Roberto Serena Fontaneli, Arthur Pegoraro Klein, Renato Serena Fontaneli, Henrique Pereira Dos Santos, Vladirene Macedo Vieira, Marcelo André Klein, Emanuel Cassol Dall’agnol, Lucas Biasus Dos Santos, Fernanda Maseto Agostini
Introdução
Os empreendedores do campo devem explorar de maneira racional os recursos da propriedade, para assim obter sustentavelmente o máximo proveito da atividade ali exercida. No sul do Brasil, menos de 20% das lavouras utilizadas para a produção de grãos no verão são cultivadas no inverno, levando ócio a grandes áreas com potencial produtivo. A utilização da área agricultável no inverno pode ser uma importante ferramenta para a intensificação do processo produtivo, principalmente da bovinocultura de leite, responsável por grande parte da renda das famílias e desenvolvimento das cidades interioranas. A produção de cereais de inverno nas áreas ociosas durante o inverno para produção de forragem e a conservação do alimento excedente em forma de feno e silagem é uma estratégia a ser considerada para intensificar a produção pecuária no sul do Brasil. Pois reduz os riscos de falta de alimento para os animais durante o ano e permite destinar mais área no verão para produção de grãos em detrimento de silagem de milho (BUMBIERIS et al., 2011).
As espécies semeadas no inverno melhoram as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, reduzem a incidência de doenças e pragas nas culturas subsequentes e fornecem biomassa para manutenção da cobertura do solo suprimindo as plantas daninhas e reduzindo a erosão (FEDERIZZI; MUNDSTOCK, 2004). Em muitos países europeus, como Alemanha, Itália e Inglaterra, a utilização das silagens de cereais de inverno como fonte de volumosos de qualidade é uma prática comum. Os animais que recebem silagens de cereais de inverno como volumoso apresentam adequados níveis de desempenho. Na região Sul do Brasil os cereais de inverno são cultivados com os propósitos de produção de grãos, cobertura para a o sistema plantio direto e alimentação animal na forma de pastejo, feno e silagem. A produção animal, baseada no uso de pastagens e de forragens conservadas, é uma das alternativas mais competitivas e rentáveis de exploração do fator produtivo da terra. Todos os cereais de inverno possuem características que permitem a sua utilização para a produção de silagem (LEHMEN et al., 2014).
A concentração de carboidratos solúveis e o teor de matéria seca são essenciais para que o processo fermentativo no silo ocorra adequadamente (ROOKE; HATFIELD, 2003). Quando o cereal de inverno é colhido no momento adequado e o processo de ensilagem é realizado corretamente, o alimento conservado pode apresentar valores de proteína superiores ao da silagem de milho, entretanto com menor valor energético e mais fibras. O sistema de produção que vem crescendo na região sul do Brasil é o sistema de duplo cultivo de verão soja-milho safrinha, ao invés do duplo cultivo verãoinverno, em que a sucessão sojatrigo é a mais tradicional. Esse sistema já é estabelecido em regiões do Paraná e vem sendo experimentado por produtores na região noroeste do Rio Grande do Sul. No noroeste do RS, a sucessão mais utilizada é milho e soja safrinha, com semedura de milho em final de agosto e colheita em meados de janeiro, seguido de semeadura de soja safrinha com cultivares de ciclo tardio.
Em anos com chuvas que atendam a demanda hídrica da cultura a produtividades chega a 50 sc/ha. As boas produtividades da soja safrinha permitiu a viabilidade econômica desse sistema e a volta do cultivo de milho no sistema plantio direto naquela região (https://www.youtube.com/ watch?v=AXgTe3i6stU) Nesse artigo são apresentados dados e reflexões com possíveis alternativas para a condução das lavouras visando à conservação de forragem, com ênfase na ensilagem. Inclui aspectos da colheita, processamento, conservação e alimentação dos animais. A oportunidade de aumento de produtividade dos cerca de 27 milhões de bovinos da região Sul-brasileira deve ser considerada como importante ferramenta para geração de renda, serviços e desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade ambiental.
Conceito e classificação de silagens
Silagens podem ser definidas como produto da fermentação de culturas agrícolas, em condições de anaerobiose, cujos princípios básicos é a fermentação de açúcares por bactérias, com produção de ácidos orgânicos e consequentemente redução do pH da massa ensilada (JOBIM; NUSSIO, 2013). Embora pareça um processo de simples conversão de açúcares da planta como glicose e frutose em ácido lático por bactérias em uma fermentação anaeróbica. Quando uma quantidade adequada de ácido lático é produzida, toda atividade microbiológica é paralisada e a silagem fica armazenada anaerobicamente até o silo ser aberto para alimentação dos animais (ROOKE; HATFIELD, 2003).
Estes autores destacam três complicadores da otimização do processo de ensilagem, primeiro porque sempre há um período aeróbico antes e após o processo de ensilagem (fechamento e abertura do silo); segundo não somente açúcares simples são os únicos substratos metabolizados e, terceiro, outras enzimas da planta e outras espécies de microrganismos competem por substrato. As silagens podem ser classificadas como de corte direto (>70% umidade), silagem emurchecidas (entre 60 e 70% umidade) e de baixa umidade (entre 45 e 60% de umidade), sendo o processo de conservação de forragem que minimiza as perdas de matéria seca (MS) na colheita e armazenamento (COLLINS; MOORE, 2018).
As silagens de alta umidade não são recomendadas devido a problemas fermentativos e à perda de nutrientes pelos efluentes. A silagem de baixa umidade ou pré-secado é a melhor em termos de conservação de alimento, pois com a menor umidade há uma maior concentração de açúcares que serão transformados em ácidos pelos microrganismos da silagem, porém existe o risco de chuvas esporádicas durante a colheita e o aumento do custo de colheita. Já a silagem emurchecida é colhida e processada diretamente e, quando a ensilagem é realizada corretamente, promove boa conservação do alimento.
Tipos de cultivares
No processo de escolha de cultivares para ensilagem, é interessante observar as indicações de manejo de cultivares comerciais e aspectos práticos como, por exemplo, a presença ou não de aristas que podem injuriar o aparato bucal dos animais. Existem diferenças a serem avaliadas como: a) Cultivares de trigo de duplo propósito que possuem aristas são indicadas somente para realização de pré-secados na fase vegetativa (exemplo BRS Tarumã); b) Cultivares de trigo de duplo propósito sem aristas ou pequenas aristas apicais, podem ser utilizadas tanto para elaboração de pré-secados na fase vegetativa e na fase reprodutiva, bem como silagem de planta inteira ou de grão úmido no final da fase reprodutiva.
Essas cultivares permitem até três cortes ou pastejos no ciclo da cultura (exemplo BRS Umbu e BRS Pastoreio); c) Cultivares de trigo sem aristas que permitem apenas um corte na fase reprodutiva (Tbio Energia); d) Cultivares de cevada produzem forragem precoce de elevado valor nutritivo e médio potencial de produção de massa seca por hectare (exemplo BRS Cauê); e) Cultivares de aveia devem ter boa tolerância ao acamamento para a produção de uma silagem de qualidade (exemplos Embrapa 139 Neblina, URS 21, URS Guapa, URS Brava, URS Altiva, IPR Afrodite, URS Corona, URS Taura, UPFA Gaudéria, UPFA Ouro, UPFA Fuerza e Barbarasul); f) Cultivares de triticale (Embrapa 53 e BRS Minotauro).
Condução da lavoura
O manejo das lavouras cultivadas para serem ensiladas no fim de inverno e início de primavera, devem ser conduzidas visando alta produtividade de grãos, de acordo com algumas indicações, por exemplo: a) Escolha de espécies e cultivares, adaptados, produtivos e resistentes aos principais fatores bióticos e abióticos; b) Época de semeadura entre março e junho, respeitando a época indicada para cada cultivar; c) Adubação de acordo com a análise de solo; d) Densidade de semeadura de 300 a 400 sementes aptas por metro quadrado; e) Preferir sempre que possível semeadura em linhas espaçadas de 0,17 a 0,20 m entrelinhas; f) Adubação de cobertura conforme indicação da espécie/ cultivar visando alta produtividade.
Colheita de forragem
O corte deve ser realizado de 5 a 10 cm acima da superfície do solo, independente se procedido com segadora de barras ou disco. Segadoras-condicionadoras aceleram a perda de umidade pelo rompimento de camadas de cutícula, que pode ser manejada com ancinhos para espalhar e enleirar quando necessário para melhorar a eficiência do processo. A indicação para colheita de forragens diretamente deve ser quando as plantas de cereais de inverno estejam no estádio de desenvolvimento, descrita por grãos pastosos a massa firme, com cerca de 70% de umidade, para resultar em boa fermentação.
Após o estádio de grãos em massa firme, ocorrerá dificuldade de eliminar oxigênio, que resultará em desenvolvimento de microrganismos indesejáveis e produção de micotoxinas. Quando a umidade for maior que 70%, as plantas devem ser manejadas para redução de umidade, ou seja, aumento da concentração de MS, processo denominado de emurchecimento. Pode-se proceder ao corte após a evaporação do orvalho e deixar secar de 2 a 6 horas, até atingir cerca de 45 a 65% de umidade. O tempo de secagem vai depender das condições climáticas. Fatores como intensidade de radiação solar, temperatura do ar, umidade relativa, velocidade do vento e umidade do solo. Salientase que radiação solar, temperatura do ar e umidade relativa são altamente correlacionadas.
Alta temperatura e baixa umidade do ar conduzem a rápida redução de umidade da massa a ser ensilada. Uma vez atingido o teor de umidade adequada, procede-se o enfardamento em bolas de 1,2 a 1,8 m de diâmetro e 1,2 a 1,7 m de comprimento, com massa de 230 a 900 kg. Diferente do feno, a silagem pré-secada necessita o revestimento com filmes plásticos para evitar a penetração de umidade, como para minimizar ou até eliminar trocas gasosas. Processo de ensilagem O processo de ensilagem ocorre possui quatro etapas, a) fase aeróbica, b) fase de fermentação, c) fase estável, d) fase de alimentação.
a) Fase aeróbica – Após o fechamento do silo, as células vegetais e os microorganismos continuam respirando até que termine o oxigênio remanescente, este processo dura em torno de um dia, dependendo principalmente da compactação. Nesta fase ocorre oxidação de açúcares em CO2 e água, com liberação de calor, portanto desperdiçando carboidratos que poderiam ser usados no processo fermentativo. Se ocorrer aquecimento excessivo ocorrerá à reação de Maillard, ou escurecimento não enzimático, que resulta em decréscimo de digestibilidade da proteína.
b) Fase de fermentação – Quando todo o oxigênio é respirado começa a fase anaeróbica do silo, onde os microrganismos consomem os açúcares disponíveis e os convertem em ácidos orgânicos pelo processo da fermentação. Nessa etapa, bactérias produtoras de ácido lático e outros microrganismos anaeróbicos, multiplicamse e produzem ácidos que reduzem o pH até a faixa desejável de 3,8 a 5,0, quando desenvolvimento de microrganismos indesejáveis é restringido. Embora as principais bactérias responsáveis pela fermentação sejam as produtoras de ácido lático, outras podem estar presentes em boas silagens como as produtoras de ácido acético e ácido propiônico. As bactérias produtoras de ácido butírico são toleradas em muito baixo nível e são indicadoras de deterioração da silagem. Essa fase dura de 7 a 30 dias e cessa quando o crescimento de bactérias produtoras de ácido lático é inibido pelo baixo pH.
Bactérias produtoras de ácido lático (BAL) são os principais microrganismos que reduzem o pH, indispensáveis para produção de forragens bem fermentadas. Existem basicamente dois grupos de bactérias produtoras de ácido lático, as homofermetativas, que produzem apenas ácido lático, e as heterofermentativas, que produzem também ácido acético, álcool e CO2, além de ácido lático, alguns exemplos dessas bactérias são apresentados na Tabela 1. Na Tabela 2 são apresentados o produto final da fermentação e recuperação da MS e energia em silagens (McDonald et al., 1991). As homofermentativas são as mais efetivas na redução de pH, porém outros organismos indesejáveis como Enterobactérias (coliformes), fungos (leveduras e mofos) e bactérias (Clostrídia) podem se proliferar e afetar negativamente a qualidade da silagem.
c) Fase estável – A fase estável dura por meses ou anos, desde que as condições anaeróbias sejam mantidas, evitando furos nos plásticos e lona. Geralmente as silagens armazenadas são utilizadas em período inferior a um ano.
d) Fase de abertura ou alimentação – Para evitar perdas de valor nutritivo, a silagem deve ser consumida tão logo seja removida do silo. Uma vez aberto o silo, os microrganismos crescem rapidamente e os ácidos láticos, ácidos acéticos e açúcares remanescentes são usados para produzir CO2, água e calor (McDonald et al., 1991). Como a superfície de exposição ao oxigênio é alta, para minimizar a deterioração, silos devem ser planejados para retirar fatias diárias de 0,1 a 0,3 m, cada dia. Em silos verticais, pelo menos 5,0 cm devem ser retirados para minimizar perdas aeróbicas.
A) Valor nutritivo de silagens de cereais de inverno
Nas Tabelas 3, 4 e 5 estão sumariados dados de composição nutricional típica de espécies de cereais de inverno mais utilizados para ensilagem (Fontaneli; Vieira, 2018; Fontaneli, Rob.S.; Fontaneli, Ren.S., 2012; LEHMEN et al., 2014). Os valores são médias de análises obtidas no Laboratório de Nutrição Animal do Centro de Pesquisa em Alimentação da Universidade de Passo Fundo (CEPAUPF) e estão sujeitas a alterações à medida que são incorporadas novas amostras a população original para cada tipo de forrageira.
Há grande variação nos nutrientes devido aos diferentes tipos de solos, disponibilidade de água, estação de crescimento, adubação e principalmente ao grau de maturidade das forrageiras no momento da colheita. Outros exemplos de valor nutritivo em função de espécie (trigo, aveia e centeio) e estádio de maturidade (emborrachamento, grão leitoso e grão em massa dura) são apresentados na Tabela 6 (ROTZ; MUCK 1994).
B) Detalhes de alimentação de vacas leiteiras com silagem
Para o uso de forragens alternativas na ração de vacas leiteiras, devem ser observados os seguintes aspectos, segundo Fontaneli; Fontaneli (2012).
1. Trabalhe sob orientação técnica ao selecionar a forrageira mais indicada para as condições edafoclimáticas de sua propriedade. Esse procedimento permite ter um suporte sobre o manejo a ser empregado (fertilizações, controle de pragas e momento para colheita).
2. Testes da composição nutricional devem ser utilizados devido à grande variação existente entre e dentro do mesmo tipo de forrageira. A tecnologia que usa a reflectância do infravermelho proximal (NIRS) é um método alternativo, preciso, rápido, sem resíduos, de baixo custo relativo às tradicionais análises químicas e não destrutivo.
3. Se as plantas foram ensiladas com teor de umidade entre 65 e 70%, adequadamente picada (1,0 a 5,0 cm), bem compactada, vedada, resultará em uma silagem bem fermentada de boa qualidade.
4. Rações balanceadas para FDN na base de 0,75% a 0,85% de FDN do volumoso em relação ao peso corporal é um bom referencial para a formulação.
5. A colheita no momento apropriado é crítica para obtenção de forragem com valor nutritivo desejado. A digestibilidade de muitas dessas espécies reduz rapidamente com o avanço da maturidade. Caso a colheita for atrasada o consumo, a digestibilidade e a produção de leite serão reduzidos.
6. O período de adaptação para o novo alimento (silagem) deve ser gradual e deve ser no mínimo de 15 dias.
Considerações finais
Pastagens de cereais de inverno são excelentes quando as plantas forrageiras são pastejadas durante o estádio de desenvolvimento vegetativo, porque apresentam forragem com elevada digestibilidade e proteína e baixo teor de fibras, resultando em elevado consumo e bons ganhos por animal, onde são comuns ganhos diários de 1,0 kg/novilho e produções diárias de leite de vacas Holandês de 18,0 kg. Porém, com a maturação, há grandes modificações com aumento do teor de fibras, diminuição da fração folhas e aumento da proporção de colmos, reduzindo digestibilidade e concentração de proteína, e com isso o consumo de forragem é reduzido, resultando em desempenho animal aquém do desejado. Comparativamente, os cereais de inverno produzem silagens inferior energeticamente às silagens de milho devido a diversos fatores, como constituição anatômica, morfológica e físico-química.
Apesar disso, a prática de elaboração de silagem de cereais de inverno deve ser incentivada, principalmente, por utilização de terra no período de inverno para produção de volumosos com qualidade adequada para diversas classes animais, período de menores riscos climáticos e menor competição por áreas comparado com Tabela 6. Rendimento de biomassa ensilável (MS t/ha), ciclo (dias), altura (cm) , teor de matéria seca (MS %), pH e N-amoniacal/N total, teores de proteína bruta (PB), de fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA) e digestibilidade estimada da MS (DEMS) de silagens de cereais de inverno. Embrapa Trigo, Passo Fundo, RS. o período de verão, onde são cultivadas culturas mais nobres, com maior liquidez e utilizadas por espécies animais mais eficientes em conversão de alimentos concentrados que são as aves de corte e de postura e os suínos.
Entretanto, atualmente há crescente oferta de forragem conservada na forma de silagem pré-secados (bolas), elaboração de silagens de grãos úmidos, reidratação de grãos, com comércio formal de forragens excedentes ou produzidas especialmente para atividades intensivas de produção de leite, especialmente nos sistemas intensivos ‘freestall e compost-barn’, que vem atraindo muitos investidores pela menor demanda por mão de obra e menor penosidade nas tarefas inerentes a atividades intensivas e diárias como é a produção leiteira. Elaboração de silagens são preferidas na região Sul-brasileira devido a menores perdas de colheita e estocagem que a fenação, com perda reduzida à campo especialmente apropriado para regiões úmidas.