O mofo-branco na cultura da soja


Autores:

Júlia Letícia Cassel, Gabriele Molinari Rother, Pedro Henrique Gatti, Daniela Batista dos Santos

Publicado em: 31/10/2020

1 Introdução

A sojicultura é uma das principais atividades agrícolas do Brasil, estando presente principalmente nas regiões Sul e Centro-Oeste do país. Segundo o IBGE (2018), na safra 2019/20 foram cultivados 21.113.100 hectares na região Sul do Brasil, sendo destes, 11.956.947 hectares compostos pela cultura da soja [Glycine max (L.) Merril]. Já no Rio Grande do Sul, de um total de 9.105.537 hectares cultivados, 5.843.533 hectares foram destinados à cultura da soja na safra de 2019, totalizando uma produção de 18.495.151 toneladas (IBGE, 2018).

Além de fatores climáticos como escassez hídrica, existem diversas doenças que interferem tanto no estabelecimento quanto no crescimento e desenvolvimento da cultura da soja. Atualmente, a ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi) e o mofo-branco (Sclerotinia sclerotiorum) são doenças de grande expressividade que podem causar elevados prejuízos ao produtor rural.

O mofo-branco (Figura 1) é uma doença que pode afetar distintas espécies vegetais, sendo estas cultivadas ou não. Além de afetar a cultura da soja, o mofo-branco pode ocorrer em plantas de cobertura como o nabo forrageiro, fazendo com que aumente o inóculo na área. Para evitar uma possível infestação, deve-se selecionar com cautela as plantas de cobertura, buscando-se optar, quando possível, por plantas não hospedeiras como gramíneas a exemplo da aveia branca, aveia preta ou centeio.

Diante disso, tornam-se necessários manejos para contornar e/ou evitar a ocorrência de mofo-branco. Assim, essa revisão de literatura busca elucidar as formas de disseminação do patógeno que causa o mofo-branco, assim como o desenvolvimento da doença e manejo a ser adotado nas lavouras de soja.

2 O mofo-branco na cultura da soja: o desenvolvimento da doença

A doença conhecida como mofo-branco, podridão-da-haste-de-esclerotinia ou podridão-branca-de-esclerotinia, é causada pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum, pertencente ao Filo Ascomycota, Classe Discomycetes, Ordem Helotiales e família Sclerotiniaceae (PEREIRA et al., 2013).

Além da soja, a qual pode ter sua produtividade reduzida em até 70% (REIS, ZANATTA, REIS, 2019), o patógeno pode infectar mais de 400 espécies de plantas incluindo tanto monocotiledôneas como dicotiledôneas, exceto gramíneas (AMORIM et al., 2016; PURDY, 1979). Outras plantas hospedeiras de importância econômica são feijão, algodão, alface, repolho, tomate, girassol, amendoim e ervilha, entre diversas espécies de plantas daninhas, como o picão (Bidens pilosa), carrapicho (Acanthospermum), caruru (Amaranthus) e vassoura ou guaxuma (Sida rhombiflora) (PEREIRA et al., 2013).

O fungo S. sclerotiorum é um parasita necrotrófico, ou seja, durante o processo de colonização o hospedeiro, o fungo provoca a morte do tecido vegetal (LEITE, 2005), principalmente devido a produção e liberação de ácido oxálico. Segundo Leite (2005), os sintomas da doença são caracterizados por lesões encharcadas nos órgãos afetados, de coloração parda e consistência mole, com micélio branco de aspecto cotonoso, cobrindo porções dos tecidos (Figura 1). Na planta de soja, os sintomas ocorrem geralmente no terço médio ou inferior das plantas, atingindo tanto a haste principal como pecíolos, folhas e vagens. Segundo Amorim et al. (2016), a fase crítica para infecção em que a planta de soja está mais vulnerável ao patógeno é durante a floração plena (R2) até o início de formação de vagens (R3/R4).

O patógeno pode ser disseminado por três diferentes formas,,todas muito importantes no ciclo das relações patógeno-hospedeiro: i) por meio de escleródios (modificações de hifas que formam estruturas de sobrevivência do fungo) presentes no solo; ii) através da produção dos ascósporos produzidos em corpos de frutificação (apotécios) após germinação carpogênica dos escleródios e que são disseminados pelo vento; iii) e através de sementes infectadas pelo micélio (Figura 2).

Os escleródios são estruturas de sobrevivência do fungo de coloração preta (Figura 1) (PEREIRA et al., 2013) e que podem permanecer viáveis por longos períodos no solo, dependendo das condições. Os escleródios são altamente resistentes a substâncias químicas, calor seco de até 600ºC e congelamento (ABREU, 2011).

Em condições favoráveis de temperatura e umidade o escleródio germina (entre 10 a 14 dias, segundo Abawi; Grogan, 1975) e pode produzir (i) micélio que penetra diretamente nos tecidos da planta, ou (ii) formar apotécios, que emergem na superfície do solo e liberam os ascosporos (LEITE, 2005), os quais são esporos sexuais que após germinarem produzem uma hifa que pode penetrar os tecidos da planta (Figura 2). Os apotécios produzem e ejetam cerca de 2 milhões de ascósporos que podem alcançar até 100 metros (STEADMAN, 1983). Em condições de umidade relativa acima de 70% e temperatura ao redor de 20ºC, os apotécios liberam ascosporos durante várias semanas, que são responsáveis pela infecção da parte aérea das plantas (LEITE, 2005). A temperatura ótima para o desenvolvimento do micélio situa-se entre 18ºC e 25ºC (LEITE, 2005).

Segundo Amorim et al. (2016), o fungo é capaz de infectar qualquer parte da planta, porém ocorrem infecções com maior frequência em inflorescências e axilas de pecíolos e ramos laterais. Além disso, nestes locais, em geral, o período de sombreamento e molhamento após o fechamento das linhas de soja pode chegar a até 16 horas por dia ou mais (NAVARINI et al., s.a.), criando um ambiente favorável para a infecção. Vale ressaltar, que o estágio de florescimento é importante porque quando os ascósporos atingem as inflorescências, o patógeno utiliza as pétalas como substrato para obter energia e infectar a haste ou pecíolo da planta posteriormente.

Assim, o mofo-branco tornou-se uma das doenças mais preocupantes da cultura da soja porque o patógeno apresenta elevada agressividade, facilidade de disseminação e possibilidade de sobrevivência no solo na forma de escleródios – sendo que algumas fontes relatam que o patógeno pode sobreviver no solo por oito ou mais anos na ausência de plantas hospedeiras (LOBO JUNIOR; SANTOS, 2013)

Trabalhos recentes, entretanto, constatam que é possível reduzir o período de sobrevivência dos escleródios no solo para até três anos, quando adotado o sistema de plantio direto e outras práticas de manejo, além de uso de sementes certificadas (LOBO JUNIOR; SANTOS, 2013). Dados mais animadores foram encontrados em pesquisas realizadas por Brustolin et al. (2016), onde demonstrou-se que os escleródios mantidos na superfície do solo perderam a viabilidade em até 12 meses, sob plantio direto e com rotação de culturas não hospedeiras do patógeno.

Em relação a disseminação de escleródios, as principais formas são por meio de sementes piratas ou não certificadas e transporte por máquinas agrícolas, como semeadoras e colhedoras (LOBO JUNIOR; SANTOS, 2013). Diante disso é necessário dar maior atenção em relação à limpeza do maquinário entre uma área e outra, além de optar sempre por compra de sementes certificadas.

Segundo Navarini et al. (s.a.); REIS et al. (2014); JULIATTI et al. (2015), a principal forma de disseminação do patógeno a longas distâncias é via sementes infectadas (com presença de escleródios e por micélio), mas não exclusivamente com a semente de soja. No Sul do Brasil, o nabo forrageiro é uma cultura comumente utilizada como cobertura durante o período de inverno e a sua semente o possui tamanho e formas semelhantes ao escleródio, o que dificulta sua separação. Portanto, se o agricultor não estiver atento à qualidade da semente, pode acabar involuntariamente introduzindo inóculo da doença no campo (NAVARINI et al., s.a.).

Assim, em razão do potencial de disseminação do fungo via escleródios presente nos lotes de sementes, foi proposto pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, na Portaria n° 47, de 26 de fevereiro de 2009, o padrão zero para Sclerotinia sclerotiorum em sementes de feijão, soja e girassol (BRASIL, 2009).

3 Métodos de manejo da doença

Segundo Leite (2005), a rotação de culturas com plantas não hospedeiras é fundamental para o manejo de mofo-branco. Em áreas onde ocorreram epidemias recentes, deve-se evitar o cultivo em sucessão com soja, girassol, canola, ervilha, feijão, alfafa, fumo, tomate e batata, entre outras culturas, devido à suscetibilidade a S. sclerotiorum, retornando com esses hospedeiros na mesma área somente após, pelo menos, quatro anos (LEITE, 2005). O uso de culturas não hospedeiras do patógeno como as gramíneas (milho, aveia branca ou trigo), serve para dar tempo para a degradação natural dos escleródios por meio de seus inimigos naturais (LEITE, 2005).

Outra forma de manejo da doença é por meio da produção de palhada no sistema de plantio direto, principalmente de gramíneas, que faz papel de barreira física para a formação de apotécios (LOBO JUNIOR; SANTOS, 2013). Contudo, esse manejo de solo ainda não protege as plantas dos ascosporos (LOBO JUNIOR; SANTOS, 2013). Além disso, o controle biológico é uma forma viável e promissora para controle da doença, CARVALHO et al. (2015).observaram redução do número de apotécios quando realizadas aplicações de Trichoderma spp. . O controle químico é outro método de manejo, entretanto seu uso requer muita atenção do produtor, principalmente em relação à época de aplicação do fungicida, sendo essencial para o sucesso do controle da doença, sendo que este pode reduzir de maneira eficaz a incidência e severidade da doença (CARDOSO et al., 2015).

Em estudos realizados por Meyer et al. (2018), a redução da produção de escleródios proporcionada pela maioria dos fungicidas avaliados reforça a importância da adoção do controle químico como uma das principais ferramentas no manejo do mofo-branco em soja. Contudo, segundo estes mesmos autores, considerando que o percentual máximo de controle observado foi de 81% e que ainda ocorre produção de escleródios, todas as demais medidas de manejo devem ser adotadas com a finalidade de inviabilização desses escleródios durante a entressafra, promovendo o manejo integrado da doença.

Os fungicidas mais eficientes no controle de mofo-branco em soja estão distribuídos em diferentes grupos relacionados ao modo de ação sobre S. sclerotiorum (MEYER et al., 2018). Entre eles estão: procimidona, uma dicarboxamida que atua na transdução do sinal osmótico; fluazinam, um inibidor da fosforilação oxidativa, atuando sobre a respiração do patógeno; fluopyram e boscalida, pertencem ao grupo dos inibidores de succinato desidrogenase (ISDH), que atuam na fase II da respiração do fungo; e dimoxistrobina pertence ao grupo dos inibidores da quinona externa (IQe), inibindo a fase III da respiração do patógeno (MEYER et al., 2018). Diante disso, essa diversidade em relação ao modo de ação dos fungicidas para controle de mofo-branco possibilita rotacioná-los, de forma que exerçam menor pressão de seleção sobre o patógeno e viabilize a adoção de estratégias antirresistência do fungo aos fungicidas, preservando a eficiência das moléculas pelo maior tempo possível (MEYER et al., 2018).

Já Juliatti et al. (2015), mencionam resistência do patógeno, principalmente para os fungicidas do grupo benzimidazóis (tiofanato metílico e carbendazim); sugerindo, a rotação entre as dicarboxamidas e outros grupos químicos para o controle da doença.

4 Considerações finais e perspectivas futuras

Em suma, é recomendado como forma de prevenção da doença o uso de sementes certificadas e a limpeza de maquinários entre uma área e outra, para evitar introdução do inóculo da doença. Quando na área já houver a presença do patógeno, é necessário que sejam adotados manejos que busquem a diminuição do inóculo ao longo do tempo. Entre as opções destes manejos, são recomendados uso de palhada, rotação com culturas que não são hospedeiras do fungo, manejo biológico e manejo químico, sempre seguindo recomendações de um engenheiro agrônomo.