Estabelecimento da cultura da soja e do milho: qual a ameaça dos patógenos de solo?


Autores: Jaqueline Huzar-Novakowiski ; Cleisla Molin ; Maicon Luiz Balbinotti Ferreira ; Anna Júlia Lütkmeyer ; Ígor Heller ; Marina Pelissoni ; Talia Comín
Publicado em: 31/10/2020

Visualize o seguinte cenário: a soja ou o milho foram semeados, na época ideal, com a cultivar recomendada para a região, na densidade sugerida e com tratamento de sementes com fungicidas e inseticidas. Alguns dias após a semeadura, você visita os campos e nota que há poucas plantas emergidas, e muitas daquelas que de fato emergiram apresentam-se literalmente tombadas. Logo, muitas perguntas começam a surgir na sua cabeça: qual a causa da problema? O que fazer? Preciso ressemear ou não?

Esse cenário tem se tornado recorrente em vários campos de produção na região sul do Brasil. O problema é agravado em áreas com solos compactados, mal drenados, altamente argilosos e quando ocorrem elevadas precipitações pluviométricas logo após a semeadura. Frequentemente, o problema é tão sério que há necessidade de ressemeadura das culturas, acarretando considerável aumento nos custos de produção.

A redução da população de plantas em estágios iniciais de estabelecimento tanto da cultura da soja quanto do milho pode ser decorrente do ataque de patógenos que causam podridões de sementes, podridões de raízes e tombamento (damping-off) de pré- e/ou pós-emergência.

O termo tombamento de pós-emergência (Figura 1A) é utilizado quando as plântulas decaem, murcham e morrem logo após a emergência. Esses sintomas também podem ser acompanhados por manchas nas folhas e pode ocorrer podridão radicular parcial ou completa. Dependendo do patógeno que ataca, pode ser observado um estrangulamento no colo da plântula ou mesmo o desenvolvimento de raízes adventícias.

Por outro lado, o termo tombamento de pré-emergência (Figura 1B) é atribuído quando as plântulas não atingem a superfície do solo devido ao comprometimento da germinação da semente ou quando, após a germinação da semente, os patógenos atacam os tecidos vegetais que ainda estão abaixo da superfície do solo. As plântulas podem murchar e morrer logo antes da emergência.

No Brasil, os principais patógenos tradicionalmente associados com tombamento em soja são os fungos Rhizoctonia solani e Fusarium spp. e o oomiceto Phytophthora sojae. Entretanto, em levantamentos mais recentes, várias espécies de Pythium spp. e Globisporangium spp. também foram associadas com tombamento em soja no sul do Brasil (MOLIN et al., dados não publicados). Em outros países produtores de soja, com destaque para os Estados Unidos, outros oomicetos como Phytopythium spp. (RADMER et al., 2017) também são relatados como patógenos em soja mas, por enquanto, não há relato oficial de sua ocorrência no Brasil, embora seja provável que também estejam presentes. Os mesmos patógenos citados acima podem causar tombamento em milho com exceção de Phytophthora sojae.

1 Os oomicetos

Phytophthora sojae, Pythium spp. e Globisporangium spp. são gêneros que, atualmente, pertencem ao Reino Chromista sendo comumente conhecidos como oomicetos (Tabela 1). Entretanto, no passado, devido a sua semelhança com fungos filamentosos, os oomicetos eram classificados no Reino Fungi. A exclusão dos oomicetos do Reino Fungi foi apoiada por estudos mais detalhados de morfologia e de biologia molecular (HO, 2018).

Apenas com base na observação da sintomatologia do tombamento (Figura 2A) ou podridão radicular (Figura 2B) não se pode afirmar com certeza qual é o agente causal. No caso dos oomicetos, a presença de oósporos (esporos sexuais) nas raízes de plantas é uma das principais informações para fins de diagnose (Figura 2C-D). Entretanto, a diferenciação entre oósporos de Phytophthora e Pythium pode ser difícil principalmente porque requer medições acuradas e pessoal treinado para tal finalidade. Mesmo assim, as dimensões dos oósporos de Phytophthora sojae (diâmetro médio de 40 μm) sobrepõem as medidas de várias espécies de Pythium (VAN DER PLAATS-NITERINK, 1981). Isso pode levar a erros de diagnose em atribuir a causa apenas a Phytophthora sojae e não a outros patógenos. A partir disso, recomenda-se que seja realizado o isolamento em meio seletivo para oomicetos e análises mais detalhadas da morfologia para diferenciação dos gêneros. Vale ressaltar que é comum recuperar várias espécies de oomicetos da mesma planta, e que o problema de tombamento pode muitas vezes estar relacionado a um complexo de espécies ao invés de apenas uma.

Os oomicetos apresentam reprodução assexuada por meio dos zoósporos produzidos por zoosporângios, e a reprodução sexuada por oósporos como resultado do contato dos gametângios masculinos (anterídio) e femininos (oogônio), também por copulação de gametângios ou por partenogênese (Figura 2E).

Os oomicetos podem sobreviver no solo na forma de oósporos dormentes por períodos prolongados, não se tem uma estimativa exata do tempo de sobrevivência, mas pode ser durante anos. Em condições adequadas, o oósporo germina, produzindo zoosporângios e zoósporos. Os zoósporos possuem flagelos que permitem a sua movimentação em água e entre as partículas de solo, sendo atraídos por exsudatos do hospedeiro. A diferenciação definitiva entre Phytophthora e Pythium reside no modo de diferenciação e descarga de zoósporos. Portanto, há a necessidade de envio do material para diagnose em laboratório.

Phytophthora sojae apresenta como hospedeiro a planta de soja e espécies de tremoço (Lupinus spp.) (TYLER et al., 2007). Contudo, tanto Pythium como Globisporangium possuem uma gama muito ampla de hospedeiros, incluindo gramíneas e uma grande variedade de plantas dicotiledôneas. As espécies de Pythium variam em patogenicidade e agressividade nas diferentes culturas de grãos como soja, milho e trigo, isso complica o desenvolvimento de estratégias eficazes de manejo de doenças, porque várias espécies devem ser manejadas.

Phytophthora sojae pode atacar as plantas de soja em qualquer estágio de desenvolvimento. No início da cultura pode causar tombamento de plântulas e em estádio mais avançados podridão radicular que avança na haste da planta. No caso de Pythium e Globisporangium, os sintomas de tombamento podem ser vistos desde a semeadura até a quarta ou sexta semana após a semeadura. Algumas plantas com condições de crescimento mais favoráveis ou quando são atacadas por espécie de menor agressividade podem continuar a se desenvolver apesar da presença de infecção nas raízes. Mesmo as plantas sobrevivendo à infecção inicial, as feridas não letais causadas pelos patógenos podem causar diminuição no crescimento das raízes e da parte aérea, resultando em menor vigor e rendimento das plantas, especialmente em períodos de estresse.

2 Os Fungos

Rhizoctonia solani é um fungo que pode atacar o milho, mas é mais frequentemente observada na soja. É comum observar a doença em padrão de reboleira (Figura 4A), ou seja, a doença ocorre em áreas definidas e facilmente visualizadas no campo.

As plantas apresentam lesões castanho-avermelhadas no colo da planta (Figura 3B) que podem evoluir para um cancro seco, causar estrangulamento da haste, murcha e morte da planta; pode ocorrer a formação de raízes adventícias acima da lesão como forma da planta tentar sobreviver. O patógeno pode causar tombamento de plântulas (Figura 3C). Além disso, em áreas com histórico de ocorrência de R. solani é comum observar morte de plantas com maior intensidade após o estádio de florescimento da soja. Geralmente a planta sintomática, apresenta-se menor que as sadias e torna-se amarelecida, evoluindo para uma murcha em suas folhas e essas secam, as plantas afetadas são facilmente arrancadas pela falta de desenvolvimento das raízes, geralmente as plantas morrem e não completam o ciclo (CASA & REIS, 2012).

A doença é favorecida por elevada umidade e temperaturas na faixa de 25°C a 29ºC (HARTMAN et al., 1999). O patógeno é um habitante natural do solo e pode persistir por um longo tempo produzindo somente micélio (CASA & REIS, 2012). Por ser um patógeno necrotrófico, pode sobreviver também em restos culturais. É por meio do crescimento do micélio que o fungo infecta a planta, suas hifas crescem dentro e entre as células do tecido vegetal, destruindo os tecidos e causando lesões Para fins de diagnose, a hifa do fungo é septada e apresenta ângulo de 90 graus (Figura 3D). O seu surgimento foi constatado primeiramente em áreas abertas sob campo nativo, em que com o passar dos anos de cultivo a incidência iria reduzindo (CASA & REIS, 2012).

3 Fusarium spp.

Há várias espécies de Fusarium que podem atacar a cultura da soja e a cultura do milho. No caso do milho pode-se destacar as espécies F. moliniforme e F. verticillioides de maior importância econômica, ao passo que para a soja F. solani é um importante patógeno de solo associado ao tombamento. Vale ressaltar que espécies de Fusarium como F. semitectum podem sem transmitidas por sementes. As espécies de Fusarium podem causar podridão de sementes e podridão radicular que pode levar ao tombamento de plantas.

4 Como manejar o tombamento?

Todos os patógenos apresentados aqui que causam tombamento em soja e/ou milho são habitantes naturais do solo, sendo que as estruturas de repouso são a fonte de inóculo da doença.
A diagnose correta de quais patógenos estão presentes na área é o primeiro passo para determinar quais métodos de controle serão mais eficazes em minimizar ou mesmo evitar o problem em safras futuras. Vale a pena destacar que apenas com base nos sintomas é difícil chegar a uma diagose precisa. Portanto, é altamente recomendável coletar plântulas de soja com sintomas e enviar para um laboratório credenciado para diagnose.

5 Controle cultural

A melhoria da drenagem do solo é um dos principais fatores a serem considerados no manejo de tombamento de plântulas, uma vez que os patógenos requerem condições de elevada umidade por períodos prolongados para causar a infecção. Em solos compactados, ocorre redução na porosidade de aeração ou macroporos, e com isso é alterada toda a dinâmica da água no solo, aumentando a densidade do solo e diminuindo a disponibilidade de ar no solo e a infiltração de água (KLEIN, 2014). Portanto, em solos com sistema plantio direto mal conduzido (ausência de rotação de culturas e/ou cobertura de solo) há favorecimento do excesso de umidade do solo e isso deve ser evitado.

A época de semeadura também é um importante fator a ser considerado principalmente com relação as condições de umidade e temperatura do solo. Épocas de semeadura que coincidem com elevadas precipitações pluviométricas irão contribuir para que a doença seja observada. Semeaduras muito antecidadas ocorrem quando as temperaturas estão mais baixas o que acarreta menor velocidade de germinação das sementes e emergência das plântulas proporcionando maior tempo de contato com patógenos de solo o que pode agravar o problema de tombamento. É importante ressaltar que a temperatura pode determinar qual o grau de ocorrência de certas espécies de Pythium (P. tolurosum e P. sylvaticum). Entretanto, algumas espécies apresentam adaptabilidade a uma ampla faixa de temperatura (P. oopapillum e P. lutarium) e, portanto, a umidade do solo será o principal fator na determinação da ocorrência da doença.

A qualidade fisiológica da semente é outro ponto muito importante a ser observado. Deve-se dar preferência a sementes não apenas com elevada porcentagem de germinação, mas também altos níveis de vigor. Somente o vigor não evitará que a doença ocorra, mas quando associado ao tratamento de sementes com fungicida pode ser uma ferramenta eficaz para minimizar o problema (Figura 4B).

A rotação de culturas por si só não é uma medida de controle totalmente eficiente em reduzir o problema de tombamento. Isso se deve ao fato de que o tombamento é causado por patógenos habitantes de solo e que produzem estruturas que garatem a sua sobrevivência por vários anos na ausência do hospedeiro. Mesmo assim, a rotação de culturas é recomendada como forma de promover uma maior diversidade de plantas hospedeiras na área e proporcionar palhada que favorece o desenvolvimento de organismos antagonistas que podem auxiliar no manejo da doença.

6 Controle químico

Metalaxil e metalaxil-M (mefenoxam) são fungicidas com elevada eficácia para controlar oomicetos. No Brasil, os produtos comerciais para tratamento de sementes registrados para soja apresentam apenas a opção de utilização do metalaxil-M, o qual é um fungicida do grupo químico acilalaninato que inibe a síntese de RNA ribossômico comprometendo a produção de proteínas (REIS et al., 2019).

A concentração do ingrediente ativo nos produtos comerciais brasileiros é baixa comparada com os produtos comercializados nos Estados Unidos, o que pode estar associado ao fato de ser um produto caro e ter como alvo apenas os patógenos associados ao tombamento. Além disso, a dose recomendada também é menor, o que faz com que uma quantidade de ingrediente ativo bem inferior ao que é usado nos Estados Unidos é de fato utilizada no Brasil. Um dos principais entraves para isso é o fato de que os produtos brasileiros consitutem-se em misturas de ingredientes ativos, desta forma, o aumento da dose com a finalidade de aumentar a quantidade de metalaxil-M inevitavelmente leva ao aumento da dose dos demais produtos, o que poderia ocasionar problema de fitotoxicidade e comprometer a qualidade fisiológica das sementes. Assim, estudos sobre aumento da dose precisam ser realizados, assim como o estudo sobre a possibilidade de oferecer produtos com maior concentração de metalaxil-M.

Existem outros fungicidas alternativos e de menor custo, especialmente os de amplo espectro, como tiram que tem um efeito de controle de tombamento, embora esse controle seja inferior ao metalaxil-M (Figura 4A). Para a cultura do milho, no Brasil além do tiram há a opção de uso do captana que também é um fungicida multisítio (REIS et al., 2019).

Devido a sensibilidade reduzida de Pythium spp. ao metalaxil-M, novos fungicidas como ethaboxam (SCOTT et al., 2020) e oxathiapiprolin (LOYO, 2018) foram lançados nos Estados Unidos recentemente, mas ainda não há produtos comerciais no Brasil.

Para controle de Rhizoctonia solani há opção de uso de fungicidas à base de tiram, captana, fludioxonil e tiofanato-metílico. Para controle de Fusarium, o tratamento de sementes pode ser feito com produtos à base de (benzimidazois como carbendazim, tiofanato-metílico e tiabendazole), fenilpirrol (fludioxonil), captana ou tiram. Fungicidas do grupo químico dos benzimidazois atuam na inibição da beta-tubulina o que interfere na divisão da célula causando a morte do fungo (REIS et al., 2019). No caso do fludioxonil, podem ocorrer várias alterações no metabolismo do fungo, mas o sítio de ação está na fosforilação da glicose (REIS et al., 2019).

7 Controle genético

No caso de Phytophthora sojae, a escolha de cultivares pode auxiliar no manejo da doença. A resistência genética a esse patógeno em soja pode ser completa, radicial ou parcial. A resistência completa é raça-espeéifica sendo conferida por genes dominantes Rps que são efetivos para controle de tombamento no início de desenvolvimento da cultura. Os genes Rps1a, 1c, 1k e 3a são os que predominam em cultivares brasileiras (DEUNER et al. 2019). A resistência radicial também é do tipo raça-específica por meio do gene Rps2. E no caso da resistência parcial, vários genes estão envolvidos e é importante para manejo de podridão radicular de fitóftora que acomete plantas adultas.

Muito pouco se sabe sobre a resistência genética para diferentes espécies de Pythium spp. e Globisporangium spp.. O que torna esse método de controle mais desafiador é a grande diversidade de espécies que podem atacar a soja e o milho. Assim, embora já se tenha conhecimento e um gene Rpa1 que foi sugerido ser um tipo de R-gene de resistência completa a P. aphanidermatum (ROSSO et al., 2008), e muitos traços quantitativos loci (QTL) que contribuem para resistência parcial. Para G. irregulare, um QTL foi identificado em soja (STASKO et al., 2016). Todavia, por enquanto, não existem cultivares comerciais de soja resistentes ao tombamento causado por Pythium ou Globisporangium.

Existem poucos trabalhos que abordam o controle genético focado em R. solani, porém segundo Ben (2015), nota-se a evolução dos genótipos fez com que esses perdessem sua rusticidade e proteção natural, tornando-se mais susceptíveis às podridões, dentre as dez cultivares avaliadas no trabalho existem diferenças genéticas quanto a tolerância a danos causados por R. solani, sendo quatro consideradas tolerantes segundo os parâmetros analisados.

8 Controle biológico

O controle biológico é uma ferramenta muito interessante para o controle de patógenos de solo. Sabe-se que várias espécies de Trichoderma e Bacillus são eficientes para controlar Pythium, Globisporangium, Phytophthora, Rhizoctonia e Fusarium. Todavia, no Brasil, há limitada informação a respeito do controle biológico para oomicetos em grandes culturas, o que deveria ser objeto de estudo para muitos pesquisadores.

9 Considerações Finais

Parece trivial quando se fala que precisamos utilizar vários métodos de controle visando o manejo de doenças, mas de fato no caso de tombamento como há vários patógenos envolvidos, a associação de diferentes métodos de controle se torna imprescindível. Se problemas com tombamento são observados, as estratégias de manejo apenas poderão ser aplicadas na mesma safra caso haja a necessidade de ressemeadura, do contrário a informação servirá como base para tomada de decisão na safra seguinte. Ainda conhecemos pouco sobre o problema no Brasil, e, portanto, mais pesquisas são necessárias para compreender quais patógenos predominam para determinar medidas de controle mais eficazes.