadas a necessidade de doses superiores a 5.760 g e.a. ha-1 para controle de 50% da população (ROMAN et al., 2004). Já, experimentos de curva dose-resposta demonstraram elevado nível de resistência em biótipos de azevém resistente aos inibidores da ALS (iodosulfurom-metílico) e ACCase (cletodim), com necessidade de doses superiores a 150 e 1820 g i.a. ha-1 para controle de 90% (MARIANI et al., 2016; SCHNEIDER et al., 2016).
A resistência de plantas daninhas a herbicidas abre um leque de preocupações para agricultores, técnicos e indústria, com necessidade de mudanças quanto a adoção de estratégias de manejo e custos de controle, especialmente num cenário com escassez de mão-de-obra e cobrança da sociedade quanto a produção sustentável e com menor efeito ao ambiente. Nesse sentido, as reduções do azevém com práticas de manejo integrado devem considerar os sistemas de cultivo, com conhecimento adequado sobre a biologia da espécie e suas características no ambiente agrícola. No sul do Brasil, a germinação do azevém ocorre entre os meses de março a junho, período que coincide com o término das culturas e ocorrência de temperaturas mais baixas (<15oC). Além disso, nossos estudos evidenciam que posicionamento da semente no perfil exerce papel importante na emergência e estabelecimento das plântulas, visto que há redução significativa para profundidades superiores a 2,5 cm.
Nesse período, diversas áreas de cultivo são ocupadas com pastagem na interação lavoura-pecuária, especialmente na metade-sul do RS, ou ainda, são destinadas como cobertura vegetal para o sistema de semeadura direta (Figura 3). Em outra mão, o manejo das áreas na entressafra inclui período sem manejo do solo (pousio) ou utilização de plantas de coberturas como nabo antes da semeadura do trigo. Cabe ressaltar, que esses sistemas podem alterar quanto as estratégias agrícolas dentro do ciclo produtivo, mas oferecem oportunidades para manejo do azevém que podem auxiliar significativamente na redução das infestações para safras futuras. Pensando nessa linha onde as opções de manejo químico são limitadas para controle de azevém em cereais de inverno, especialmente em áreas com biotipos resistentes a herbicidas, é necessário mudança de atitudes visando reduzir a interferência e evolução da resistência.
Com base no ciclo de vida da espécie, as principais práticas devem concentrar esforços na diminuição da realimentação do banco de sementes do solo, considerada a principal fonte para futuras infestações e ponto-chave do manejo. Estudos recentes reportam que uma planta adulta crescendo livremente em áreas com boa fertilidade pode produzir mais de 10 mil sementes viáveis. O cenário pode se tornar mais agravante à medida que não há limitação de informações quanto a permanência das sementes no solo após sua maturação. Pensando nisso, foi desenvolvido um estudo com a incorporação de sementes de azevém em diferentes profundidades para avaliar sua longevidade no banco de sementes do solo. Os principais resultados evidenciaram que, independente da profundidade, mais de 95% das sementes são inviáveis ou incapazes de gerar uma plântula normal nas avaliações realizadas aos 540 dias após sua liberação da planta-mãe (Figura 4).
A maior deterioração das sementes na camada superficial pode ocorrer em função das mudanças de temperatura e umidade do solo bem como maior predação por microrganismos do solo, importantes para aumento da mortalidade e liberação da dormência e redução da persistência no banco do solo. A capacidade e a presença de espécies daninhas em áreas de cultivo estão relacionadas com a presença no banco de sementes e capacidade de liberação da dormência, podendo interferir em maior grau dependendo do momento em que emergirem (GHERSA et al., 1997).
Outra frente que pode ser trabalhada, refere-se a escolha da cultura em sucessão ao inverno para áreas manejadas com pousio. Como podemos observar na figura 2, a escolha da cultura do milho com semeadura até meados de setembro, pode representar uma alternativa para redução da realimentação do banco de sementes do solo, visto que o azevém não completou seu ciclo de vida e, a maioria das sementes, ainda são imaturas e com baixa capacidade de ocupar o banco do solo (Figura 5). As avaliações dentro de dois anos de estudo evidenciaram que o uso de milho resistente ao glifosato em sucessão ao pousio invernal pode reduzir 39 e 74% o banco de sementes do solo. Ao preconizar o uso de soja resistente ao glifosato com semeadura realizada na segunda quinzena de outubro, o banco de semente do solo na camada de 0-5cm aumentou 68 e 677%. Em curto e longo prazo, a redução na produção de sementes de Lolium rigidum resultou em banco de semente 45% menor, resultando em maiores benefícios econômicos com redução no uso de herbicidas e menor impacto sobre a produtividade das culturas a longo prazo (GONZALEZ-ANDUJAR; FERNANDEZ-QUINTANILLA, 2004).
De maneira auxiliar, a inviabilização das sementes de azevém com herbicidas alternativos pode representar em menor entrada de sementes viáveis no banco do solo, contribuindo na redução de infestações futuras. A inibição de processos fisiológicos em função da aplicação de herbicidas pode afetar a formação das sementes, resultar em perda da qualidade fisiológica e aumento de sementes mortas (CAMPOS et al., 2012). Cabe ressaltar que, a inviabilização das sementes de azevém com herbicidas depende do estádio de desenvolvimento da planta para que haja efeito sobre a qualidade fisiológica. Em azevém, nossos resultados evidenciam que a aplicação de paraquat (200 g i.a. ha-1) ou glufosinato de amônio (400 g i.a. ha-1) para plantas com semente molepastosa pode reduzir mais de 98% a produção de sementes viáveis. No entanto, o atraso da aplicação resulta em maior produção de sementes viáveis com capacidade de ocupar o banco do solo. Em trigo, a aplicação do herbicida paraquat em estágio de enchimento da semente (até massa mole-pastoso) reduziu significativamente a germinação devido o dano oxidativo causado nas estruturas de membrana (BELLÉ et al., 2014). Para plantas daninhas, a capacidade de explorar os recursos do ambiente e ocupar determinada área depende do vigor inicial de plântulas e do momento que ocorre a emergência comparado a cultura.
Como estratégias no período de inverno, a utilização de coberturas de solo e/ou substituição do trigo por plantas com elevada habilidade competitiva visando a supressão do azevém e, consequentemente, menor desenvolvimento e realimentação dos bancos de sementes do solo, pode ser vista como fundamental para a sustentabilidade dos sistemas de produção. A habilidade competitiva refere-se à capacidade das plantas ocupar determinado espaço e utilizar os recursos (luz, água, nutrientes) do ambiente, limitando aos seus vizinhos. Com base no ciclo de vida do azevém e período de ocorrência, algumas coberturas de solo de inverno foram testadas durante três anos consecutivos na sucessão a soja. Os resultados obtidos demonstraram que o uso de aveia-preta, nabo, centeio ou ervilhaca podem reduzir entre 70 a 98% as infestações de azevém com apenas uma safra ou dentro dos três anos avaliados (Figura 6).
O manejo da área pós-colheita da soja incluiu o herbicida paraquat+diquat na dose de 200+100 g i.a ha-1, usado para dessecação e semeadura das culturas de inverno em área limpa. As características de planta observadas para supressão de azevém foram a maior estatura e acúmulo de matéria seca das coberturas. Diversos trabalhos reportam que a redução na infestação de plantas daninhas em sistemas sem perturbação do solo ocorre quando há grande quantidade de resíduos de cobertura. No entanto, os efeitos da supressão dependem do rápido crescimento inicial das coberturas de solo, encontrado especialmente em gramíneas como centeio e aveia-preta que apresentam plantas com maior estatura, crescimento vigoroso e maior acúmulo de matéria seca. Após o estabelecimento inicial, culturas de cobertura com crescimento vigoroso e rápido competem fortemente por espaço, luz, nutrientes e recursos limitados do ambiente, reduzindo o desenvolvimento de plantas daninhas e a realimentação do banco de sementes do solo após seu amadurecimento (Figura 7). Além disso, a supressão de plantas daninhas com plantas de cobertura pode ocorrer pelo efeito combinado da competição e alelopatia. Efeitos inibitórios na germinação, crescimento e desenvolvimento de plântulas podem ocorrer devido a liberação de compostos fitotóxicos via exsudação radicular ou decomposição da palhada de coberturas de inverno como centeio e nabo (MACÍAS et al., 2019).
Recentemente, o azevém tetraploide dentro de sistemas produtivos pode representar uma alternativa ao azevém diploide resistente, especialmente em áreas destinadas a pastagem para o gado ou como planta de cobertura de solo para o sistema de semeadura direta. A duplicação gênica do azevém tetraploide promoveu alterações importantes como período vegetativo mais longo com rápido crescimento inicial, maior número de afilhos por planta e acúmulo de massa seca além de melhor qualidade forrageira (Figura 8). Como aspecto de manejo, a utilização de azevém tetraploide apresenta grande produção de massa seca e, devido seu ciclo mais longo, a realimentação do banco de sementes seria limitada. Resultados prévios com cultivares de azevém tetraploide indicam que ciclo de vida médio é 60 dias maior que o diploide. Todavia, cabe ressaltar, que a dessecação do azevém tetraploide na pré-semeadura das culturas com glifosato deve ser realizada de forma adequada e, em dose herbicida 1,5 vezes maior comparado as doses usadas para manejo de azevém diploide suscetível (DORS et al., 2010).
Em geral, algumas medidas para manejo de azevém resistente visando reduzir infestações devem focar na redução da realimentação do banco de sementes do solo. Dessa forma, enfatizamos alternativas importantes que, no nosso entendimento, impactam fortemente na presença do azevém no campo a curto e longo prazo:
1) Planejamento do sistema produtivo no inverno e verão com base nos aspectos ecofisiológicos do azevém, buscando opções herbicidas distintas e complementares dentro do manejo integrado para que a área seja semeada no limpo;
2) Rotação de culturas de verão, priorizando o milho como cultura na sucessão ao pousio para reduzir a produção de sementes;
3) Antecipar a dessecação do azevém com herbicidas, buscando aplicações antes da planta atingir o estádio de sementes com massa pastosa;
4) Coberturas de solo com alta produção de massa seca, estatura elevada e crescimento inicial rápido na entressafra e/ou durante o inverno.
5) Substituição do azevém diploide por tetraploide, desde que haja bom planejamento quanto ao controle dessas populações.
Dessa forma, as práticas de manejo do azevém e de outras plantas daninhas devem dar ênfase ao manejo integrado, visando reduzir a realimentação do banco de sementes do solo e futuras infestações, tornando o controle químico como ferramenta auxiliar e complementar do manejo, importante para reduzir a pressão de seleção e ocorrência de novos casos de resistência de plantas daninhas a herbicidas.
Lembre-se que, o sucesso no controle de plantas daninhas depende das decisões de manejo que você toma.