Resistência de trigo à brusone: novas possibilidades de identificação


Autores: Camila Vancini; Jéssica Rosset Ferreira; Natália Forchezato Webber; Carolina Cardoso Deuner; Gisele Abigail Montan Torres; Luciano Consoli; Claudine Dinali Santos Seixas; Alexei de Campos Dianese; Augusto César Pereira Goulart; Hebert Hernán Soto-Gonzáles
Publicado em: 31/10/2019

A brusone de trigo é uma doença causada por Magnaporthe oryzae (Pyricularia oryzae), classificado mundialmente como o fungo fitopatógeno de grande importância científica e econômica (DEAN et al., 2012). Ataca mais de 100 espécies de gramíneas, causando também a brusone do arroz, uma das principais doenças dessa cultura (CHOI et al., 2013).

O sintoma da doença caracteriza-se pela descoloração ou “branqueamento” da espiga, que se inicia no ponto de penetração do fungo na ráquis da planta infectada (Figura 1). Quando a doença ocorre precocemente em espigas de trigo, provoca a má formação dos grãos com diminuição do tamanho e do peso específico (GOULART et al., 2007), o que causa reduções na qualidade e rendimento dos grãos (Figura 2).

O primeiro relato mundial da ocorrência da brusone em trigo foi feito em 1985, no Brasil, no estado do Paraná. Desde então, a doença estava restrita a países situados na América do Sul: Bolívia, Paraguai e Argentina. Em 2016, a doença foi registrada em Bangladesh (MALAKER et al.

, 2016), país situado no continente asiático, e que teve 15% da área cultivada com trigo comprometida. A Ásia produz anualmente 135 milhões de toneladas de trigo, sendo a Índia (país vizinho a Brangladesh) o segundo maior produtor do mundo, com 90 milhões de toneladas. A expansão da brusone para áreas além do continente americano deixou a comunidade cientifica alarmada, visto que em regiões onde o clima é favorável, a doença pode comprometer até 100% do rendimento da cultura (KOHLI et al., 2011). No Brasil, entre os meses de fevereiro e abril de 2019, condições ambientais favoráveis e semeaduras antecipadas determinaram alta incidência da doença, inclusive nas folhas (BRUSONE, 2019). Sob condições de altas temperaturas e umidade, a eficiência dos fungicidas registrados para o controle da brusone de trigo é reduzida. Além disso, as condições de aplicação dos produtos químicos (como tipos de pulverizadores, bicos e volume de calda) e a própria anatomia das espigas de trigo dificultam a cobertura das espigas e ráquis, partes da planta onde o patógeno causa os maiores danos.

Nesse contexto, a busca por fontes de resistência genética tem sido o objetivo constante dos pesquisadores. De 2002 até 2019, dez genes de resistência de trigo a isolados de M.

oryzae foram identificados, sendo alguns raça-específicos, ou seja, para cada gene de resistência do hospedeiro há um gene de avirulência do patógeno, que é complementar e reconhecido pelo hospedeiro. O fungo causador da brusone tem alta variabilidade genética, e mutações nos genes de avirulência impedem que haja o reconhecimento pelos genes de resistência da planta. Cultivares de arroz com esse tipo de resistência raça-específica frente a M. oryzae podem ter a resistência quebrada em dois ou três anos de cultivo (WANG & VALENT, 2017).

Para trigo, foi observado que linhagens derivadas da cultivar Milan do CIMMYT mostravam alto nível de resistência a M. oryzae (KOHLI et al., 2011). Milan possui uma translocação cromossômica denominada 2NS/2AS. Translocações cromossômicas são rearranjos estruturais entre cromossomos, onde ocorre uma troca de segmentos de DNA entre os cromossomos. Essas alterações podem ser espontâneas ou fruto de tratamentos experimentais, como por exemplo, cruzamentos entre plantas. No caso específico da translocação 2NS/2AS, trata-se de um fragmento oriundo do cromossomo 2NS de Aegilops ventricosa (espécie aparentada ao trigo) e que foi transferido para o cromossomo 2AS de trigo.

A presença da translocação pode ser identificada através da análise de DNA das plantas e, especificamente para a 2NS/2AS há iniciadores (primers) disponíveis na literatura que possibilitam a amplificação do fragmento de interesse (HELGUERA et al., 2003). Na translocação 2NS/2AS há genes de resistência para as três ferrugens do trigo (ferrugem da folha, ferrugem do colmo e ferrugem amarela/estriada) e também a nematoides dos gêneros, Heterodera spp. e Meloidogyne spp.. Mais recentemente, também foi identificada a presença dessa translocação em acessos de trigo com baixas intensidades de brusone (CRUZ et al., 2016).

Com o interesse de se avaliar o quanto a translocação 2NS/2AS contribui para a resistência de genótipos de trigo utilizados em programas de melhoramento no Brasil foi analisada a presença dessa translocação em 15 genótipos de trigo identificados como resistentes em condições de viveiros de brusone na Embrapa Trigo. Ao todo, 17 genótipos de trigo, sendo 15 resistentes em condições de viveiros e duas cultivares suscetíveis (Anahuac 75 e BRS 209) (Tabela 1). As sementes foram incubadas em papel de germinação, por um período de sete dias, para a coleta das folhas e subsequente extração de DNA.

Para as reações de amplificação (com os iniciadores (VENTRIUP: AGG GGC TAC TGA CCA AGG CT, e LN2: TGC AGC TAC AGC AGT ATG TAC ACA AAA) foram empregados como controles, positivo e negativo respectivamente, DNA das cultivares VPM1 e Thatcher. A amplificação de fragmento de 259 pares de bases, indica a presença da translocação. Como resultado, entre os genótipos resistentes somente CBFusarium ENT014 e CPAC 07434 amplificaram o marcador VENTRIUP/LN2, indicando a presença da translocação 2NS/2AS (Figura 3, Tabela 2).

CBFusarium ENT014, é um genótipo pertencente a bloco de cruzamento (crossing block, CB) do Cimmyt (VAN GINKEL et al., 2002). No caso desse acesso, ele integrava bloco de cruzamentos visando à seleção de linhagens com resistência à giberela (causada por Fusarium spp.). Já a linhagem CPAC 07434 foi desenvolvida pela Embrapa Cerrados, para a região do Brasil Central, mas não chegou a ser promovida enquanto cultivar. Entre os demais genótipos resistentes avaliados (13), e que não possuem a translocação 2NS/2AS, cinco são estrangeiros. Por ser a brusone de trigo uma doença originalmente brasileira, entre os materiais estrangeiros, somente a cultivar norte-americana Thatcher havia sido caracterizada quanto à reação à brusone.

Foi nessa cultivar, que em 2008, foram identificados os primeiros genes de resistência de trigo a isolados do patógeno obtidos de trigo, efetivos em plantas jovens. Para o genótipo Trigo Chapéu, não se tem informação de passaporte, nem se sabe precisamente se foi introduzido do exterior. Ele é cultivado no Rio Grande do Sul para uso em artesanato, devido ao seu longo pedúnculo. Por fim, nove genótipos resistentes em viveiros de brusone e sem a translocação, são oriundos do Brasil.

Entre as seis cultivares brasileiras caracterizadas, BRS Angico, Embrapa 27 e Safira não haviam sido caracterizadas quanto à reação de espigas à brusone, de acordo com as Informações Técnicas para Trigo e Triticale. Para Embrapa 27 já havia relato em artigo científico indicando sua resistência em estádio de planta jovem (CRUZ et al., 2010). Para as linhagens (CPAC 07340, PF 020450 e PF 909) não se dispunha de informação quanto à reação à brusone. O primeiro trabalho que cita associação da presença da translocação 2NS/2AS com a resistência à brusone data de 2011 (KOHLI et al., 2011). Desde então, vários outros estudos foram realizados indicando que o efeito da presença dessa translocação parece ser dependente tanto da constituição genética dos acessos quanto das condições consideradas de avaliação da doença (CRUZ et al., 2016; FERREIRA et al., 2017; PIZOLOTTO et al., 2017; CARDOZO TÉLLEZ et al., 2019).

Portanto para os genótipos CBFusarium ENT014 e CPAC 07434, que são resistentes à brusone e amplificaram o marcador da translocação 2NS/2AS, será importante determinar o quanto essa translocação contribui para a resistência nas condições de cultivo brasileiras. Esse trabalho traz como informação importante que as duas principais fontes de resistência durável à brusone no Brasil, as cultivares BR 18 e BRS 229, não possuem a translocação.

Acreditase, assim, que a resistência por elas apresentadas dependem de outros genes ou QTLs diferentes daqueles presentes na translocação 2NS/2AS. Na verdade, a quase totalidade das características de importância agronômica são determinadas por vários genes (ou locos gênicos) atuando em conjunto. A identificação das regiões no genoma onde esses genes estão localizados (QTL, locos de resistência quantitativa) possibilitará determinar qual é a contribuição desses genes para a característica de interesse – no caso resistência à brusone, e usar essas informações em análises de DNA para o desenvolvimento de cultivares mais resistentes do que as atualmente disponíveis. Com esse objetivo, de identificação e aplicação de QTLs de resistência é que vêm sendo desenvolvidas pesquisas na área de biotecnologia na Embrapa Trigo.