Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) sobre o campo


Autores: Michele Fornari ; Telmo Jorge Carneiro Amado ; Heliodoro Catalán Mogorrón ; José Luís Trevizan Chiomento
Publicado em: 31/10/2020

Avanços recentes na área de Agricultura de Precisão (AP), associados ao desenvolvimento de sistemas globais de navegação e sensoriamento remoto, estão ampliando as perspectivas de uso dos Veículos Aéreos Não Tripulados, os drones, na agricultura. Relativamente baratas e fáceis de usar, essas aeronaves, equipadas com sensores e recursos de imagem cada vez mais eficientes e precisos, podem auxiliar agricultores a aumentar a produtividade e reduzir danos em lavouras por meio de levantamentos de dados que permitem detectar pragas e estimar produtividade para citar alguns exemplos. No Brasil, no ultimo ano, o crescimento passou de 48.752 para 71.561 drones cadastrados sendo que desses 40% foram cadastrados para uso no agronegócio (Sisant, 2019). No mundo, o mercado global de 2016 até esse ano foi da ordem de US$ 32,4 bilhões, especificamente para agricultura. No presente artigo são abordadas as possibilidades de uso dessas aeronaves na agricultura.

1 Veículos Aéreos Não Tripulados

Vants, UA (Unmanned Aircraft), RPAS (Remotely Piloted Aircraft System) ou popularmente conhecido como drones, inclui uma grande gama de aeronaves que são autônomas, semiautônomas ou remotamente pilotadas. Segundo o DCEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), a definição para Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) é: “o termo utilizado para se referir a todo e qualquer equipamento que acesse o espaço aéreo sem que haja a presença de um ser humano a bordo”. O termo VANT é considerado obsoleto pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), assim eles utilizam o termo RPAS para se referir aos sistemas de aeronaves remotamente pilotadas utilizadas com propósitos não recreativos.

Os primeiros RPAS não se parecem em nada com os sofisticados modelos atuais. Em 1935, Reginald Denny projetou e testou o RP-1 primeira aeronave remotamente pilotada rádio – controlada (Figura 1) utilizado para fim militar.

No Brasil, os primeiros relatos de RPAS ocorreram na década de 80, quando o Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) desenvolveu o projeto Acauã. Também com viés militar, o objetivo era desenvolver uma plataforma de ensaios visando a formação de sistemas de controle e telemetria para um futuro alvo aéreo manobrável com o míssil “Piranha”, então em testes. O protótipo possuía uma envergadura de 5,1 m, comprimento de 4,8 m, peso de 120 kg e atingia uma velocidade de 100 km/h (Figura 2).

Dentre as aplicações civis, principalmente focado na agricultura surgiu o projeto ARARA (Aeronave de Reconhecimento Assistida por Rádio e Autônoma) (Jorge, 2001). Seu principal objetivo foi a substituição de aeronaves convencionais utilizadas na obtenção de fotografias aéreas, para monitoramento de áreas agrícolas e áreas sujeitas a problemas ambientais, por VANT’s de pequeno porte que realizam missões pré-estabelecidas pelos usuários. De 2000 até os dias atuais muito se tem investido na área de VANT aplicados na agricultura. Empresas, Universidades, centros de pesquisas têm desenvolvidos modelos, softwares e sistemas de captura de imagens cada vez mais eficientes e acessíveis aos produtores.

2 Tipos de VANTs

Os VANTs podem ser divididos em três grupos: os de asas rotativa ou multirotor, de asas fixa e os híbridos.

Os VANTs híbridos (figura 3a) são aeronaves capazes de decolar na vertical, e após a decolagem são capazes de desenvolver um voo como aviões, por meio da inclinação dos motores ou da fuselagem. Reúne as duas grandes maiores vantagens dos dois tipos de equipamentos: a facilidade operacional dos pequenos drones e a grande capacidade de mapeamento dos de asa fixa.

Os multirotores (figura 3b) possuem decolagem e aterrisagem vertical, são leves, de fácil transporte e oferecem um conjunto de vantagens tecnológicas que otimizam sua performance, como: Estabilização autônoma das atitudes em voo da plataforma obtido pelo acionamento direto de quatro ou mais hélices e sistema de controle embarcado; Possibilidade de programação de voo estacionário ou avanço em alta velocidade até pontos prédeterminados (coordenadas geográficas), por computador; Comando de retorno autônomo para a base operacional; Baixo peso da plataforma e alto potencial de carregamento (sensores e câmeras embarcados); Possibilidade de uso de câmeras especiais, como infravermelho (NIR) e de alta resolução (HD) de foto e vídeo; Estação Base (em terra) com integração de dados de voo, captura de imagem e cartografia; Alta capacidade de customização para diferentes aplicações. Alta convergência de tecnologias como: TI, robótica, nanotecnologia, materiais compostos, miniaturização de sensores e poder de processamento embarcado. Nessa classe que enquadram-se os drones pulverizadores.

Os de asa fixa (figura 3c) necessitam de pista de pouso e decolagem, ou uma propulsão que a lance, geralmente tem longa duração de voo.

Esses tipos de VANT´s são os mais utilizados para monitoramento de grandes áreas devidos a duração e velocidade dos voos.

No Quadro 1 podem ser observadas as principais vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de VANT segundo a asa, fixa ou rotativa. Os aspectos que foram citados por Medeiros (2007) foram as condições de campo (área livre para pouso e decolagem), custo (valor para o desenvolvimento do VANT), fatores climáticos (condições meteorológicas), trajetória (capacidade de manter uma rota pré-determinada) e transporte (condições de acomodamento para o transporte).

No Brasil, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) categorizou os VANTs quanto ao peso da aeronave, cada categoria exigirá certos requerimentos para a utilização dos equipamentos. De acordo com a ANAC, na classe 1 (peso maior que 150kg) as aeronaves deverão ser certificadas pela ANAC, serão registradas no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) e os pilotos deverão possuir Certificado Médico Aeronáutico (CMA), licença e habilitação, e todos os voos deverão ser registrados. Para a classe 2 (peso menor ou igual a 150kg e maior que 25kg) as aeronaves não precisarão ser certificadas, mas os fabricantes deverão observar os requisitos técnicos exigidos e ter o projeto aprovado pela Agência, também deverão ser registradas no RAB e os pilotos deverão possuir CMA, licença e habilitação, e todos os voos deverão ser registrados. E por fim a classe 3 (peso menor ou igual a 25kg) devem ser operados até 400 ft acima do nível do solo (aproximadamente 120 m) e em linha de visada que permita acompanhamento visual, serão apenas cadastrados (apresentação de informação sobre o operador e o equipamento), não será requerido CMA nem será necessário registrar os voos. Entretanto, será exigida licença e habilitação somente para quem pretender operar acima de 400 ft. Essas informações estão todas contidas no Regulamento Brasileiro de Aviação Civil Especial n° 94/2017 (RBAC-E nº 94/2017), sendo complementar as outras normas estabelecidas pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

Além de estar regulado pela ANAC também é necessário ter aprovação por parte da ANATEL, em virtude da utilização de rádio frequência nos controles remotos. Também é necessário solicitar acesso ao espaço aéreo brasileiro para o voo com o VANT, solicitando autorização de voo ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), salvo aqueles que sejam utilizados com o propósito de lazer, hobby ou competição.

O DECEA já tem uma legislação para acesso do espaço aéreo para VANTs, que é o ICA 100-40, que regulamenta a utilização do espaço para aéreo para voos com RPAs.

3 Sensores para o estudo da vegetação

O uso de VANT em agricultura de precisão tem focado no uso de sensores embarcados que auxiliam na tomada de decisão baseadas na reflectancia da planta, ou seja, em medidas da reflexão da radiação eletromagnética (REM) após interação com diferentes superfícies em diferentes comprimentos de ondas do espectro eletromagenético. Esses sensores, são responsáveis por captar a energia ou calor (sensor termal) da vegetação e fornecer informações sobre o desenvolvimento e sanidade das culturas, permitindo assim uma maior precisão na tomada de decisão sobre as intervenções a serem realizadas na lavoura.

Quanto ao comportamento espectral de uma planta exposta a uma REM, parte desta é refletida e emitida à atmosfera, parte absorvida e utilizada nos processos fisiológicos vitais e o restante é transmitida, sendo estes dependentes do comprimento de onda da energia direcionada. A reflectância engloba os efeitos de muitos fatores biofísicos, tais como estrutura e geometria das plantas, tamanho, anatomia e idade das folhas, arranjo das plantas no campo, entre outros (Vian, 2015).

Moreira (2000), em estudo realizado sobre a resposta espectral de folhas verdes, constatou que no intervalo de comprimento de onda de 400 a 700 nm a reflectância é baixa, 10%, apresentando um aumento de resposta na região do verde (550 nm). Na faixa do infravermelho próximo (700 a 1300 nm) há um aumento nos valores de reflectância, atingindo cerca de 50%. A queda de reflectância na faixa do visível está associada à absorção pelos pigmentos foliares, principalmente pela clorofila, a qual se caracteriza como o fotorreceptor principal (65%), e os carotenos (6%) e xantofilas (29%), que são os fotorreceptores auxiliares (Larcher, 1986; Ponzoni, 2001). Na região do azul, a absorção ocorre próxima a faixa de 445 nm, associado principalmente aos pigmentos xantofila, carotenos e clorofilas alfa e beta. Na região do vermelho, 650 nm, a reflectância é inversamente proporcional à quantidade de clorofila presente no dossel vegetal e, portanto, é sensível ao componente fotossinteticamente ativo.

A reflectância medida pode sofrer interferência de fatores externos a cultura o que pode ser solucionado parcialmente através da utilização de índices de vegetação, como o NDVI ( Índice de Vegetação por Diferença Normalizada).

Esse índice, utiliza dados de reflectância do vermelho e infravermelho, sendo calculado pela equação NDVI= (PIV– PV)/(PIV+PV), onde PIV e PV são as reflectâncias no infravermelho próximo e no vermelho, respectivamente. Os valores de NDVI vão de uma escala de -1 a 1. Quanto maiores os valores do NDVI, maiores as diferenças entre a reflectância do infravermelho com o vermelho, o que indica maior quantidade de clorofila e matéria seca . Por ser um índice que trabalha com a banda do vermelho, em condições de maior cobertura do solo com a vegetação, ocorre um pico de absorção nessa banda. Quando isso ocorre, o NDVI satura e o torna insensível ao aumento da biomassa a partir de determinado estágio de desenvolvimento, ou seja, o índice estabiliza em um patamar apresentando um mesmo valor, embora ocorra um aumento da densidade do dossel.
Para superar essa limitação, nos últimos anos alguns índices de vegetação foram desenvolvidos usando a reflectância da borda do vermelho, como o NDRE(Índice de Vegetação da Borda do Vermelho ). Esse índice é calculado pela equação NDRE=(NIR-RedEdge)/(NIR+RedEdge), onde NIR e RedEge são as reflectâncias na banda do infravermelho próximo e borda do vermelho, respectivamente. As principais vantagens dos índices de vegetação da borda do vermelho é que eles são menos influenciados pelas estruturas do dossel das plantas. Assim, são mais promissores para a construção de modelos de estimativas de índice de área foliar e de produtividade. Logo, sendo possível se estimar a produtividade, mesmo que de forma indireta, e é possível se aplicar doses de N de forma mais racional e precisa, de acordo com o potencial e resposta da cultura a esta adubação, visando a redução no consumo do fertilizante, sem afetar a produtividade, reduzindo os efeitos do N como poluente, bem como os gastos desnecessários ao produtor.

Por meio desses sensores capazes de gerar índices de vegetação que iniciaram-se os estudos que possibilitaram o entendimento das necessidades nutricionais das plantas em tempo real e a aplicação de N a taxa variável nas lavouras, levando em consideração a variabilidade espacial. Foram também esses sensores os responsáveis pela criação de algoritmos capazes de identificar plantas daninhas e aplicar herbicidas a taxa variável, por identificar regiões afetadas com nematoides e aplicar defensivo químico no sulco apenas nessas regiões, por identificar estresse hídrico e trabalhar com irrigação de precisão, entre outras aplicações que encontram-se de forma resumida no quadro 2.

Diante do exposto fica claro que os VANTs vieram para transforma a agricultura e auxiliar o produtor na tomada de decisão. Essa ferramenta de fácil uso, baixo custo e alta resolução criará um novo e sólido mercado econômico que pode ser um dos motores da economia mundial dos próximos anos.